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Deep fake news e sua influência no universo feminino

Tanto usuários, como os provedores de aplicação e a sociedade em geral precisam agir de forma célere e em conjunto, unindo direito e tecnologia, para combater as Deep Fake News.

4/7/2018

Não é novidade que a Internet revolucionou o modo como as pessoas se comunicam e trocam informações, sendo certo que a capacidade de qualquer usuário criar e compartilhar inúmeras vezes o mesmo conteúdo facilitou demasiadamente a troca de conhecimento, ideias, notícias e informações.

 

Contudo, justamente devido à possibilidade de os usuários criarem livremente conteúdos digitais, a Internet potencializou a disseminação de informações inverídicas, manipuladas e ofensivas. Definitivamente, tornar a Internet um instrumento de informação e não de desinformação é um dos grandes desafios da nossa era!

 

Nesse cenário, surgem as chamadas fake news, definidas pelo Dicionário de Cambridge1 como história falsa que aparenta ser notícia, propagada por meio da internet ou outra forma de mídia, transmitindo informações equivocadas, distorcidas e sensacionalistas, criadas geralmente para influenciar determinado público alvo.

 

O assunto vem ganhando destaque diante da real possibilidade de ingerência de notícias manipuladas, como, por exemplo, a propagação de informações inverídicas que aparentam ser verdadeiras, podendo prejudicar ou beneficiar determinados indivíduos.

 

Nesse ponto, importante relembrar que a própria estrutura da Internet pode ser um mecanismo de desinformação, haja vista o direcionamento de conteúdo realizado pelos provedores de aplicação, com base no histórico de navegação, como por exemplo o Google Search e a rede social Facebook. A título ilustrativo, uma pessoa que goste de música clássica tende a ser direcionada a conteúdos de tal gênero musical.

 

E mais, de forma assustadora, em recente estudo do professor Deb Roy publicado na Revista Science, comprovou-se que notícias falsas circulam de forma mais célere na web do que as notícias verdadeiras, pela sua linguagem simples e direta, situação que contribui para a imediata difusão do conteúdo falso2.

 

Fato é que as fake news são propagadas por textos cuja autenticidade e veracidade são colocadas à prova a todo instante. Contudo, as ferramentas tecnológicas cada vez mais aprimoradas e disponíveis aos usuários permitem que recursos de foto, áudio e vídeo também sejam utilizados, infelizmente, para distorcer a realidade, quase sempre, para minar a reputação de determinada pessoa ou empresa.

 

Assim nasce o conceito das deep fake news, que une a propagação do conteúdo inverídico com a utilização de deep learning, que consiste em uma forma de inteligência artificial capaz de se aprimorar com base na leitura de diversos tipos de dados.3

 

Cabe, inclusive, uma curiosidade importante sobre a expressão: ela foi baseada no apelido do primeiro usuário a utilizar a tecnologia para produzir conteúdo falso evidentemente pornográfico ("deepfakes"), em uma rede social denominada Reddit. Referido usuário criava diversos vídeos manipulando o rosto de mulheres famosas em contraposição a cenas pornográficas, no claro intuito de enganar os demais usuários, levando-os a acreditar que se tratava de informação verdadeira.4

 

Contextualizando o tema, em um lamentável episódio, a ex-Primeira Dama Norte-Americana Michele Obama foi vítima de um vídeo manipulado, na qual aparenta estar se despindo para a câmera – na realidade, foi utilizada tecnologia de alta qualidade para destacar seu verdadeiro rosto e posicioná-lo em um corpo que não é seu, mas que, para muitos, fazia-se crer sê-lo5.

Além do evidente constrangimento causado pela propagação de vídeo falso, o fato toma maiores proporções quando se trata de figura pública, hodiernamente exposta a todo e qualquer tipo de vulnerabilidade. E, não raramente, a figura que com maior frequência sofre referida exposição é a mulher.

 

Caso também recente foi a veiculação de falsa notícia acerca da ex-assistente de arbitragem da Confederação Brasileira de Futebol Fernanda Colombo, a qual propagava a falsa informação de que seria a primeira mulher a ser árbitra em uma Copa do Mundo, quando na realidade sequer havia sido nomeada para essa finalidade. Em menos de uma semana, a ex-assistente que possuía cerca de 5 mil seguidores na rede social Instagram, passou a ter 67 mil seguidores e inúmeras mensagens de usuários por todos os lugares do mundo.6

 

É comum, inclusive, a ocorrência de casos de fake news, ainda mais graves, envolvendo mulheres que, de um dia para outro, começam a ser assediadas, pois suas imagens foram publicadas indevidamente em sites de prostituição.7

 

Nesse cenário, em que a posição da mulher na sociedade ainda é vulnerável sob diversos aspectos, a disseminação de fotos, vídeos e áudios que depreciam sua imagem ganham notoriedade com o emprego de novas tecnologias, acessíveis à população de forma irrestrita, o que definitivamente deve ser reprimido.

 

A situação se agrava quando se envolvem questões de gênero e política. Foi o que ocorreu no caso da vereadora Marielle Franco; após ter sido assassinada, foram veiculados diversos vídeos difamatórios, com conteúdo falso e disseminando verdadeiro discurso de ódio. A título exemplificativo, alguns deles imputavam à vereadora a associação às facções criminosas como o Comando Vermelho, além de indicar que era usuária de drogas, entre outras graves insinuações8.

