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Terceirização na atividade-fim: julgamento do STF de 30/8/18

Os sindicatos dos empregados terceirizados assumirá papel de destaque, sendo necessário seu fortalecimento para a garantia de melhores condições de trabalho aos terceirizados.

5/9/2018

1. Introdução

 

A terceirização foi um dos temas que sofreu maior modificação em 2017. A terceirização surgiu como forma de dinamizar e especializar os serviços nas empresas. Ocorre a terceirização quando uma empresa, em vez de executar serviços diretamente com seus empregados, contrata outra empresa para que esta os realize, com o seu pessoal sob a sua responsabilidade. O empregado é contratado pela empresa intermediadora (empregadora), mas presta serviços em outro local (empresa tomadora).

Na terceirização, há três pessoas envolvidas na relação jurídica: trabalhador, empresa prestadora (ou intermediadora) de serviços e empresa contratante (tomadora de serviços). Verifica-se, assim, que a relação é triangular1. O vínculo empregatício ocorre entre trabalhador e empresa prestadora de serviços a terceiros, embora o trabalhador preste serviços em outro local, na empresa contratante.

Até o final de março de 2017, não havia regulamentação em lei acerca da terceirização. A disciplina jurídica era realizada pela súmula 331 do TST. Portanto, coube ao Poder Judiciário estabelecer os parâmetros e limites para a terceirização de serviços. Ocorre que, no dia 31/3/17, foi promulgada a lei 13.429/17 , que alterou e acrescentou diversos dispositivos à lei 6.019/74 para tratar sobre a terceirização. Essa lei corresponde, portanto, à primeira legislação a regulamentar o assunto. Entretanto, essa norma sofreu diversas críticas, pois, além de ser decorrência de um projeto de lei que tramitava há mais de 20 anos no Congresso Nacional, deixou omissos diversos pontos centrais, o que gerou insegurança jurídica.

Por fim, a lei 13.467/17 – reforma trabalhista, promulgada em 13/7/17, alterou a regulamentação da terceirização de serviços, com o objetivo de sanar as omissões da lei 13.429/17 e criar algumas salvaguardas aos trabalhadores.

 

2. Regulamentação anterior às leis 13.429/17 e 13.467/17

 

Apesar de já existente no dia a dia das empresas, não havia legislação regulamentando a terceirização de serviços. Para suprir essa ausência diante de fenômeno irreversível nas relações de trabalho, o TST passou a regulamentar o tema em sua súmula 331. De acordo com essa súmula, o empregador que desejasse terceirizar serviços em sua empresa deveria observar os seguintes requisitos:

a) Atividade-meio ou atividades secundárias da empresa. Os serviços prestados pelos terceirizados deveriam ser ligados às atividades periféricas, secundárias, ou atividade-meio da empresa, como serviços de limpeza e vigilância.

b) Ausência de pessoalidade e subordinação. Entre trabalhador e empresa tomadora não há pessoalidade, ou seja, o trabalhador terceirizado não é contratado pela tomadora; esta contrata os serviços, e não a pessoa. Ademais, como o trabalhador é empregado da empresa intermediadora, é ela que possui poder de direção sobre os serviços. Logo, o empregado está subordinado à empresa intermediadora, e não à tomadora. Se a empresa que contratou os serviços (tomadora) estiver insatisfeita com o trabalho prestado, deverá se reportar à empresa intermediadora, e não ao trabalhador.

Em resumo, a súmula 331 do TST não permitia a terceirização das atividades-fim ou principais da empresa e determinava que não poderia haver pessoalidade e subordinação entre o trabalhador terceirizado e a empresa contratante (tomadora).

 

3. Terceirização das atividades-fim das empresas e os requisitos da terceirização lícita

 

A reforma trabalhista alterou a redação dos art. 4º-A e 5º-A da lei 6.019/74 para abordar a abrangência da terceirização de serviços, tema polêmico que gerou diversas discussões doutrinárias e jurisprudenciais. Tendo em vista a promulgação de duas leis versando sobre o assunto em curto período, indicaremos como o tema era tratado na lei 13.429/17 e, depois, as alterações promovidas pela reforma trabalhista.

