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A arbitragem no âmbito da administração pública e o sigilo – Regra e exceções

Em consonância com os princípios que regem o Estado Democrático de Direito, ao escolher a arbitragem como via de solução de um conflito, a Administração Pública está obrigada à prestação da informação correspondente, revelando-se restritas as exceções à regra geral da transparência.

29/6/2018

i) O Regime "comum" do sigilo na arbitragem privada

Aqueles que são afeitos à arbitragem privada sabem que o estabelecimento de sigilo é, em regra, uma prerrogativa das partes, por elas livremente estabelecida quando optam por essa via para a solução de conflitos que possam nascer em suas relações. Não se trata de elemento essencial da arbitragem. Essa opção decorre na maioria das vezes pelo fato de que as partes não desejam dar conhecimento a terceiros relativamente aos seus problemas internos, terceiros entre os quais se colocam os seus concorrentes no mercado que poderiam utilizar em seu favor as informações correspondentes.

No entanto, há normas que quebram a opção pelo sigilo, fundado este no princípio do segredo do negócio, quando é dada primazia a outros valores, em função de determinadas situações.

No sentido acima, veja-se que, ainda que uma das partes na cláusula compromissória seja uma companhia fechada, o art. 176 da lei 6.404/76, inciso IV, "i" determina que das suas demonstrações financeiras conste nota explicativa sobre a existência de eventos subsequentes à data do encerramento do exercício, os quais tenham ou possam vir a ter um efeito relevante sobre a situação financeira e os resultados futuros da companhia. Essa norma claramente se reporta aos resultados econômico/financeiros de uma pendência arbitral, que possa gerar uma condenação para a sociedade. Tal situação gera a obrigação do provisionamento de determinada importância e objetiva resguardar o patrimônio da sociedade diante de futura condenação na lide, valorada segundo os princípios contábeis aplicáveis ao caso.

Para o fim de ser resguardado o interesse da sociedade em casos como esse – de sigilo claramente relativo, como se vê – a nota explicativa a ser redigida se restringirá a indicar o objeto da pendência em termos genéricos, e a sua expressão econômica, não sendo necessário particularizá-lo a fundo.

 

Por sua vez, quando se trata de companhias abertas, a transparência é a regra geral que se coloca perante os acionistas, os investidores e o mercado de capitais, dando-se maior amplitude à informação a ser prestada relativamente a uma pendência judicial ou arbitral. Esse princípio encontra-se erigido em dispositivos da lei 6.385/76, conforme veremos rapidamente.

 

No caso acima cabe à CVM expedir normas sobre a natureza das informações que a companhia aberta deva divulgar e a periodicidade da divulgação (art. 22, § 1º), o que foi objeto da Instrução nº 258 daquele Órgão no que diz respeito à existência de algum fato relevante.

O tratamento desse tema transparece da leitura do art. 4º da lei em apreço e do art. 157, § 4º da LSA, quando, ao cuidar o primeiro da competência conjunta do Conselho Monetário Nacional e da CVM, volta-se para: (i) o funcionamento regular e eficiente dos mercados de bolsa e de balcão; (ii) o uso de informações relevantes não divulgadas no mercado de valores mobiliários; e (iii) o acesso do público a informações sobre os valores mobiliários negociados e as companhias que os tenham emitido. O segundo dispositivo citado impõe aos administradores o dever de prestar essa informação, abrindo-se uma exceção no parágrafo 5º, quando entenderem que a revelação de algum fato possa colocar em risco interesse legítimo da companhia. Neste caso cabe à CVM, a pedido dos mesmos administradores, de qualquer acionista, ou por iniciativa própria, decidir sobre a prestação da informação e responsabilizar os primeiros, se for o caso quando houve irregularidade na omissão de informar.

 

De qualquer maneira, o fato da existência de uma arbitragem na qual uma das partes seja uma companhia aberta jamais poderia justificar segredo a seu respeito fundado em fato relevante. Conforme se disse acima, é obrigatória a informação sobre esse assunto, nos limites colocados pela lei, ou seja, divulga-se a existência da arbitragem, eventualmente reservando-se a informar o seu conteúdo, ainda que o valor potencial da condenação deva constar das demonstrações financeiras como nota explicativa e se faça a correspondente provisão.

