Como tem sido diuturnamente veiculado pela imprensa nacional, em razão da tardia e ineficiente atuação dos poderes públicos, têm os agentes econômicos sofrido prejuízos incomensuráveis em razão da recente greve dos caminhoneiros, os quais obstruíram as estradas, impedindo a distribuição de combustíveis (o que leva à paralisação dos caminhões que fazem o transporte das mercadorias negociadas no país, em razão de "pane seca"), a entrega e recebimento de mercadorias (mesmo para aqueles veículos que tinham combustíveis e cujos motoristas não quiseram participar do movimento grevista), em razão da própria falta de transporte de combustíveis para os pontos de distribuição etc.
Tais atos, dentre outros, tiveram por efeito a paralização da produção das empresas em razão da falta de insumos e/ou da impossibilidade do escoamento de sua produção. Nessa última hipótese, com imediata redução de seu faturamento, o perecimento de espécimes vivas em razão da ausência de insumos para a sua alimentação etc.
Diz-se atuação tardia e ineficiente dos poderes públicos porque, no exercício do poder de polícia administrativa e judiciária, deveriam os poderes públicos ter agido para impedir ou, no mínimo, reduzir os efeitos prejudiciais do movimento grevista, mediante a simples aplicação da lei (aplicação das multas previstas na legislação de trânsito, bem como das demais penalidades nela previstas; retirada dos veículos que impediam a livre circulação dos demais veículos em rodovias, estradas ou vias municipais; requisição dos veículos particulares para a entrega de derivados de petróleo nos pontos de consumo; requisição de estoques etc.). Os poderes públicos tinham o dever, e não a opção, de assim proceder. Se não o fizeram, a eles cabe a responsabilidade por sua atuação negligente e/ou omissiva.
Não se deve esquecer que, nos termos do art. 142 da Constituição Federal, cabe às forças armadas, "sob a autoridade suprema do Presidente da República", a "garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."
Já segundo o art. 144 da Constituição Federal, a segurança pública é "dever do Estado, direito e responsabilidade de todos" e "é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio", cabendo à polícia federal "apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas [Petrobras], assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme" (§1º, I), à polícia rodoviária federal o "patrulhamento ostensivo das rodovias federais" (§ 2º) e "às polícias militares (...) a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública" (§ 5º), razão pela qual não se justificaria um não agir dos poderes públicos, quer comissivo, quer omissivo.
Desse conjunto normativo depreende-se, sem qualquer dúvida, que os poderes públicos, através das forças armadas e da polícia, tinham o dever de agir para a defesa dos interesses da população, mas não o fizeram (seja comissivamente, seja omissivamente).
Estabelece, por sua vez, o art. 37 da Constituição Federal, que "A administração pública (...) de qualquer dos Poderes da União (...) obedecerá aos princípios de legalidade (...) e eficiência".
Já o § 6º, do art. 37, da Constituição Federal prevê que "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".
Daí se tira que no direito brasileiro os "requisitos configuradores da responsabilidade civil do Estado são: ocorrência de dano; nexo causal entre o eventus damni [evento danoso] e a ação ou omissão do agente público (...); a oficialidade da conduta lesiva; inexistência de causa excludente da responsabilidade civil do Estado"1.
Ora, in casu, todos esses elementos se acham presentes: (i) o dano sofrido pelas empresas (diminuição de faturamento, perda de estoques etc.), (ii) o nexo de causalidade entre a atuação inconsequente ou omissão dos poderes públicos e o dano sofrido, (iii) a oficialidade da conduta ativa ou omissiva que causou os danos, e (iv) a inexistência de causa excludente da responsabilidade civil do Estado, dado que, se a "greve dos caminhoneiros" é fato que os poderes públicos não podiam evitar, fato é, também, que esse fato fortuito que excluiria o dever de indenizar do Estado fica suplantado, quer pelo seu "plano de ação" de não convocar as forças de segurança para desobstruir as estradas, quer pela sua conduta omissiva2. A atuação da administração pública, a tempo, poderia ter evitado, ou reduzido, drasticamente os danos sofridos pelas empresas, e isto era exigido pelo princípio da eficiência.
Como já se adiantou, primeiramente poder-se-ia argumentar que a atuação do Poder Executivo Federal, no caso da greve, a se tirar da manifestação do Sr. presidente da República de 28 de maio de 20173, demonstra que a sua inação não decorreu de uma omissão, mas, sim, de um plano de ação (decidiu-se não se convocar as forças de segurança para a desobstrução das vias públicas, mas, somente, negociar com as lideranças grevistas). Ora, nessa hipótese, a atuação desastrada do poder público gera o seu dever de indenizar.
Mas, mesmo que se entendesse que não houve a decisão administrativa de não se convocar as forças de segurança para a desobstrução das vias públicas, tem-se que a omissão do poder público em nada lhe socorreria.
Em qualquer das hipóteses estaria configurado o desrespeito ao princípio da eficiência.
Há muito já decidiu o Supremo Tribunal Federal que a "Administração pública responde civilmente pela inércia em atender a uma situação que exigia a sua presença para evitar a ocorrência danosa"4.
Fato é que somente com a edição do decreto 9.382/18, o Governo Federal autorizou "o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem em ações de desobstrução de vias públicas federais", o que se mostrou eficiente, terminando com os efeitos nocivos da greve então em vigor.
A determinação do(s) poder(es) público(s) responsável(is) (União, Estado ou Município) dependerá da análise do caso concreto, mas, salvo melhor juízo, a da União seria preponderante e inafastável.
Já a indenização abrangerá tudo o que se perdeu, mais o que razoável se deixou de lucrar. A depender do caso concreto, poder-se-ão incluir danos morais, além dos materiais.
A impossibilidade de se apurar, por ora, a extensão do dano não impede a propositura da ação indenizatória contra o poder público, já que o Código de Processo Civil permite, nessas hipóteses, a formulação de pedido genérico (art. 324, II), bem como a prolação de sentença ilíquida (art. 491).
Não se deve esquecer, outrossim, dos efeitos de todos esses fatos sobre o (in)cumprimento de obrigações, de contratos públicos e privados. Haverá, a favor dos contratantes que não conseguiram adimplir suas obrigações, a invocação da ocorrência de caso fortuito ou de força maior (art. 393 do Código Civil) ou de fato de terceiro6. Em qualquer caso, estar-se-ia frente a uma causa de inadimplemento não imputável ao devedor da prestação7, o que afastaria sua mora e, no limite, poderia levar à extinção da obrigação.
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1 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional Administrativo. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 231.
2 Ibidem, p. 232.
3 Cerimônia de posse do ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, disponível em: <Clique aqui> [a partir dos 14 minutos]. Acesso em: 18/6/18.
4 RDA 97/177.
5 BUFFELAN-LANORE, Yvaine; LARRIBAU-TERNEYERE, Virginie. Droit Civil : Les Obligations. 12. ed. Paris, Sirey, 2010, nº 2.221, p. 770/771.
6 Assim: Giovanna Visintini, Trattato Breve della Responsabilità Civile, 2ª ed., Padova, Cedam, 1999, p. 172.
7 MESSINEO, Francesco. Manuale di Diritto Civile e Commerciale. 9. ed. Milano, Giuffrè, 1959, vol. 3º, p. 303. TREITEL, G. H. Frustration and Force Majeure. 3. ed. London, Sweet & Maxwell, nº 1-003, 2014, p. 5.
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*Paulo Guilherme de Mendonça Lopes é sócio do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados Associados.
*Eduardo Maffia Queiroz Nobre é managing partner do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados Associados.