 

3.1. Regulamentação pela lei 13.429/17

 

No dia 31/3/17, foi promulgada a lei 13.429/17, que passou a disciplinar o trabalho temporário e a terceirização. A nova lei 13.429/17 alterou diversos dispositivos da lei 6.019/73, que versa sobre o trabalho temporário, e também passou a dispor sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros (terceirização).

A lei 13.429/17 não restringiu os serviços passíveis de terceirização apenas à atividade-meio da empresa, o que levou à interpretação de que havia sido autorizada a terceirização nas atividades-fim das empresas, inclusive pelos debates dos parlamentares que antecederam a votação do projeto. Apesar da ampla possibilidade de terceirização, a legislação era omissa quanto à possibilidade de terceirização da atividade-fim e gerava insegurança jurídica, pois a imprecisão da norma em admitir (ou não) a terceirização em atividade-fim levava à discussão sobre sua permissão ou não no ordenamento jurídico.

 

3.2. A reforma trabalhista e a terceirização das atividades-fim

 

Com o objetivo de sanar a omissão da lei de março de 2017, a reforma trabalhista (lei 3.467/17) alterou novamente a redação da lei 6.019/74 para prever expressamente a possibilidade de terceirização nas atividades-fim das empresas. Ela estabelece que a prestação de serviços a terceiros compreende a transferência de qualquer das atividades da contratante, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços:

Art. 4º-A, “caput”, lei 6.019/74 (redação dada ela lei 13.467/17). Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.

Art. 5º-A, “caput”, lei 6.019/74 (redação dada ela lei 13.467/17). Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços relacionados a quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal.

O objetivo da reforma trabalhista foi trazer clareza e não deixar dúvidas quanto à possibilidade de terceirização nas atividades-fim.

 

3.3. Requisitos para terceirização lícita e a capacidade econômica da empresa prestadora de serviços

 

Após a reforma trabalhista, apesar de ser possível a terceirização nas atividades-fim da empresa, permanece intacto o requisito para terceirização lícita que exige a ausência de pessoalidade e de subordinação, pois a empresa contratante (tomadora) contrata os serviços, e não a pessoa. Caso fique demonstrada a subordinação ou pessoalidade existente entre terceirizado e empresa contratante (tomadora de serviços), a terceirização será ilegal e consequentemente declarado vínculo direto entre contratante e terceirizado.

Além disso, a reforma trabalhista trouxe novo requisito para a terceirização de serviços no “caput” do art. 4º-A da lei 6.019/74: capacidade econômica da empresa prestadora de serviços compatível com a sua execução. A ausência desse requisito leva ao reconhecimento de vínculo direto com a empresa contratante. Assim, o inadimplemento das verbas trabalhistas pela empresa prestadora de serviços a terceiros demonstra que não possui o requisito da capacidade econômica, devendo a terceirização ser considerada ilícita. Eventuais discussões acerca das distinções terminológicas acerca de capacidade financeira e econômica ficarão restritas apenas ao âmbito acadêmico, pois a prova de inadimplemento das obrigações trabalhistas será suficiente para comprovação de ausência do presente requisito. Em resumo, com a reforma trabalhista, dois são os requisitos da terceirização lícita:

a) Ausência de pessoalidade e subordinação entre terceirizado e empresa contratante (tomadora); e

b) Capacidade econômica da empresa prestadora de serviços a terceiros.

