O Dr. Americo Brasiliense
F. RANGEL PESTANA.
Seus passos firmes e pausados, seu porte esbelto e altivo, e suas maneiras polidas indicavam logo á primeira vista um estudante de anno superior, e intelligente.
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Eil-o que chega e dirige-se a um grupo ; todos o recebem com affabilidade ; muitos o interrogam.
A este diz uma phrase chistosa e todos riem-se; áquelle responde com seriedade ; todos o cércam attentamente, interrogam e objectam ao mesmo tempo ; e elle resolve objecções e expõe doutrina.
Assim passa o tempo antes das aulas.
Todos o estimam.
Trata-se, pois, de um estudante de verdadeiro merecimento.
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Em Novembro do mesmo anno de 1855, entre os moços graduados bachareis em Direito, apparece o estudante que durante os cinco annos subira sempre cercado das attenções dos condiscipulos e mestres.
O nome de Americo Braziliense de Almeida Mello sahia bem vaticinado d’aquella corporação scientifica.
Um futuro esplendido se lhe abria.
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Vae separa-se dos companheiros, de amigos, que o abraçam entre lagrimas de despedida e sorrisos de esperanças.
Tinha então 22 annos, que os completára aos oito dias do mez de Agosto, pois que nascera em 1833, nesse periodo de agitação democratica, em que o sentimento nacional offendido pelos últimos excessos do primeiro imperador, vingára-se e matára a idéia da restauração votando nas camaras o banimento do principe já desthronado.
Durante os cinco annos do curso academico conseguira Americo Braziliense captar a estima geral e ao deixar os bancos despedia-se triste de muitos amigos tomavam diferentes rumos.
Tambem elle que vira a luz nesta capital e que passára aqui grande parte da juventude ia começar a vida publica na cidade de Sorocaba, onde seu pae, o dr. Francisco Antonio de Almeida Mello, era pessoa considerada e influente.
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Nos dous annos, de 1856 e 1857, elle advogou nessa cidade, alheiando-se da politica, porque seu pae militava no partido conservador e as idéias desse partido não estavam arreigadas no animo do novo bacharel em Direito.
Um facto entretanto, forçou-a entrar activamente em politica.
Os conservadores da localidade incluiram o nome do dr. Americo Braziliense na sua chapa para vereadores, ou com o fim de prendel-o aos interesses do partido, ou por attenção ao dr. Francisco Antonio.
O resultado, porém, não correspondeu á esperança.
Um desaffeiçoado ao joven candidato tirou-lhe parte da votação e elle não entrou na camara.
A derrota, a pretexto de servir de estimulo aos brios, proporcionou-lhe o meio de entrar na politica seguindo o impulso de suas opiniões.
D’ahi em diante o pae, retrabindo-se, cedeu o passo ao filho e o partido liberal de Sorocaba teve á sua frente o dr. Americo Braziliense.
Foram taes os seus serviços que em 1857 conseguiu ser eleito deputado á assembléa provincial como representando do 5º districto.
Em 1858, logo que tomou assento na assembléa, escolheramn’o para 1º secretario, sendo o presidente o ilustre paulista, o dr. Gabriel José Rodrigues dos Santos.
No recinto da representação provincial revelou muito talento e dedicação aos negocios públicos.
A influencia pessoal deste moço começou sob bons auspicios.
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Havia sido nomeado juiz municipal e de orphãos da Faxina e encerrada a assembléa segue para o termo e entra em exercicio.
O magistrado soube-se haver com tanta justiça e prudencia que ainda hoje seu nome é querido e pronunciado com respeito pelos povos do termo que então era extensissimo.
A’ brandura no tratar os homens rústicos elle sabia unir a energia na execução da lei.
Distribuía justiça com calma e rectidão, e prendia, como delegado de policia, os criminosos sem alarde nem perseguição.
Em 1859 pediu demissão e ficou residindo na capital.
As relações políticas alargaram-se e o deputado provincial começou a ter maiores ambições.