Por outro lado, de maneira geral o acionista de qualquer companhia, aberta ou fechada, no exercício de seus direitos essenciais, tem a prerrogativa de sobre ela exercer fiscalização, na forma que a lei estabelece (Lei 6.404/1976, art. 109, III). Essa fiscalização não é feita de forma direta, mas por meio do Conselho Fiscal quando em funcionamento, nos termos dos arts. 161 a 165 da LSA. Informações sobre arbitragens em andamento relativamente à companhia constarão obrigatoriamente do relatório desse órgão, que será apresentado à assembleia geral (art. 163, II, V e VII). A lei exige um mínimo de representatividade do corpo social para requerer a instalação desse órgão, correspondente a 0,1 (um décimo) das ações com direito de voto ou 5% (cinco por cento) das ações sem direito de voto (art. 161, § 2º).

 

Se o Conselho Fiscal em dada sociedade não estiver em funcionamento e não for possível a um ou a alguns acionistas pedirem a sua instalação, a informação sobre a existência, conteúdo e extensão dos efeitos potenciais de uma arbitragem na qual a companhia seja parte será obrigatoriamente transmitida quando da realização de Assembleia Geral Ordinária. Pode-se entender que essa informação esteja incluída entre os principais fatos administrativos do exercício findo, que devem constar do relatório da administração, na forma do art. 133, I da LSA.

II) A arbitragem e a administração pública

Introduzido o instituto da arbitragem no direito brasileiro como uma alternativa adequada à solução de conflitos por meio da lei 9.307/96, o texto em seu artigo primeiro dispôs que as pessoas capazes de contratar poderiam valer-se dessa opção para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Dando-se que a sua redação é genérica, nada impediria desde o advento dessa lei que a administração pública pudesse recorrer à arbitragem em lugar do Judiciário. Essa já era uma realidade presente em muitos casos, especialmente no tocante a empresas públicas e sociedades de economia mista, dada a sua natureza jurídica. Mas também se aplicava aos contratos administrativos. Isto porque a doutrina entendeu, corretamente, que tanto na administração pública direta, como na indireta, estavam presentes direitos patrimoniais disponíveis quando os contratos celebrados nessa área diziam respeito não ao objeto público propriamente dito (atividade-fim), mas à maneira pela qual ele era realizado (atividade-meio). E precisamente neste último caso os direitos inerentes ao ente público caracterizavam-se como daquela natureza. E, dessa forma, não foram raras as arbitragens realizadas dentro desse cenário. E para compreendê-lo melhor passaremos a examinar outros elementos.

 

Antes disso, observe-se que a Lei de Arbitragem foi alterada pela lei 13.129/15, que incluiu o parágrafo 3º ao artigo 1º, onde se lê que "a arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o principio da publicidade". Quanto a este ultimo aspecto, a mudança correspondeu tão somente a chover no molhado, pois esse principio sempre fez parte integrante da posição do Estado diante dos particulares, o que incluía também a arbitragem. É o que veremos em seguida.

III) Legislação genérica e especial aplicável à arbitragem no campo público

Inicialmente, deve observar-se que, nos termos do art. 37, XXI da CF, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica, indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. Trata-se dos chamados contratos administrativos.

O dispositivo acima citado foi regulado pela lei 8.666/93, a qual estabeleceu normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Subordinaram-se ao seu regime além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

 

Deve-se ter em conta, ainda que a Ordem Econômica Constitucional brasileira regula a presença do Estado na economia nos termos do art. 173 da CF, da seguinte forma, no que nos interessa particularmente aos objetivos deste texto:

(i) O exercício direto da atividade econômica pelo Estado somente é permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei;

(ii) Essa atividade do Estado é exercida por meio de empresas públicas, de sociedades de economia mista e de suas subsidiárias;

(iii) Tais entidades estão sujeitas ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias; e

(iv) Os privilégios das empresas públicas e das sociedades de economia mista são obrigatoriamente os mesmos aos quais têm direito as empresas privada.