 

3.4. Responsabilidade da empresa contratante

 

A empresa contratante, como já visto, não é a empregadora, mas o trabalho realizado pelos terceirizados a beneficia diretamente. Logo, se a empresa prestadora de serviços não pagar aos trabalhadores, restará à tomadora os pagamentos dos encargos trabalhistas. Essa responsabilidade é chamada de subsidiária e ocorrerá apenas na hipótese de a empregadora não honrar com o pagamento dos direitos trabalhistas de seus empregados. De acordo com a nova legislação:

Art. 5º-A, § 5º, lei 6.019/74. A empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços, e o recolhimento das contribuições previdenciárias observará o disposto no art. 31 da lei 8.212, de 24 de julho de 1991. (Incluído pela lei 13.429, de 2017)

Para que a tomadora de serviços seja obrigada a pagar os débitos remanescentes, é necessário, de acordo com o TST, que tenha tido oportunidade de manifestar-se no processo judicial, como forma de garantir o contraditório e a ampla defesa. Note-se que esse posicionamento já era previsto na súmula 331, IV, do TST:

Súmula 331 do TST: IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

 

4. Julgamento do STF e a terceirização nas atividades-fim

 

No dia 30/8/18, o STF julgou a ADPF 324 e o recurso extraordinário em repercussão geral 958252, que versavam sobre a possibilidade de terceirização em todas as atividades da empresa. Por maioria de 7 votos contra 4 contrários, o Tribunal julgou que é lícita a terceirização em todas as etapas do processo produtivo, sejam elas em atividades-meio ou fim. Nesse sentido, a modificação realizada pela reforma trabalhista passa a ser reconhecida pelo STF, cuja decisão tem efeito vinculante para todo o Poder Judiciário.

 

Votaram a favor da licitude da terceirização nas atividades-fim os ministros Luís Roberto Barroso (relator da ADPF), Luiz Fux (relator do RE), Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cármen Lúcia. De forma contrária, votaram os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio.

Do julgamento do recurso extraordinário 958252 foi firmada a seguinte tese de repercussão geral:

É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.

Dessa forma, a terceirização de serviços, independente do objeto social das empresas envolvidas, seja em atividades-meio ou fim, é lícita. Vale ressaltar que o STF manteve a responsabilidade subsidiária da empresa contratante já prevista no art. 5º-A, § 5º da lei 6.019/74. Se ausente o pagamento das verbas trabalhistas do empregado terceirizado, a empresa tomadora será subsidiariamente responsável.

Os ministros que votaram a favor da terceirização irrestrita argumentaram no sentido de que não haverá precarização da relação de emprego e que essa medida estimularia o aumento no número de postos de trabalho. Além disso, sustentou-se que haveria a redução do custo final do produto ao consumidor, o que ajudaria no crescimento da economia.

Por sua vez, os ministros contrários à terceirização das atividades-fim manifestaram-se no sentido de que a limitação da Justiça do Trabalho apenas às atividades-meio não ensejava nenhuma violação, pois se tratava de uma das interpretações possíveis ao instituto da terceirização. Além disso, argumentaram a necessidade de se conciliar os princípios da livre iniciativa com o valor social do trabalho, ambos previstos na Constituição Federal.

Com a decisão proferida pelo STF, o futuro se tornou incerto aos empregados contratados diretamente pelas empresas. Muitos contratos poderão ser extintos em razão da substituição da contratação direta pelo uso da terceirização. Dessa forma, a quantidade de empregados terceirizados deve aumentar consideravelmente nos próximos anos.

A previsão de terceirização apenas nas atividades-meio ou secundárias da empresa constante na súmula 331 do TST exercia importante função de preservar os empregos nas atividades principais das empresas, pois era vedada a terceirização na atividade-fim.

Com a autorização expressa de terceirização nas atividades-fim, agora ratificada pelo STF, permitiu-se expressamente a contratação de empregados terceirizados em todas as funções da empresa. Essas modificações poderão ocasionar a perda de empregos em empresas que desejarem contratar terceirizadas ao invés da contratação direta, bilateral, clássica. Esse modelo ocasiona a precarização das relações de trabalho, pois, para se assegurar lucro às duas empresas (empresa de prestação de serviços a terceiros e contratante) será necessário reduzir os salários dos trabalhadores.

 

4.1. Aspectos processuais da decisão

 

É válido destacar, ainda, os efeitos processuais da decisão proferida pelo STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade e no julgamento de recurso extraordinário em repercussão geral. Tendo em vista os efeitos “erga omnes” da decisão, os juízes e tribunais devem seguir o entendimento firmado pelo STF.