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No anno seguinte a morte atira-lhe um golpe terrivel, ferindo-lhe em cheio no coração : rouba-lhe o pae ainda robusto e na edade de 54 annos.
Desde então o dr. Americo Braziliense repartiu os seus cuidados com a politica e a viúva, sua extremosa mãe, a exm. sr.a d. Felizarda Joaquina Pinto.
A assembléa provincial continou a ser o theatro de suas glorias como homem politico, cheio de intelligencia, e tacto fino para todas as questões as mais complicadas. Os collegas fizeram-n’o vice-presidente na sessão de 1863, e presidente na de 1864.
Sua palavra grave e sincera se fazia ouvir em todas as discussões com uma certa simplicidade que não destoava da energia das convicções democraticas.
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Em pouco tempo chegou a influir com auctoridade nos trabalhos da assembléa e pezar nas deliberações do partido.
Por vezes as galerias e ante-salas encheram-se ao constar que o sympathico orador occupava a tribuna.
Sua eloquencia como que levava o auditorio, arrastado docemente, a abraçar a causa que defendia.
Foi no meio das visões chamadas glorias politicas neste paiz, quando sentiu que a opinião publica alentava em seu espirito as nobres ambições do filho do povo – a de elevar-se pelo talento, pelo estudo e patriotismo – que o coração do dr. Americo Braziliense denunciou faltar á sua existência mais um elemento poderoso de força para ter a coragem de affrontar com os desgostos que surgem constantemente na carreira publica. Faltava-lhe a esposa, a confidente das dores, dos sonhos e dos desenganos do homem politico.
Casou-se em 1862 com a exm.a sr.a d. Marcellina Lopes Chaves, senhora de qualidades recommendaveis e filha do sr. barão de Santa Branca.
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Filho, esposo, e para logo pae extremoso, o dr. Americo Braziliense quis conciliar a prestação de cuidados permanentes consagrados á familia, com as vantagens que uma posição mais garantida na capital da província lhe podia trazer, e porisso defendeu theses e preparou-se para tirar uma cadeira de lente.
Mas, em breve tempo o moço cheio de talento, com recursos proprios para se collocar superior ás necessidades, acariciado pela estima publica, sentiu a fronte altiva pender ao encarar com o futuro !
Em seu coração generoso onde já se aninhava tantos affectos puros, tantas paixões nobres, começaram a apparecer os estremecimentos de quem se arreceia de uma desgraça. Sentia-se doente e impressionado via fugir diante de si todas aquellas nuvens douradas que franjavam caprichosamente os largos horisontes de sua vida publica e privada.
O filho extremoso, o esposo dedicado, o pae affectuosissimo e o politico popular e victoriado olhava em derredor de si e como que deparava sombras por toda a parte.
O physico indicava padecimentos contra os quaes o moral não podia reagir.
Uma viagem á Europa lhe é aconselhada pelos medicos.
Parte em 1864 com a familia. Percorre varias cidades da França, Hespanha, Portugal, Inglaterra, Bélgica, Allemanha e Italia.
Intelligencia clara e cultivada, não passou por todos esses lugares sem estudo, sem observação. O que via – sabia ver. Não era diante dos monumentos, dos marcos que no velho continente a cada passo attestam a passagem dos seculos e da civilisação, um mero curioso ; era o espirito lúcido, prompto para criticar, facil em comparar e concluir.
Essa viagem equivalia a um estudo pratico, ainda que rapido, de tudo quanto lhe cabia debaixo das vistas.
Para o homem intelligente o viajar é aprender sem trabalho e á custa dos esforços acumulados dos outros.
A sua alma retemperou-se na contemplação de muita coisa grandiosa e tambem na observação de muitas miserias. Por vezes o Brazileiro teve orgulho de ser filho destas ricas e vastas regiões da America e outras tantas curvou a cabeça diante do atrazo do seu bello paiz.
