O que tem uma coisa a ver com a outra, perguntaria o eleitor?
Respondo que em condições naturais de temperatura e pressão política, nada ou muito pouco. Mas essas condições são apenas teóricas, presentes em um mundo irreal. Na realidade, o universo político é exercido em temperaturas que vão do zero absoluto até aquela que se poderia medir na parte mais quente da nossa estrela da quinta grandeza, o que já seria suficiente para derreter todas as instituições, sublimando-as para a situação de um gás inefável. Vejamos o que aconteceria com o Direito Comercial, conforme as linhas que poderiam ser adotadas pelos diversos (muitos, mesmo) candidatos à presidência que estão disputando os nossos votos.
1. Candidato xiita de esquerda – O Direito Comercial desapareceria, pois as empresas privadas - condição para a sua existência - seriam engolidas (sem indenização de qualquer espécie) pelo Estado Paternalista Total – EPT. Ao Estado caberia prover os cidadãos de tudo o que precisam, por meio dos produtos e serviços fornecidos pelas empresas colocadas totalmente sob o seu controle. Para esse efeito os pobres nada pagariam, cabendo aos ricos sustentarem a si mesmos e aos primeiros, mediante o pagamento dos impostos correspondentes. Como alguém poderia ficar rico em tal situação a doutrina do EPT não explica. Talvez os ricos tenham árvores que produzem dinheiro, segredo não transmitido aos pobres, sob a pena de se acabar a luta de classes.
2. Candidato moderado de esquerda (existe?) – Neste caso o Direito Comercial continuaria existindo tão somente para o fim de residualmente resolver os problemas dos empresários que atuassem em caráter complementar dentro de uma pequena parcela da economia, já que a sua maior parte seria de responsabilidade de centenas de empresas estatais. Os bancos privados seriam extintos (sem indenização, evidentemente), ficando no mercado apenas os bancos públicos, que fariam operações de crédito à taxa de juros única de 0,6% ao ano, podendo em casos excepcionais chegar a 1%. Não seria necessário um Banco Central, cabendo a condução da política econômico/financeira a um tesoureiro do partido do presidente eleito, sem salário, porque a propina seria institucionalizada. A conta negativa dessa política seria paga pela emissão de dinheiro, até mesmo na forma de criptomoedas.
3. Candidato xiita anarquista de esquerda – Deixei este por último dentro da esquerda para que o leitor não ficasse muito assustado se tivesse deparado com ele de cara. Assim os sustos têm sido progressivos. Se esse candidato for eleito, não só desaparecerá o Direito Comercial, como o direito em geral e todas as instituições sociais que, para ele, estão podres. Temos que começar do zero, até mesmo com relação ao direito à vida. Por exemplo, se um assaltante roubar o celular de alguém e lhe dar um tiro, matando-o, poderá o seu ato não configurar um crime. Isto porque terá que se afastar a presunção de que foi culpa da sociedade o fato de que o assaltante foi levado a esse tipo de vida. A vítima, azar dela, estava na hora errada, no lugar errado, de posse de um bem que se tornou essencial para todas as pessoas, negado ao assaltante que precisava dele, mesmo que fosse para entrar repassá-lo para algum colega hospedado em alguma prisão de pretensa segurança máxima. Os detratores desses candidatos afirmam indevidamente que eles defendem somente os direitus umanus dus bandidu e não os da população ordeira.
4. Candidato xiita da direita – Toda a economia seria regida pelo ministério do planejamento e propaganda. Neste caso o Direito Comercial continuaria a existir para tutelar todas as questões das guerras selvagens entre os empresários e o consumidor, desde que sua atuação não interferisse nos ditames imperiais daquele ministério. O consumidor que se vire e deixe de ser trouxa. O alvo do Direito Comercial será incentivar os grandes monopólios, que fariam livremente os seus preços para o mercado. Seriam formadas grandes corporações empresarias sob a condução do Estado. As forças armadas teriam um papel fundamental para esse candidato, devendo fazer intermináveis desfiles todos os meses, sob o aplauso das multidões.