Portanto, todos os processos em curso em 1ª instância ou em grau recursal, que versarem sobre a possibilidade de terceirização da atividade-fim deverão ser julgados de acordo com o posicionamento firmado pelo STF na ADPF 324 e no recurso extraordinário 958252.

Vale ressaltar, entretanto, que o STF assegurou o respeito às decisões já transitadas em julgado. Nesse caso, ainda que proibida a terceirização em atividades-fim com o reconhecimento do vínculo direto entre terceirizado e contratante, não será possível modificar a decisão proferida pela Justiça do Trabalho. Confira a decisão de julgamento da ADPF 324 nesse sentido:

Decisão: O Tribunal, no mérito, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a arguição de descumprimento de preceito fundamental, vencidos os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. Neste assentada, o Relator prestou esclarecimentos no sentido de que a decisão deste julgamento não afeta os processos em relação aos quais tenha havido coisa julgada. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 30.8.18. (grifos acrescidos)

 

5. Condições de trabalho dos empregados terceirizados

 

A lei 13.467/17 (reforma trabalhista) inseriu o art. 4º-C à lei 6.019/74 para prever a obrigação de a contratante assegurar aos terceirizados as seguintes condições que devem ser observadas quando e enquanto os serviços forem prestados nas dependências da tomadora de serviços:

1) Mesmas condições referentes à alimentação garantida aos seus empregados, quando oferecida em refeitórios;

2) Direito de utilizar os serviços de transporte;

3) Atendimento médico ou ambulatorial existente nas dependências da contratante ou local por ela designado;

4) Treinamento adequado fornecido pela contratada quando a atividade o exigir;

5) Garantia das mesmas condições sanitárias, de medidas de proteção à saúde e de segurança no trabalho e de instalações adequadas à prestação do serviço.

Note-se que o direito às mesmas condições de alimentação e ao atendimento ambulatorial são aplicados quando o serviço é prestado nas dependências da tomadora de serviços. Por sua vez, conforme prevê o § 2º do art. 4º-C da lei 6.019/74, nos contratos que impliquem mobilização de terceirizados em número igual ou superior a 20% dos empregadores da contratante, devem ser asseguradas as mesmas condições de trabalho, mas os serviços de alimentação e atendimento ambulatorial podem ser disponibilizados em outro local para manter o pleno funcionamento dos serviços existentes.

Em resumo, o art. 4º-C, da lei 6.019/74 estabeleceu diversas condições de trabalho que devem ser obrigatoriamente observadas pela empresa contratante aos trabalhadores terceirizados, tais como condições de alimentação, atendimento médico ou ambulatorial, transporte e medidas de proteção à saúde e segurança no trabalho.

Além disso, a reforma trabalhista – lei 13.467/17 estabeleceu que cabe à contratante e à contratada, se assim entenderem, o estabelecimento de salário equivalente aos terceirizados para receberem o mesmo valor pago aos empregados da contratante. Note-se que a legislação passou a tratar de forma distinta os trabalhadores terceirizados e temporários, pois enquanto estes têm assegurado o direito ao salário equivalente no art. 12, “a”, da lei 6.019/74, os terceirizados somente o terão caso as empresas assim entendam. Portanto, foi expressamente prevista a possibilidade de se estabelecer salário equivalente, ainda que essa hipótese remotamente será prevista entre empresa contratante e tomadora.

 

6. Previsão de “quarentena” na reforma trabalhista

 

A reforma trabalhista passou a prever períodos de “quarentena”, para assegurar que os empregados contratados por prazo indeterminado não fossem dispensados e seguidamente contratados como trabalhadores terceirizados ou como sócios de empresas que prestam serviços terceirizados à contratante.

 

6.1. Período de “quarentena” da empresa prestadora de serviços a terceiros

 

A reforma trabalhista trouxe inovação quanto à previsão de período de “quarentena” para que fosse possível celebrar contrato de terceirização com empresa prestadora, cujos sócios ou titulares tenham sido empregados ou trabalhadores sem vínculo empregatício da empresa contratante.

