É muito comum ao interessado em postular o reconhecimento do direito à cidadania italiana se deparar com erros lançados nos registros de seus ascendentes que possam comprometer o regular desfecho de seu processo.
A razão de tais equívocos, como, por exemplo, a mudança de nome próprio, erro na indicação do local do nascimento ou da região geográfica, divergência no ano de nascimento ou mesmo na data etc., decorria do fato da própria dificuldade da comunicação na época, considerando que a grande maioria dos italianos não falava o português e tampouco sabia ler, bem como os brasileiros responsáveis pelos registros não compreendiam o idioma italiano.
Por este motivo, muitos devem ajuizar ações de retificação de assentamento civil (art. 109 da lei 6.015/73), quando não for possível a retificação administrativa do documento (art. 110 da mesma legislação, com redação alterada pela lei 13.484/17), para evitar que dúvidas sobre os seus ancestrais possam ser suscitadas e comprometer o êxito na obtenção da cidadania italiana.
Ocorre que, em alguns dos casos, não se tem efetivamente um registro civil, mas, sim, um registro eclesiástico.
Isso se dá em função de a obrigatoriedade do registro civil de nascimento somente ter sido instituída pelo decreto 10.444/1888, sendo exigida formalmente a partir de 22.09.1888. E, com relação ao registro civil de casamento, tem-se que tal ato passou a ser exigido formalmente somente após a Proclamação da República (15.11.1889), por meio da edição do decreto de 181/1890.
Diante dessa situação específica, até o momento da exigência legal dos assentamentos perante os cartórios de Registro Civil (decreto 9886/1888), os documentos pessoais somente eram registrados nas paróquias da localidade dos atos da vida civil do indivíduo, ou em suas proximidades, quando, por exemplo, não existia igreja católica estabelecida na região.
Logo, em caso de verificação de equívocos nos dados lançados na certidão religiosa, esses registros deveriam ser retificados diretamente junto aos órgãos eclesiásticos, pois não estariam contemplados no rol dos documentos públicos previstos no art. 29 da lei 6.015/73, o que justificaria o ajuizamento de uma ação de retificação de assentamento civil junto às Varas de Registros Públicos, nas comarcas cuja instalação se verificasse, ou perante as Varas Cíveis, na ausência das varas especializadas.
Porém, a retificação administrativa junto aos Arquivos Eclesiásticos nem sempre é possível, pois, embora o registro religioso não seja considerado um documento público nos termos estabelecidos pela lei de Registros Públicos, por força do advento da lei 8.159/91, recebe diferente tratativa, sendo considerado um documento de interesse público e social.
Assim estabelece o art. 16 da lei 8.159/91:
"Art. 16. Os registros civis de arquivos de entidades religiosas produzidos anteriormente à vigência do Código Civil ficam identificados como de interesse público e social."
Deste modo, muito embora na grande maioria dos casos não haja resistência alguma do órgão religioso em promover a anotação da grafia correta dos dados do ascendente no registro de nascimento, casamento ou óbito do ascendente, por decorrência do tratamento especial deferido a tais documentos pela legislação vigente se faz necessária a existência de uma ordem judicial para a realização da retificação.
Em tais situações, é inevitável o recurso ao Poder Judiciário.
No entanto, não se justifica o ajuizamento da ação perante a vara especializada de Registro Público. Ao contrário, a competência é de uma das Varas Cíveis com competência residual do local onde reside o interessado, sendo o procedimento de jurisdição voluntária o instrumento correto para a solução da questão.
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*Roberta De Rosis é advogada e sócia do escritório GDS Contencioso - Advogados Associados.