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Destinatários da delação premiada

A delação premiada, como se sabe, é um instituto recente no Brasil e vai ganhando cada vez mais espaço, principalmente na Operação Lava-Jato, que teve a primazia de utilizá-lo com considerável margem de sucesso.

1/7/2018

O Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.508), ajuizada pela Procuradoria Geral da República, questionando dispositivos da lei 12.850/13, que trata de delação premiada e organização criminosa, decidiu pela realização da colaboração premiada por iniciativa do delegado de polícia na fase do inquérito policial, com a consequente submissão ao Judiciário, sem interferir na atribuição constitucional do Ministério Público.

A delação premiada, como se sabe, é um instituto recente no Brasil e vai ganhando cada vez mais espaço, principalmente na Operação Lava-Jato, que teve a primazia de utilizá-lo com considerável margem de sucesso. Basta ver o alto número de ações penais desenvolvidas a partir da colaboração dos envolvidos. Se não fossem as colaborações que desvendaram todo um novelo criminoso, dificilmente seriam descobertas as tramas organizadas e bem dimensionadas para obtenção de vantagens ilícitas em detrimento do erário público.

O fulcro da ação, que vem acompanhada de outros argumentos secundários, reside na função do órgão do Parquet em exercer, privativamente, a ação penal pública, conforme determinação constitucional contida no artigo 129, I. Tal múnus confere a ele o monopólio da ação penal e, portanto, seria o órgão competente para recepcionar as delações. Mas é bom observar, a título de esclarecimento, excepcionalmente, pode ser alijado da posição de dominus litis se não exercer o jus accusationis no prazo definido em lei, conforme permissivo constitucional do artigo 5º, LIX, facultando ao particular o direito de ofertar queixa crime substitutiva da denúncia, deslocando-o, desta forma, para a posição de interveniente adesivo obrigatório, podendo, no entanto, intervir em todos os termos do processo e reassumir a titularidade da ação penal, em caso de negligência do querelante, nos termos do artigo 29 do Código de Processo Penal.

Por outro lado, pelo poder conferido constitucionalmente, se se tratar de ação penal pública, o Ministério Público poderá dispensar a feitura do inquérito policial se receber de qualquer pessoa do povo informações que possibilitem investigações e diligências no âmbito de suas atribuições, para sedimentar posteriormente a peça acusatória, consoante norma contida no artigo 27 do estatuto processual penal.

Assim, na praxe do processo penal brasileiro, há uma dicotomia que vem sendo praticada e, ao que tudo indica, sem pontos de divergências, entre as duas Instituições. O fato criminoso será primeiramente perquirido pela polícia judiciária, com a finalidade de apurar autoria e materialidade e, posteriormente, encaminhado ao Ministério Público que fará a apreciação como titular da ação penal e poderá propor o arquivamento do inquérito policial ou o ajuizamento da competente ação.

O que se discute na Ação de Inconstitucionalidade proposta é se o delegado de polícia, não exercendo a função persecutória coram judice, pode ser destinatário da delação premiada. A resposta vem na interpretação literal da lei 12.850/13 que, em algumas oportunidades, credencia o delegado de polícia e confere a ele legitimidade para colher a colaboração premiada. Em dois momentos, no entanto, a lei é incisiva: quando, no parágrafo 2º do artigo 4º, determina: "Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer momento, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial...". No segundo, no parágrafo 6º do mesmo artigo, é taxativa ao afirmar: "O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor".

In claris cessat interpretativo legis, regra básica de hermenêutica, faz ver que o texto legal não traz qualquer dúvida com relação à legitimidade do delegado de polícia em figurar como destinatário não só da notitia criminis como também de eventual delação prestada pelo investigado. Mesmo em se dando elasticidade temporal maior do que comporta, a expressão "a qualquer momento" atrelada ao Ministério Público, acima referida, não exclui e nem descredencia o delegado de polícia como agente apto a receber a colaboração. Se, no entanto, o procedimento investigatório for promovido originariamente pelo Parquet, nenhuma dúvida paira a respeito de sua titularidade exclusiva para promover a delação.

O que fica bem claro no texto é que na fase policial a incumbência pertence ao delegado de polícia, mas necessita sim do parecer ministerial, que poderá endossar ou não a prova colhida, podendo, para sua aceitação, recomendar a inclusão de algumas condições no acordo que será remetido ao juiz para apreciação. Justamente porque pode ocorrer colidência entre o pacto celebrado pelo delegado de polícia, o investigado e seu defensor, com a avaliação ministerial posterior, que poderá não concordar com determinado benefício, ou até mesmo considerar desproporcional ou inadequado ao caso examinado.

Esta participação conjunta das duas instituições na fase policial é de vital importância para o sucesso da empreitada probatória, pois deverão estar presentes os benefícios que serão conferidos ao delator, tais como a concessão imediata de liberdade provisória com as mínimas ou suportáveis restrições legais, como também o quantum da redução da pena, sua modalidade de cumprimento, progressão, fixação da pena de multa e pena compensatória e até mesmo o perdão judicial, desde que a colaboração tenha produzido resultados satisfatórios.

Uma vez delimitada a legitimidade policial pelo Supremo Tribunal Federal, as duas Instituições, em obediência à norma que rege a matéria, deverão manter extenso canal de comunicação para que possam extrair com sucesso o máximo das provas necessárias para levar adiante a difícil função persecutória. Quanto maior for a abertura para recepcionar a delação, maior será a credibilidade e a sustentação do instituto, que vem se fincando como confiável alicerce probatório.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp, advogado.

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