Para evitar a dispensa dos trabalhadores e viabilizar a licitude da terceirização, a reforma trabalhista (lei 13.467/17) estabeleceu um prazo de “quarentena” de 18 meses para que os empregados ou trabalhadores sem vínculo empregatício possam figurar como sócios ou titulares da empresa contratada:

Art. 5º-C, lei 6.019/74 (acrescentado pela lei 13.467/17). Não pode figurar como contratada, nos termos do art. 4º-A desta lei, a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos dezoito meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados.

É importante destacar que a legislação não impede que esse antigo empregado integre, na condição de sócio ou titular, outra sociedade que preste serviços a terceiros (contratada), contanto que essa empresa não celebre contrato de terceirização com seu antigo empregador. A vedação, portanto, existe para evitar a “pejotização” da relação de emprego com a substituição da contratação pessoal dos serviços pela celebração de contrato com pessoa jurídica.

Por sua vez, a lei 13.467/17 estabeleceu no dispositivo como única exceção ao período de “quarentena” os trabalhadores aposentados, que poderão integrar a pessoa jurídica da empresa contratada na condição de sócios ou titulares independentemente da observância do prazo de 18 meses.

 

6.2. Período de “quarentena” do empregado terceirizado

 

A reforma trabalhista também previu período de “quarentena” para que empregado “demitido” possa prestar os serviços para a mesma empresa na condição de terceirizado, ou seja, como empregado da empresa prestadora de serviços. Nesse sentido, a reforma trabalhista estabeleceu o prazo de quarentena de 18 meses, contados a partir de sua demissão, para que o empregado “demitido” possa prestar os serviços para a mesma empresa na condição de terceirizado, ou seja, como empregado da empresa prestadora de serviços.

Esse dispositivo, diferentemente do art. 5º-C, da lei 6.019/74, não prevê o período de quarentena ao trabalhador sem vínculo empregatício. Caso um trabalhador autônomo prestar serviços à empresa contratante, não há impedimento para sua contratação na condição de trabalhador terceirizado.

 

7. Terceirização na Administração Pública

 

Assim como ocorre na iniciativa privada, há possibilidade de a Administração Pública terceirizar serviços secundários, ou seja, sua atividade-meio. Exemplo: Justiça do Trabalho terceiriza os serviços de limpeza, telefonia e vigilância.

No entanto, o foco da lei 13.429/17 e da reforma trabalhista foi a regulamentação do trabalho temporário e da terceirização nas empresas. Portanto, as leis não foram criadas para aplicação na administração direta, autarquias e fundações públicas por não se equipararem às empresas privadas. Além disso, há previsão constitucional estabelecendo a necessidade de concurso público para provimento dos cargos e empregos públicos criados:

Art. 37, da Constituição Federal: A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(…)

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

Tendo em vista que a Constituição Federal é hierarquicamente superior à legislação ordinária, seja na forma quanto no seu conteúdo, as disposições da nova legislação do trabalho temporário e terceirizado não excluirá a necessidade de concurso público para a investidura em cargo ou emprego público.

Além disso, as atividades típicas e centrais do Estado não podem ser terceirizadas, como a segurança pública, cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, cargos de fiscalização, Tribunal de Contas e de agências reguladoras. Nesses casos, permanece, sem dúvidas, a exigência do concurso público e da relação direta com a Administração Pública. Em resumo, se já existe cargo ou emprego público criado por lei, não é possível a terceirização pela Administração Pública.