Em complementação, a atividade econômica do Estado no campo da prestação de serviços públicos, é disciplinada pela art. 175 da CF, seja pela forma direta, seja por subordiná-la aos regimes da concessão ou da permissão, na forma da lei.

Finalmente não pode se esquecer de que foram promulgadas leis que disciplinam a adoção da arbitragem relativamente a certos setores nos quais atua o Estado de forma direta ou indireta, como pode se verificar na relação abaixo:

 

- Lei 8.987/95 – Lei das Concessões;

- Lei 9.472/97 – Lei Geral de Telecomunicações;

- Lei 9.478/97 – Política Energética Nacional;

- Lei 10.233/01 – Lei de Criação da ANTT e da ANTAQ;

- Lei 11.079/04 - Lei de Parcerias Público-Privadas;

- Lei 12.462/11 – Regime Diferenciado de Contratações Públicas;

- Lei 12.815/13 e Decreto 8.465/15 – Setor Portuário.

- Lei 12.351/10 – Lei do Pré-Sal;

- Lei 13.303/16 e Decreto 8.945/16 – Estatuto das Empresas Estatais; e

- Lei 13.448/17 – Lei de Relicitação e Prorrogação de Contratos de Parceria.

 

IV) A questão do sigilo na realização de arbitragens com entes públicos

Não é necessário aprofundar-se na doutrina para reconhecer que os princípios da transparência e da publicidade são inerentes aos regimes políticos democráticos. Assim sendo, não se poderia falar em sigilo quando se tratasse da realização de uma arbitragem no âmbito da administração pública. Mas, tanto quanto é possível em relação à iniciativa privada, em alguns momentos poder-se-ia estar diante de uma situação que levasse à necessidade da quebra da regra geral. A questão está em se saber se existe alguma base legal que possa indicar o caminho. E, para mim, um deles pode ser encontrado nos princípios que regem o desusado instituto do habeas data, insculpido no art. 5º, XXXIII da CF, segundo o qual "todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado".

Analisando-se a jurisprudência um pouco pobre do STF sobre o habeas data, verifica-se que ele tem sido reconhecido como válido no tocante a informações de interesse direto do impetrante e não de terceiro, exercido perante o órgão público contra o qual se busca determinada informação. Ocorre que a leitura é clara no sentido de que tal direito vai além do interesse particular, envolvendo também os interesses coletivos e gerais, os quais seriam aqueles que justificariam a obrigatoriedade de prestação da informação pretendida que, no caso deste breve estudo, diz respeito à realização de uma arbitragem da qual faça parte um ente público.

 

O que nos interessa diretamente não é saber sobre a obrigatoriedade da prestação da informação de que se trata (regra), mas de quando ela pode ser negada (exceção), colocando-se no campo do sigilo. E para resolver esta questão devemos nos reportar ao regulamento do habeas data, objeto da lei 12.527/11, que se aplica, nos termos do artigo primeiro, a todos os órgãos da administração pública direta e indireta, da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios.

 

Por sua vez, o seu art. 3º, inciso I estabelece a publicidade como preceito geral e o sigilo como exceção. E ainda que o art. 7º traga uma relação de casos de prestação obrigatória da informação, ela não é de natureza fechada, mas aberta.

E, importante, o direito à informação de que se trata, é restringido tão somente, na forma do art. 7º, §1º e 23:

(a) às informações referentes a projetos de pesquisa e desenvolvimento científicos ou tecnológicos cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Fora disso não há sigilo;

(b) aquelas que são consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação as informações cuja divulgação ou acesso restrito possam:

I - pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional;

II - prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais;

III - pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população;

IV - oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País;

V - prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas;

VI - prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional;

VII - pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou

VIII - comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações.

As hipóteses acima se aplicam claramente às arbitragens das quais o Estado seja parte, direta ou indiretamente.

Conclusão

Portanto, em consonância com os princípios que regem o Estado Democrático de Direito, ao escolher a arbitragem como via de solução de um conflito, a Administração Pública está obrigada à prestação da informação correspondente, revelando-se restritas as exceções à regra geral da transparência.
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*Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa é advogado e sócio do escritório Duclerc Verçosa Advogados Associados.

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