 

Nota-se, portanto, a evidente necessidade de adoção de medidas tecnológicas e jurídicas para proteger não só a reputação e a dignidade das pessoas, mas a própria liberdade de expressão e o Estado Democrático de Direito.

 

Dentro do nosso ordenamento jurídico, a liberdade de expressão é um direito fundamental assegurado a todos os usuários (art. 5º, IV e 220, CF), sendo inclusive uma prerrogativa de tal direito a propagação de informações verdadeiras. Sem prejuízo, como qualquer garantia constitucional, tal direito não é absoluto, de maneira que deve coexistir em harmonia com outros preceitos fundamentais, como a dignidade, privacidade e honra de terceiros.

 

O STJ estabeleceu, para situações de conflito entre a liberdade de informação e os direitos da personalidade, elementos de ponderação: "compromisso ético com a informação verossímil; preservação dos direitos da personalidade; mitigados quando se tratar de pessoas notórias; vedação à crítica com o intuito difamatório deliberado; e contemporaneidade da notícia.9"

 

Nesse sentido, ensina o ministro Marco Buzzi do STJ: "A liberdade de informação/comunicação não é absoluta visto que deve estar calcada na verdade (dados/fatos objetivamente apurados), e o seu exercício há de se dar com a observância do disposto no artigo 5º, incisos IV, V, X, XIII e XIV da Constituição Federal que estabelece parâmetros ao exercício da liberdade de imprensa.10" (Resp 1500676/DF)

 

Ressalta-se que os próprios veículos jornalísticos, visando resguardar o legítimo direito à liberdade de expressão, estão adotando medidas de combate às fake news, como, por exemplo, o Blog criado pela Revista Veja11, em que há o esclarecimento sobre histórias falsas veiculadas na Internet, desmistificando o seu conteúdo. Ainda, a página eletrônica "Fake ou News"12, de realização do canal de televisão brasileiro Futura e da Agência Lupa Educação, em que se ensina os usuários a identificarem informações falsas.

 

Embora haja legislação específica que regulamenta o uso da Internet no Brasil – o Marco Civil da Internet (lei 12.965/14) – nota-se um vácuo quando o assunto é a propagação de conteúdo inverídico no mundo virtual, tornando equivocada a ideia de que a Internet é uma terra sem lei, em que tudo seria permitido.

 

Em recente entrevista, o ministro do SRJ Ricardo Villas Bôas Cuevas afirmou que o Marco Civil da Internet está atrasado quando o assunto é combate à fake news e que uma alternativa para o combate de (Deep) fake news seria "a criação de um algoritmo capaz de detectar o que é ou não fake news, mas obviamente isso geraria ainda mais críticas. Quem controla a caixa-preta do algoritmo e determina os parâmetros do que é falso ou verdadeiro?"13.

 

Contudo, o fato de não existir aparente previsão normativa expressa sobre o tema no Marco Civil da Internet, não afasta a atribuição de responsabilidade tanto do autor do conteúdo falso quanto de quem o compartilha, uma vez que viole direitos de terceiros, como honra, imagem e dignidade – tanto no âmbito cível, criminal e eleitoral.

 

Fato é que os usuários devem ter consciência sobre a possível inverdade das informações propagadas, principalmente nos meios digitais, razão pela qual se recomenda a pesquisa da temática em mais de uma fonte, confirmação da autoria e data da publicação e, se possível, buscar a opinião de especialistas.

 

Acaso exista dúvida sobre a veracidade do que se vê ou lê, deve-se evitar todo e qualquer tipo de compartilhamento do conteúdo em questão, haja vista a existência de responsabilidade por este ato aparentemente inofensivo, mas que contribui com a disseminação de conteúdo indevido pela rede.

 

Portanto, fica o alerta de que tanto usuários, como os provedores de aplicação e a sociedade em geral precisam agir de forma célere e em conjunto, unindo direito e tecnologia, para combater as deep fake news e resguardar os direitos dos usuários, inclusive das mulheres, para que a Internet não se torne um campo de desinformação e frequente violação de direitos.
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1 Cambridge Dictionary. < Clique aqui > Acessado em 12.06.2018.

 

2 < Clique aqui > Acessado em 10.06.2018.

3 MENA, Isabela. Verbete Draft: O que São deepfakes. < Clique aqui > Acessado em 18.06.2018.

4 MENA, Isabela. Verbete Draft: O que São deepfakes. < Clique aqui > Acessado em 18.06.2018.

5 < Clique aqui > Acessado em 10.06.2018.

6 < Clique aqui > , Acessado em 19.06.2018.

7 < Clique aqui > , Acessado em 19.06.2018.

8 Família de Marielle Franco pede retirada de 38 vídeos difamatórios do YouTube. Acessado em 18.06.2018

9 ARESP 601513 AP 2014/0242117-1 - Relator ministro Marco Buzzi - Data da publicação 01.07.2015.

10 Resp. 1500676/DF – Relator ministro Marco Buzzi - Quarta Turma - Julgado em 12.02.2015.

11 < Clique aqui >. Acessado em 11.06.2018.

12 https://fakeounews.org/ Acessado em 11.06.2018.

13 'Modelo normativo brasileiro não está preparado contra fake news', diz Cueva. Acessado em 19.06.2018
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*Helena C. F. Coelho Mendonça é advogada especializada em Direito Digital e Propriedade Intelectual no escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados.







*Paula Marques Rodrigues é advogada especializada em Direito Digital e Propriedade Intelectual no escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados.

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