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Moro: mais realista que o próprio rei

Quem crê na sua própria autoridade judicial como suficiente para descumprir uma decisão judicial, proferida por um juízo que lhe é superior hierárquico, ignora a existência do processo penal e das garantias que lhes são próprias.

16/7/2018

Nunca a mídia, das mais amplas possíveis, teve tanto espaço ocupado com decisões do Poder Judiciário como na atualidade. Por um lado, cria-se uma sensação de transparência, por outro incute-se, em alguns, um insuflo do alter ego – as decisões passaram a ser defendidas como verdadeiras demarcações de poderio intelectual. Não mais importam os fatos e suas circunstâncias e, sim, o que se adotam como razões de decidir, o que tornam os autores dos Julgados protagonistas de uma Obra, Autoridades, não como membros do Judiciário, mas de uma ciência que é linguística e que comporta tese e contraversões de fatos. O justo não é o de direito e vice-versa.

Recentemente, mais precisamente no domingo (8/7/18), o país foi alvejado por reiteradas decisões acerca da liberdade do ex-presidente (e agora presidenciável) Luiz Inácio Lula da Silva. Com as licenças de estilo e devidas vênias, mas uma verdadeira "selvageria" no mundo jurídico.

Foi ajuizado um habeas corpus, tendo como paciente o ex-presidente, no plantão Judiciário, no qual o desembargador federal Rogério Fraveto, que estava naquela escala de plantões, entendeu que era a hipótese de se conceder a liminar requerida e expedir-se imediatamente um alvará de soltura daquele paciente.

Começou-se, aí, uma verdadeira guerra de poderes entre os integrantes do Judiciário. Lamentável, sob qualquer ângulo que se analise.

Se aquela decisão liminar concedida no plantão Judiciário do TRF4 estava correta ou não, existem meios próprios para se impugná-la que, registre-se: não foi aquele adotado pela Sua Excelência juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba – PR, Sérgio Moro.

Não poderia, aquele Juízo, questionar a competência ou incompetência do desembargador Federal, seja porque sob o ponto de vista da hierarquia este compõe órgão revisor das decisões de primeira instância, seja porque o meio procedimental adotado pelo juiz Sérgio Moro não encontra amparo legal. Para ser mais claro: não tem previsão na lei!

Mas, a situação foi ainda mais grave: Não só aquele juiz questionou (indevidamente) a decisão de um desembargador que lhe é hierarquicamente superior, como determinou que a autoridade policial não cumprisse a ordem daquele juiz de segunda instância que determinava a soltura de Lula. Ou seja, não bastava ele próprio questionar o que não lhe cabia, fez-se mais, literalmente atravessou uma ordem do Tribunal e ordenou o que não podia.

Suficiente? Não! As ilegalidades continuaram. Descobre-se que o juiz Sérgio Moro estava de férias. Portanto, sequer estava, naquele momento, investido de jurisdição para despachar o que quer que seja.

Daí por diante foram sucessivas decisões teratológicas: o desembargador do anterior habeas corpus (João Pedro Gebran Neto) ajuizado por Lula avocou a competência para examinar o caso e cassar a liminar concedida no plantão Judiciário. Nova ilegalidade: o douto desembargador não poderia avocar nada. A competência, naquele dia, era do desembargador do plantão Judiciário.

Como se não fosse suficiente, o presidente do TRF4, desembargador federal Carlos Eduardo Thompson Flores também interviu para confirmar a cassação da liminar que foi deferida. Cassação de liminar em época de "caça às bruxas". Foi o que pareceu. Um empenho incomensurável do Poder Judiciário para deixar Lula encarcerado. O curioso é que, toda esta miscelânea jurídica, iniciou-se a partir de uma provocação jurídica do Juiz Sérgio Moro que, lembrem-se: não é parte no processo e, sim, um julgador. Não tinha que provocar nada e, sim, cumprir a ordem que lhe foi destinada. Se nem um juiz Federal aceita cumprir uma ordem judicial, o que se dirá do cidadão "comum". É preciso recordar que o Poder Judiciário também tem a finalidade de pacificação de conflitos, o que tem como um dos seus pilares a segurança jurídica.

O que dizer ao Cidadão neste momento? Destinatário da prestação jurisdicional? Que um desembargador Federal emite uma ordem judicial e um juiz Federal entende por bem, ao seu juízo de valor, não cumpri-la?

É preciso que os órgãos de controle passem a verdadeiramente a agir. Quem deveria recorrer da decisão liminar concedida era a parte. No caso, o Ministério Público Federal, que nem recurso apresentou, tendo optado por apresentar um "pedido de reconsideração". Quem findou criando o imbróglio no cumprimento da decisão foi um juiz, que deveria, por rigor constitucional, ser isento. Custa a acreditar em uma isenção quando um juiz sai das suas férias para protagonizar todo este episódio.

Espera-se, como cidadão, que se apure cada conduta irregular praticada. Não se pode imaginar, em um Estado Democrático de Direito, ocorra tamanho ativismo judicial e ilegalidade praticada por quem deve ser o próprio fiel aplicador da lei.

O processo penal é, talvez, uma das maiores garantias existentes ao jurisdicionado. O Estado, para exercer seu poder punitivo, precisa de limites e necessita, primordialmente, seguir regras. A um só tempo, o processo serve para impor-se essas balizas ao Estado, bem como para dar a garantia ao cidadão que ele não será submetido a ilegalidades, porque ao menos em tese, há leis, um rito processual, procedimentos e eles precisam ser observados.

Quem crê na sua própria autoridade judicial como suficiente para descumprir uma decisão judicial, proferida por um juízo que lhe é superior hierárquico, ignora a existência do processo penal e das garantias que lhes são próprias. Criar procedimentos e adotar tal comportamento é ser mais realista que o próprio rei.
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*Pablo Domingues Ferreira de Castro é advogado e sócio do escritório Ana Paula Gordilho Pessoa e Advogados Associados.

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