De acordo com a norma insculpida no art. 94, da Constituição Federal, um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes.
O instituto do quinto constitucional carrega consigo a essência do pluralismo político, que, por sua vez, constitui fundamento da República Federativa do Brasil, nos exatos termos do art. 1º, V, da Carta Magna. O pluralismo propõe um sistema político aberto à participação "dos vários grupos ou camadas sociais" na composição "da vontade coletiva", ou seja, uma sociedade na qual "o indivíduo tem a máxima possibilidade de participar na formação das deliberações que lhe dizem respeito" (Norberto Bobbio, As ideologias e o poder em crise. Tradução de João Ferreira. 4. ed. Brasília: UnB, 1999, p. 16, 22).
No Brasil, a participação de advogados e membros do Ministério Público na formação dos tribunais surgiu, primeiramente, no plano infraconstitucional, através da "lei João Luiz Alves" (decreto 16.273/23). Somente com a Constituição de 1934, a participação de advogados e membros do MP na composição dos tribunais foi alçada ao plano constitucional, tendo a regra sido mantida nas cartas subsequentes. Portanto, esse instrumento de aperfeiçoamento dos órgãos judiciais de segundo grau existe entre nós há quase um século.
No dizer do advogado Marcus Vinicius Furtado Coelho, ex-presidente do CFOAB, "concebe-se o quinto constitucional como instrumento de oxigenação do Poder Judiciário em suas instâncias superiores, possibilitando o ingresso em suas fileiras de profissionais com experiências distintas da carreira da magistratura, mas com igual interesse na realização da Justiça. advogados, defensores, procuradores, promotores e magistrados pertencemos à mesma família – a família dos juristas –, trabalhamos na mesma casa – o Poder Judiciário –, e perseguimos os mesmos ideais. Assim, nosso destino é o entendimento recíproco".
O ministro Celso de Mello (STF), no julgamento da ADIn 4.078/DF, asseverou em seu substancioso voto que, "ao contrário do que pensam algumas mentes preconceituosas – certamente deslembradas da enorme contribuição que tem sido dada, ao Poder Judiciário e ao Direito, pelos juízes investidos segundo a regra do quinto constitucional –, inexiste qualquer diferença ontológica ou qualitativa entre os juízes togados que compõem os Tribunais, independentemente de sua origem institucional". Prosseguiu, afirmando que "a razão subjacente a essa cláusula constitucional foi sempre uma: valorizar a composição dos tribunais judiciários, a partir da rica experiência profissional haurida no exercício das funções de representante do Ministério Público e no desempenho da atividade de advogado". Por fim, o decano da Suprema Corte concluiu que "essa participação representa, na verdade, a contribuição de experiências diversificadas e deve ser reconhecida como um fator de equilíbrio nas decisões dos Tribunais".
Por outro lado, o quinto constitucional pode ser compreendido como peça indissociável do sistema de freios e contrapesos (checks and balances), imanente à separação das funções estatais, vislumbrada inicialmente por Aristóteles, na obra A Política, e, posteriormente, aprimorada por Montesquieu, na obra Do Espírito das Leis. "Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou nobres, ou do Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares" (Montesquieu, Charles de Secondat, Baron de. Do Espírito das Leis. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 167). O objetivo dessa separação é evitar que o poder se concentre nas mãos de uma única pessoa ou classe, para que não haja abuso, como o ocorrido no estado absolutista, por exemplo, em que todo o poder se concentrava na mão do rei.
As funções estatais são exercidas pelo Legislativo, Executivo e Judiciário, sendo que o Poder Legislativo tem a função típica de legislar e fiscalizar, o Executivo, administrar a coisa pública e o Judiciário, julgar, aplicando a lei a um caso concreto, resultante de um conflito de interesses.
De sua vez, o sistema de freios e contrapesos constitui um mecanismo natural e ao mesmo tempo viabilizador da separação de poderes, possibilitando que cada poder, no exercício de competência própria, controle outro poder e seja pelo outro controlado, sem que haja interferência ou mesmo invasão da sua área de atuação.
Pois bem, no Brasil, o Judiciário é nitidamente o mais hermético dentre os poderes tripartites, ou seja, está menos sujeito ao controle pelos outros. Tanto é verdade, que, diante dessas dificuldades, foi necessária a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pela Emenda Constitucional 45, em 14/6/05, para fazer o controle externo do Poder Judiciário. Demais disso, a assunção aos postos é feita por meio de concurso público, de provas e títulos, diferentemente dos demais poderes, onde a assunção aos cargos políticos é feita pelo voto popular irrestrito, isto é, pelo sufrágio universal. Por outro vértice, a magistratura tem a garantia da vitaliciedade (Art. 95, I, da CF). A vitaliciedade, no 1º grau de jurisdição, será adquirida após 2 anos de exercício. Durante esses 2 primeiros anos, o magistrado somente perderá o cargo por deliberação do tribunal a que estiver vinculado. Após os 2 anos e adquirida a vitaliciedade, somente perderá o cargo por de sentença judicial transitada em julgado, sendo-lhe asseguradas todas as garantias do processo. Nos Poderes Executivo e Legislativo, os mandatos duram no máximo oito anos.
Veja, portanto, que o quinto constitucional, inspirado no pluralismo (participação dos vários grupos ou camadas sociais na composição da vontade coletiva) e concebido como instrumento de oxigenação do Poder Judiciário funciona como ferramenta de equilíbrio e controle, uma vez que permite a assunção à magistratura de indivíduos com extensa experiência profissional haurida no exercício das funções do Ministério Público e no desempenho da atividade de advogado.
Em suma, o instituto do quinto constitucional, previsto no art. 94, da Carta Magna, repousa no pluralismo político e na separação dos poderes, que constituem princípios fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 1º, V, e 2º, da Constituição Federal), de sorte que a tentativa de aboli-lo por meio de emenda constitucional atenta contra o Estado Democrático de Direito.
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