Deve-se ressaltar que, se a empresa intermediadora não pagar aos trabalhadores terceirizados, a Administração contratante não responde, em regra, pelo pagamento dos encargos trabalhistas, ou seja, a Administração não será a responsável subsidiária. Somente responderá caso demonstrada a ausência de fiscalização das obrigações decorrentes do contrato celebrado. Nesse sentido, prevê a jurisprudência do TST:

Súmula 331, V. Os entes integrantes da Administração Pública Direta e Indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da lei 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

Ademais, em abril de 2015, o STF julgou a ADIN 1.923/DF2, que questionava a constitucionalidade da lei 9.637/98, que regulamenta as denominadas organizações sociais. Uma das formas previstas atualmente para ampliação da participação do setor privado consiste na transferência dos recursos públicos a um particular que atua em colaboração com o Poder Público. É nesse contexto que surgem as organizações sociais, que terão sua atividade voltada ao desenvolvimento tecnológico, do ensino, pesquisa e proteção do meio ambiente, da cultura e saúde. Trata-se, portanto, de verdadeira possibilidade legalmente permitida da Administração Pública repassar a um terceiro a prestação de serviços públicos essenciais ao Estado, como a saúde e educação.

Em decisão plenária, contudo, o STF julgou constitucional a Lei das Organizações Sociais e determinou a interpretação conforme a Constituição desse diploma legislativo para que fossem respeitados os princípios que regem a Administração Pública:

1) nos atos de qualificação do ente privado como organização social;

2) na celebração do contrato de gestão com o Poder Público;

3) nos procedimentos de dispensa de licitação para contratação e outorga de uso de bem público e;

4) nos contratos celebrados por essas organizações com terceiros quando realizados com recursos públicos. Destaca-se que os empregados dessas organizações sociais não são servidores públicos e, portanto, não é exigido concurso público para a contratação de empregados. Há, até a possibilidade de cessão de servidores públicos para exercer funções nessas entidades privadas (art. 14, lei 9.637/98).

 

8. Consequências da terceirização das atividades-fim

A alteração na disciplina jurídica da terceirização ratificada pela decisão do STF de 30/8/18 tratará diversos reflexos na atuação dos órgãos de proteção do trabalhador. Uma das consequências no Judiciário trabalhista será a extinção de inúmeros processos que discutem a possibilidade de terceirização da atividade-fim da empresa.

Além disso, com a nova regulamentação, não será possível a autuação de empresas pela ausência de registro e anotação na CTPS do empregado que trabalha na atividade-fim da empresa, pois esses empregados poderão ser terceirizados.

A permissão da terceirização irrestrita também trará reflexos na atuação do MPT, pois poderá levar ao questionamento das empresas quanto aos inquéritos, TACs e ações civis públicas ajuizadas, sobretudo quanto ao pedido de obrigação de não fazer: vedação da terceirização para atividade fim. Em relação aos inquéritos, muitos serão arquivados por perda do objeto. Quanto aos TACs firmados, poderão ser ajuizadas ações anulatórias.

No entanto, cabe destacar que as ações civis públicas já transitadas em julgado não serão modificadas diante do posicionamento do STF na ADPF 324 que assegurou o respeito à coisa julgada.

A ampliação da terceirização para a atividade-fim das empresas terá ainda como consequência a pulverização de sindicatos, pois cada trabalhador estará vinculado à atividade econômica preponderante de seu empregador, que corresponde à empresa de prestação de serviços a terceiros. A regra de enquadramento sindical dos empregados terceirizados é a mesma aplicada aos demais empregados, isto é, deverá seguir a atividade econômica preponderante exercida por seu empregador.

Lembre-se que, nesse caso, a empresa prestadora de serviços é a empregadora dos terceirizados e será, portanto, determinada a categoria profissional de acordo com a atividade dessa empresa, e não aquela desenvolvida pela empresa contratante. Os sindicatos dos empregados terceirizados assumirá papel de destaque, sendo necessário seu fortalecimento para a garantia de melhores condições de trabalho aos terceirizados.

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1 A regra é a relação de emprego bilateral, ou seja, há presença apenas do empregado e empregador, sem intermediação de mão de obra.

2 ADIN 1.923/DF: Relator: Min. Ayres Britto. Data de julgamento: 16/4/15.

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*Henrique Correia é procurador do trabalho. Professor de Direito do Trabalho do CERS on-line. Autor e Coordenador de diversos livros para concursos públicos pela Editora JusPodivm.

 

 

 

 

 

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