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Em 1866 voltou á terra natal. Se não trazia mais saude todavia regressava animado e disposto a votar o engrandecimento da patria as suas faculdades e os novos conhecimentos adquiridos pelo estudo e exame das instituições e costumes de outros povos.
Os amigos politicos reclamaram a sua cooperação no governo e coube-lhe a missão de administrar a provincia da Parahyba do Norte, no ministerio do marquez de Olinda.
Neste tempo mereceu ser eleito deputado á assemblea geral por esta provincia de S. Paulo. Sua candidatura que era bem acceita no 3º e 2º districtos foi por accordo dos amigos apresentada pelo 1º e sahiu victoriosa das urnas.
Abertas as camaras em 1867, o dr. Americo Braziliense deixa a presidencia da Parahyba e toma assento na camara temporaria.
A situação era má para os talentos que então se prendiam ás conveniencias de uma disciplina partidaria que nada tinha de gloriosa. O dr. Americo Braziliense, como tantos outros moços verdadeiramente liberaes, sentia-se acanhado n’aquelle recinto onde uma atmosphera pesada abafava as mais bellas intelligencias que apoiavam a situação.
O deputado paulista não appareceu nesse periodo com o brilho correspondente aos seus creditos de parlamentar.
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Em Fevereiro de 1868 elle estava de passeio em Sorocaba ; procurava talvez ahi recordações de sua entrada na scena publica e interrogava a consciencia sobre o desempenho do mandato popular. Ahi um convite instante de Zacharias o surprehende : estava-lhe destinada a presidencia da importante provincia do Rio de Janeiro.
Homem politico, que não mede o sacrificio pessoal quando lhe fallam em nome do partido, parte e acceita a commissão.
Presidente da provincia do Rio de Janeiro durante alguns mezes revelou dotes eminentes como administrador e deixou seu nome gravados nos corações dos auxiliares d’aquella administração.
Foi nesse anno que o poder moderador, fazendo questão da escolha de Salles Torres Homem para o logar de senador pela provincia do Rio Grande do Norte, houve por bem demitir o ministerio de 3 de Agosto presidido pelo conselheiro Zacharias. Cahira assim a situação liberal, criada em grande parte pelo voto e conselhos do illustre estadista, mas mal definida sempre e equivocamente representada nos factos.
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O sympathico representante de S. Paulo pertencia ao numero dos moços que em consciencia applaudiam, em nome da democracia e da honra do partido liberal, o uso da prerogativa da corôa.
Esse periodo cheio de lutas estereis entre historicos e progressistas, foi para muitos a fonte d’onde surgiu o partido republicano. Entre estes estava, pela força da convicção e do patriotismo, o dr. Americo Braziliense.
Elle, que fôra durante toda a situação juiz imparcial da luta pessoal travada entre os proprios companheiros de deputação, voltou á provincia contristado mas não descrente, e abriu escriptorio de advocacia.
A Loja America, o conventiculo de utopistas como chamavam-na uns – e o antro de revolucionarios abolicionistas como qualificavam-na outros, fel-o seu venerável.
Moderado por indole, por estudo, por experiencia e educação, o dr. Americo Braziliense assumiu sempre francamente a responsabilidade do que a Loja fazia solidariamente em nome da democracia e da humanidade.
As suspeitas cahiram diante dos factos, e as calumnias ficaram abafadas pela verdade.
Sendo presidente da provincia o sr. dr. Costa Pereira, foi dirigido ao venerável da Loja America um officio consultando-o em nome do governo se ella queria tomar a si a creação e educação dos ingenuos afim de gozar dos favores concedidos por lei.
A reposta foi digna de um homem de talento e verdadeiros sentimentos humanitarios.
A Loja America subiu assim officialmente e desde então documentos públicos lhe têm sido tributados em signal de attenção por parte do governo.
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Por esse tempo houve uma vaga de lente e o dr. Americo inscreveu-se. Não restava duvida de que seria approvado.
A Faculdade indicou-o como digno de sentar-se entre os membros do seu corpo docente, dando-lhe o segundo logar na lista.
O governo imperial, porém, não o nomeou.
Correu que os motivos principaes desse acto tinham origem no facto de ser o distincto paulista republicano e uma das luzes da Loja America, a mesma que depois merecera as taes provas de consideração do mesmo governo.
Entretanto os seus padecimentos aggravaram-se e appareceu de novo a necessidade de uma viagem.
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Campinas, cidade cujo clima é mais quente que o desta capital e onde elle já nessa época tinha amigos lettrados e correligionarios, mereceu-lhe a preferencia.
Ahi advogou desde 1870 até 1873.
O dr. Americo Braziliense pertence ao numero desses homens que não se negam ao trabalho e têm sempre nos nos lábios o monosyllabo – sim. A elle chegou-se em um dia o sr. Caldeira, director de um collegio de meninos e pediu-lhe para dar algumas prelecções no seu estabelecimento de educação. O pedido do intelligente director foi satisfeito : as prelecções foram dadas e o publico hoje as conhece porque o sr. José Maria Lisboa as editou em um livro, que tem merecido muitos louvores.
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Em 1879 o advogado voltou a fixar residencia na capital, e aqui encontramol-o sempre rodeado de um grupo de amigos.
Seu escriptorio faz lembrar o de um outro paulista distincto, gloria da provincia, o dr. Gabriel José Rodrigues dos Santos.
Nessa casa do canto do Largo da Sé reúnem-se habitualmente catholicos livres. Todos se estimam, conversam e discutem vindo á baila as questões da época. Ninguém se insulta e a harmonia reinam sempre entre os frequentadores da sala vermelha do chefe republicano.
É admiravel a concórdia que existe n’aquella assembléa, na qual as maiorias e minorias se formam com summa rapidez ás vezes dentro de meia hora ! Entretanto não ha trânsfugas : as transformações rapidas dependem dos membros que comparecem.
Ninguem preside as reuniões.
Ali formam-se novas relações, estreitam-se outras e todos enfim se estima porque todos desejam agradar ao sympathico petroleiro, que é um dos corações mais generosos que Deus formou.
Vede : Liberaes, conservadores, republicanos e catholicos estão em larga palestra ; o dr. Americo puxa do relogio e pega no chapeu. Sae. Os outros ficam e preseguem na conversação que está calorosa, esquecidos talvez de que a hora adianta-se.
Nenhum dos presentes se incommoda com a retirada do dono da casa.
Sabem que sae para servir um amigo ou cumprir um dever.
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Ás 2 horas elle deixa impreterivelmente a sala vermelha entregue aos amigos e o escriptorio ao companheiro, e vae praticar um acto glorioso que o ennobrece aos olhos da actual geração.
O parlamentar, o jurisconsulto, o cidadão que é um nome feito, a essa hora ensina historia patria ás meninas do collegio .
É ahi que o dr. Americo Braziliense conquista pelo talento, e por outros dotes superiores da alma os mais virentes louros para a sua corôa de patriota.
Aquellas meninas, que sentem verdadeiro orgulho ao sentarem-se diante delle, hão de ser as futuras mães da geração nova que terá de fazer a mais completa justiça ao seu civismo.
Eis ahi como aos 42 annos de edade um brazileiro illustrado, como ha poucos, mostra que ama a sua patria.
Porisso tambem o jovem partido republicano não podia achar um homem mais distincto para represental-o no pleito eleitoral que esse seu correligionario.
O dr. Americo Braziliense na luta geral em pról da republica vale uma legião.
É quasi certa a derrota, mas restar-lhe-há a gloria de haver feito dignamente as honras á bandeira do seu partido.
Diante do vulto sympathico desse homem que tem sabido revelar sem contradicção excellentes qualidades como filho, esposo, pae, amigo, partidario e mestre, descobrem-se reverentes e alegres todos aquelles que têm tido a opportunidade de aperta-lhe a mão e trocar com elle uma palavra de affecto ou um comprimento de cortezia.
S. Paulo. Outubro de 1876.
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