5. Candidato moderado de direita (existe?) – Ele é a favor do mercado, mas com um pouquinho de controle e isto se refletiria na sua concepção de Direito Comercial, que seria um pouco flexível em favor dos consumidores, mas sem ferir os direitos indeléveis dos empresários. O Direito Comercial teria um papel de moderador, trabalhando para evitar os abusos mais afrontosos causados aos direitos dos consumidores e aos dos empresários de menor porte. "Viva o Estado, pero non mucho!". Esse é o seu lema. O juro deve ser o das taxas médias de mercado, seja lá o que isso signifique.
6. Candidato moderado de centro – Sua realidade é a de um equilibrista andando em cima de uma corda atravessada entre dois prédios na avenida Paulista ou entre o Pão de Açúcar e o Morro da Urca. Ele é a favor do Direito Comercial ou muito pelo contrário. Para os empresários ele é a favor do controle dos juros. Para os banqueiros o juro deve ser formado pelas forças do mercado. Para o consumidor o juro precisa ser razoável. Um novo código comercial será muito bem vindo, desde que não interfira em nada do que está por aí. Afinal de contas, "em time que está ganhando não se mexe".
7. Candidato totalitarista de direita – Também o deixei por fim na análise da direita. Esse tem uma suástica tatuada no seu coração, internamente é claro, porque não ficaria bem mostrá-la por aí, pois ele poderia ser mal compreendido. Para esse candidato o Estado está acima de todas as coisas, devendo o povo entender que é um rebanho a ser conduzido pelas sábias mãos do grande mestre. Somente ele é detentor da verdade e não pode por isto ser contrariado nunca, nunca, nunca. Ora, neste caso o Direito Comercial será o direito do Estado e as empresas estatais serão o grande instrumento de conquista de vitórias econômicas diante do mundo. O povo terá o direito de comprar somente o que o Estado vender, não importa se há ou não (e sempre será não) qualidade e bom preço.
Considerações comparativas e conclusivas
Deve se ter em vista que muito do que os candidatos prometem ficará inteiramente no vazio se antes "eles não combinarem com os gringos". Claro! Quase tudo o que eles prometem depende de leis a serem votadas pelo Congresso. E se sobre este o presidente eleito não tiver controle, era uma vez o monte de promessas que ele possa ter feito. E o Congresso continuará sendo um balcão de negócios, quase sempre escusos.
É interessante verificar que os extremos da esquerda e da direita são muito parecidos nas suas concepções, bastando que um deles atravesse a fronteira e coloque uma roupa nova para virar de esquerda em direita e vice-versa.
O sucesso dos candidatos vencedores sempre será o resultado da venda do seu voto pelo eleitor. Não existe eleitor pessoalmente desinteressado e, muito menos inocente. Ele pensa somente em si mesmo em primeiro lugar e, somente depois de atendido ele pode pensar nos outros e na sociedade em geral.
Todos os candidatos têm o DNA do pinóquio: são mentirosos. A diferença é que o nariz deles não cresce.
Algumas expressões nunca são usadas por qualquer candidato ou se o forem, seu objeto será devidamente camuflado. Mas no seu íntimo os candidatos gostariam muito de transformá-las em realidades. Entre elas temos: (i) é preciso reformar a previdência; (ii) devemos aumentar alguns impostos para cobrir o rombo; (iii) os salários públicos precisam ser congelados por algum tempo; (iv) não existe direito adquirido contra o interesse da nação; (v) precisamos cobrar alguma coisa pela saúde, não dá para ser tudo de graça (ou melhor, uma desgraça!); (vi) é preciso privatizar a Petrobrás, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal (essa frase caberia somente para os candidatos da direita. Afinal, para a esquerda, o petróleo e o pré-sal são nossos!).
Já chega por hoje, leitor! É depressão para além de qualquer Lexotan.
P.S. Devo confessar que o Direito Comercial entrou nessa crônica como Pilatos no credo.
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*Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa é sócio do escritório Duclerc Verçosa Advogados Associados. Professor Sênior de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP.