1 - Considerações iniciais
A possibilidade de controle dos pronunciamentos judiciais é um natural reflexo da estrutura política escolhida pela sociedade. É assim que, em um Estado Democrático de Direito, são mais intensos e profícuos os instrumentos de controle hábeis a impor limites ao arbítrio estatal e manter a atuação do ente público conformada à ordem jurídica. A existência de mecanismos de controle, a um só tempo, reduz a margem de erro, contribui para o diálogo e mitiga a chance de tratamento diferenciado para situações idênticas. Ela favorece, pois, a segurança jurídica, o contraditório e a isonomia.
A presença, contudo, de excessivos instrumentos de controle pode ocasionar inadmissível demora na entrega da prestação jurisdicional, seja pelo atraso na solução jurídica do caso, seja pela ausência dos atos práticos esperados por aquele que ingressa em juízo. Com efeito, tanto a fase de conhecimento, como a fase de execução poderão sofrer prejuízos incontornáveis pelo excesso de controle dos pronunciamentos judiciais.
A difícil tarefa de equacionar efetividade e controlabilidade é feita pelo direito positivo como decorrência das escolhas políticas da sociedade, daí porque se trata de um problema de “política legislativa”.1 Daí decorre a necessária postura de deferência à organização do processo presente no direito positivo quanto ao controle das decisões judiciais, ainda que traga disposições inusitadas ou não atenda às expectativas da comunidade jurídica.
Uma das maiores novidades na organização do controle dos pronunciamentos judiciais ficou com o agravo de instrumento. No regime atual, não há mais agravo retido. Em contrapartida, também não há preclusão de algumas matérias que, então, ainda podem ser apreciadas no julgamento da apelação. O agravo de instrumento, por sua vez, foi confinado a hipóteses de cabimento legalmente previstas. É dizer, se antes qualquer decisão interlocutória poderia ser desafiada por agravo de instrumento, agora apenas um determinado grupo de decisões interlocutórias é passível de recurso. As decisões agraváveis, caso não haja recurso, são atingidas pela preclusão; já as decisões não agraváveis, não são atingidas pela preclusão e podem ser rediscutidas em apelação (art. 1009, §1º, CPC).
As decisões que versarem sobre as questões expressamente indicadas pelo texto legal podem ser confrontadas por agravo de instrumento. Há um catálogo de variadas hipóteses fechadas com “outros casos expressamente referidos em lei” (art. 1015, XIII, CPC). O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tem limitado o recurso às hipóteses ali indicadas.2
A escolha por uma listagem de hipóteses que ensejam o recurso em questão traz certa perplexidade teórica, já que a tendência legislativa contemporânea se inclina favorável à utilização de expressões e comandos mais abertos e que favoreçam a sua apreciação à luz do caso concreto. Essa eleição traz ainda mais inconvenientes de ordem prática ao excluir algumas hipóteses realmente relevantes do cabimento do agravo de instrumento. Assim, por exemplo, pela redação do art. 1.015 do CPC, não cabe agravo de instrumento da decisão que delibera sobre a competência (situação que traz prejuízo direito e imediato à parte quando se tratar de mudança na localidade em que deve tramitar o processo), não cabe agravo de instrumento da decisão que suspende o processo (hipótese que pode trazer evidente prejuízo à parte, com a paralisação indevida do feito), não cabe agravo de instrumento da decisão que retifica o valor da causa (se a parte não é beneficiária da gratuidade, o prejuízo econômico pode ser imediato), não cabe agravo de instrumento da decisão que indefere a produção de alguma prova (mesmo que urgente).
Diante de tantos inconvenientes, surgiu interessante divergência doutrinária e que acabou sendo levada aos tribunais. Estariam todas as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento realmente previstas em lei ou o catálogo legal não excluiria o cabimento para outras situações? E mais: caso se entenda que todas as hipóteses estão previstas em lei, o rol de situações não admitiria uma interpretação mais elástica em determinadas circunstâncias?
Na perspectiva doutrinária, é possível identificar a existência de, no mínimo, três posições diferentes com judiciosos argumentos esgrimidos em favor de diferentes soluções eleitas. Diante dessas circunstâncias, e da relevância para a prática jurisdicional que envolve o tema, o objetivo do presente ensaio é analisar a questão do cabimento do agravo de instrumento à luz da problemática interpretativa que o referido dispositivo legal trouxe, trazendo a baila o papel da hermenêutica contemporânea na busca de uma resposta adequada ao Direito.
2 - Análise das correntes doutrinárias existentes
2.1 - A primeira corrente (rol exemplificativo)
A primeira corrente defende que existe um rol exemplificativo de situações confrontáveis pelo agravo de instrumento. Segundo essa posição, a situação de perecimento do direito não pode ficar insuscetível de controle judicial, razão pela qual a interpretação do art. 1.015 do CPC deve ser com numerus apertus. Essa fórmula aberta é garantia do devido processo legal ou do “processo justo”. É adotada por Rosemiro Pereira Leal3, Gabriel Araújo Gonzalez4 e Luis Alberto Reichelt.5
O problema da primeira corrente é desconsiderar que a organização do processo é uma decorrência do direito positivo e fruto de uma construção democrática. Essa posição não logra êxito em justificar porque motivo há violação ao devido processo, se há previsão legal para outros instrumentos de controle, como o mandado de segurança.
Cumpre lembrar que não existe uma exigência constitucional de que todas as decisões judiciais sejam imediatamente controláveis, mas tão só o dever de que existam instrumentos judiciais que afastem de pronto qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, XXXV, CF/88). O perfil desses instrumentos, porém, decorre de atos normativos infraconstitucionais e não há indicativo seguro de que um menor grau de recorribilidade torne o sistema mais frágil. No direito processual comparado, são profícuos os exemplos, merecendo especial menção o sistema germânico em que são limitadíssimas as hipóteses de manejo do sofortige beschwerde ou do rechtsbeschwerde.6
2.2 - A segunda corrente (rol taxativo com interpretação ampla)
A segunda corrente aponta que existe um rol taxativo de hipóteses que admitem o agravo de instrumento, mas a listagem pode ser interpretada de maneira mais ampla mediante raciocínio analógico, interpretação extensiva ou outros “métodos hermenêuticos”. É adotada por Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero, Sérgio Cruz Arenhart7, Alexandre Freitas Câmara8, Cassio Scarpinella Bueno9 , José Miguel Garcia Medina10, Daniel Amorim Assumpção Neves11 e Teresa Arruda Alvim12. Nessa mesma linha, vão também Fredie Didier Júnior e Leonardo Carneiro da Cunha13, Sérgio Porto, Daniel Ustárroz14, Claylton Maranhão15, José Tadeu Neves Xavier16, Antonio Notariano Junior e Gilberto Gomes Bruschi.17
A principal linha argumentativa dessa corrente parte de Fredie Didier Júnior e Leonardo Carneiro da Cunha. Para eles, na hipótese de divergência entre o sentido literal e o sentido genético, teleológico ou sistemático, adota-se “uma das interpretações corretivas, entre as quais se destaca a extensiva, que é um modo de interpretação que amplia o sentido da norma para além do contido em sua letra”18. Deixam também explícita a postura consequencialista, afirmando que o agravo de instrumento ocasionaria menor congestionamento nos tribunais do que o uso do mandado de segurança.
A falha fundamental dessa corrente está na sua raiz filosófica e simplesmente desconsidera uma perspectiva necessariamente mais abrangente para o problema da interpretação dos textos normativos em matéria processual. Com efeito, a proposta de uma interpretação “analógica” ou “extensiva” é evidência de um apego ainda presente a uma metódica hermenêutica de um positivismo que já deveria ter sido superado. Como se interpretar ainda fosse “escolher, dentre as muitas significações que a palavra oferecer, a justa e conveniente”.19 Essa concepção, aliás, esteve muito presente no sistema brasileiro por influência de Clóvis Beviláqua, para quem “embora a intenção da lei seja um ponto importante para o intérprete, o essencial é escolher, dentre os pensamentos possíveis da lei, o sentido mais racional, mais salutar e de efeito mais benéfico”. 20
A interpretação extensiva considera que a “fórmula legal é menos ampla do que a mens legislatoris deduzida” ou adapta a intenção da vontade do legislador às novas exigências da realidade social.21 Trata-se de categoria que remonta ao positivismo interpretativista de Josef Kohler e difundido por Carlos Maximiliano. Este último, porém, concluíra que a interpretação extensiva “não faz avançar as raias do preceito”, mas, sim, de atribuir “à letra o significado que lhe compete: mais amplo aqui, estrito acolá”.22 O próprio Carlos Maximiliano – cumpre aqui alertar – defendeu a interpretação estrita para as regras atinentes aos recursos judiciários.23
Como se pode perceber com facilidade, a discussão em torno da interpretação extensiva ou analógica não se desvencilha de categorias presentes em uma fase já superada do positivismo jurídico.
A hermenêutica filosófica já demonstrou a inviabilidade ontológica de qualquer discurso sobre a “vontade do legislador” ou sobre a “vontade da lei”, já que ambas acarretam na arbitrária atribuição de sentido pelo intérprete. Com efeito, a existência de técnicas de interpretação, ou “espécies” confronta diretamente com a ruptura que a hermenêutica filosófica deflagra no esquema tradicional de interpretação fundado no “sujeito-objeto”. Por isso, “não há como sustentar meta-critérios que possam validar ou servir de fundamento ao método empregado”.24 Como a apreciação de um enunciado linguístico implica, a um só tempo, na sua interpretação e aplicação (porque interpretar é aplicar), o surgimento da norma jurídica já ocorre num contexto de intersubjetividade que exige a explicitação desse conteúdo. E essa atribuição de sentido, apesar de alheia a meros métodos, cânones ou critérios lógicos, deve ser orientada pela historicidade dos instituto jurídicos25 naquilo que Lenio Streck denomina, com esteira na proposta de Dworkin, de história institucional do direito.
Nessa linha de pensamento, a intepretação “não é a colocação posterior, pelo intérprete, de valores e significados sobre um objeto neutro, ela é o desenvolvimento de algo prévio, que instaura o próprio objeto, revelando uma conformidade do mesmo com o compreender que abre o ser-aí para o mundo. O que é concebível após a interpretação é apenas o retorno da compreensão fundante que só agora pode ser tematizada”.26
Na perspectiva da hermenêutica filosófica fica patente a impossibilidade de se defender que quaisquer “métodos hermenêuticos” tradicionais possam contribuir com o debate em torno do cabimento do agravo de instrumento. Não é à toa que entre os defensores dessa proposta, surjam sintomáticas divergências sobre qual o “método hermenêutico” que deve ser empregado ou em que extensão poderá ser empregado. Embaralham-se as tradicionais “técnicas de interpretação” (gramatical, sistemática, histórica, teleológica etc.) com os meios para supressão de lacunas (como a analogia) e com os seus resultados (interpretações declarativa, extensiva e restritiva).
Há que se considerar também que os mesmos argumentos favoráveis à interpretação extensiva poderiam ser manejados, sem qualquer pudor, para dar interpretação restritiva ao cabimento do agravo de instrumento. Bastaria aduzir que a “vontade do legislador” foi limitar a quantidade de recursos ao mínimo para não causar inconvenientes para o magistrado de primeiro grau e garantir uma tutela jurisdicional mais efetiva, concentrando de forma legítima as defesas na apelação. Assim, apenas para exemplificar, seria possível defender que não cabe agravo de instrumento contra toda a decisão interlocutória que verse sobre tutelas provisórias (art. 1015, I, CPC), mas apenas em relação àquela decisão que, versando sobre tutela provisória, cause à parte lesão grave e de difícil reparação demonstrável de plano. É que neste caso “lex minus dixit quam voluit”.
A busca por afastar uma equivocidade dos dispositivos legais para adscrever sentido aos textos mediante raciocínio analógico ou via extensão redundam em uma arbitrária atribuição de sentido pelo intérprete que não se desvencilhou de suas pré-compreensões e apenas busca incutir as finalidades e ou intenções, isolada, subjetivamente enunciadas e predeterminadas, no sentido do texto já dado. Não há, pois, qualquer circularidade na construção do sentido ou retomada às essências de qualquer instituto para a aferição desse (novo) sentido.
Curiosamente, ainda que seja considerada a “hermenêutica tradicional”, isto é, aquela refratária de uma argumentação jurídica centrada no esquema “sujeito-objeto”, os cânones de interpretação também não são trunfos, mas sim formas de argumentos do discurso jurídico que apenas podem ser empregados quando contiverem todas premissas que pertençam à forma que será empregada. A esse fenômeno do discurso jurídico, Robert Alexy denominou “exigência de saturação”.27 Dessa feita, caso se pretenda utilizar uma argumentação genética ou semântica – que cuidam de saber qual era a intenção do legislador para estender ou reduzir a aplicação de uma regra – é preciso levar à exaustão os argumentos para identificar originariamente qual era essa carga genética ou semântica, o que é difícil ou “até mesmo impossível” , já que “não está claro quem deve ser considerado o sujeito da ‘intenção do legislador’ e, por outro, muitas vezes não é possível estabelecer inequivocamente no que consiste o conteúdo dessa intenção. Acaso a totalidade dos representantes eleitos do sujeito dessa intenção estão em questão?”28. A argumentação genética se prova como uma espécie de argumentação empírica, que dependerá da identificação concreta e palpável de qual era a intenção do legislador mediante informações e dados que devem ser explicitados pelo intérprete.
Na prática, o discurso jurídico “interpretativista” proposto acaba por apenas trazer uma falsa capa de sentido a razões utilitárias ou morais do tipo “o agravo é melhor para o processo do que o mandado de segurança” ou “o agravo faz melhor justiça para o caso do que a sua falta”. Nesse contexto, vê-se por absolutamente descabida a “interpretação analógica ou extensiva” ventilada como medida de ampliação do cabimento do agravo de instrumento na forma proposta pelos adeptos dessa posição.
A segunda corrente, aliás, também apresenta com frequência o argumento pragmático de que o mandado de segurança não seria uma via adequada para o confronto de decisões judiciais. E como não é conveniente o uso do mandamus, deveria ser aceita uma compreensão mais elástica para o cabimento do agravo de instrumento. Na essência, essa corrente compreende que o writ tem prazo mais extenso, procedimento mais complexo e poderia incrementar o congestionamento nos tribunais. Outros ainda defendem que essa “vulgarização” seria um desprestígio a uma ação constitucional de tamanha nobreza.
No que diz respeito à taxa de congestionamento, não há qualquer dado empírico que confirme a inidoneidade do mandado de segurança. Infelizmente o sistema brasileiro de Justiça aprendeu tardiamente a trabalhar com números. Não consta, por exemplo, comparativo entre recursos e ações autônomas de impugnação no Relatório Justiça em Números de 2017. Trata-se, por outro lado, de questão mais afeta à organização judiciária do que à organização do processo, já que cada tribunal poderia tomar as medidas administrativas que considerasse relevantes para que a medida prevista não avolume o acervo dos tribunais. Mesmo no aspecto procedimental, também não há como advogar que o mandamus seja menos eficiente, já que a peça pode ser indeferida de plano quando o relator verificar a ausência dos seus requisitos legais (art. 10, Lei 12.016/09) e, por outro lado, somente é cabível quando houver demonstração de violação a direito líquido e certo (art. 1º, caput, lei 12.016/09).29
2.3 - A terceira corrente (rol taxativo com interpretação restrita)
A terceira corrente defende que existe um rol taxativo de decisões agraváveis e que esse catálogo deve ser interpretado restritivamente. De acordo com os seus adeptos, a finalidade do novo ordenamento processual foi reduzir as vias recursais. Além disso, é importante que se conheça previamente as decisões agraváveis porque, caso não haja recurso, elas se sujeitam a preclusão; o que não sucede com as decisões não agraváveis. São adeptos dessa corrente Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery30, Rodolfo Hartmann31, Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini32, Zulmar Duarte33, André Vasconcelos Roque, Luiz Dellore, Fernando Gajardoni, Marcelo Pacheco Machado e Bárbara Pombo.34
A importância estrutural do rol taxativo com interpretação restrita recebeu contundente alerta de Zulmar Duarte: “a ampliação jurisprudencial dos temas passíveis de serem objeto de agravo pode trazer a reboque a expansão da ocorrência da preclusão imediata no processo, sobre temas sequer imaginados pelas partes, exatamente aqueles colhidos pela extensão. As partes confiando no sistema eleito não interporiam agravo de instrumento, sendo que posteriormente seriam surpreendidas pelo não conhecimento do tema em sede de apelação (art. 1009, §§1º e 2º), sob o argumento de que deveriam ter recorrido imediatamente, pois a matéria estaria compreendida em uma interpretação extensiva no art. 1015”. 35
Lamentavelmente, essa corrente também é frágil no aspecto filosófico, já que considera os objetivos do legislador sem previamente demonstrar a “origem genética” dessa suposta intencionalidade legislativa. O argumento da preclusão, porém, é sólido e não pode ser desprezado. O papel do art. 1015 do CPC não é apenas indicar as decisões agraváveis, mas também listar as matérias que se sujeitam a preclusão, de sorte que leituras ampliativas do texto legal poderiam causar perigosa ruptura sistêmica, afrontando a segurança jurídica.
3 - Considerações conclusivas
As três correntes apresentadas em torno do cabimento do agravo de instrumento pretendem administrar remédios hermenêuticos que carregam perigosos efeitos colaterais para o sistema processual. Um razoável período de tratamento poderia contribuir para identificar a melhor posologia, mas, ao que tudo indica, os tribunais estão pouco dispostos ao debate.
A hermenêutica filosófica também poderá contribuir para o equacionamento do problema, já que ela permite um verdadeiro diálogo no qual o intérprete se projeta como ignorante em busca do conhecimento e não como um sábio em busca de confirmação para o que já se reputa sabido. Todavia, esse caminho não traz respostas prontas e acabadas, mas apenas possíveis indicações de sentido. Com efeito, não há respostas antes de perguntas.
A trilha também exige a inevitável inserção da faticidade no discurso jurídico. Não há pois, solução pronta e acabada, muito embora alguns aspectos relevantes claramente não estão recebendo a devida tônica.
Pretendeu-se realçar, entrementes, que no aspecto constitucional, há uma margem de liberdade política na conformação da organização do processo e dos instrumentos de controle, o que é algo legítimo e próprio de um Estado Democrático de Direito. Não se pode desprezar, também, que sempre deve existir algum meio de controle dos pronunciamentos judiciais, ainda que posterior ou mediante instrumentos que anteriormente eram menos prestigiados como o mandado de segurança.
A existência de divergência doutrinária em torno do cabimento do agravo de instrumento já deságua nos tribunais superiores. Caberá ao Superior Tribunal de Justiça definir a questão e uniformizar a aplicação da legislação federal. Há, inclusive, recurso representativo de controvérsia pendente de julgamento e que foi delimitado com a seguinte fórmula: “definir a natureza do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar possibilidade de sua interpretação extensiva, para se admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente versadas nos incisos de referido dispositivo do Novo CPC”. 36
A decisão do Tribunal da Cidadania, seja qual for a solução, irá contribuir com o diálogo constante sobre a extensão da controlabilidade dos pronunciamentos judicias, mas, com certeza, não terá o condão de pôr fim à controvérsia. Caso aceita a ampliação mediante “interpretação extensiva ou analogia”, quais seriam as formas argumentativas legítimas para ampliar esse catálogo? Quais os limites dessa extensão? E qual será a solução para o regime das preclusões? Por outro lado, caso confirmada a “interpretação literal”, o que dizem os termos de cada inciso? Quais os limites de leitura de cada hipótese de cabimento? Tantas dúvidas confirmam que apenas a incursão na facticidade, isto é, com a resolução de casos concretos no cotidiano forense é que se poderia encontrar solução satisfatória.
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1 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 488.
2 AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE APENSAMENTO DOS AUTOS. DECISÃO NÃO AGRAVÁVEL. ROL TAXATIVO. I. Caso em que a decisão hostilizada, que indeferiu o pedido de apensamento das demandas executivas, não se enquadra nas hipóteses de cabimento de agravo de instrumento, elencadas no art. 1.015 do CPC/2015. II. Deste modo, impõe-se o não conhecimento do recurso, forte no art. 932, III, CPC/2015. Agravo de instrumento não conhecido, em decisão monocrática. (Agravo de Instrumento 70077889822, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dilso Domingos Pereira, Julgado em 04/06/2018). E ainda: Agravo de Instrumento 70077796902, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lusmary Fatima Turelly da Silva, Julgado em 31/05/2018; Agravo de Instrumento 70076849728, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em 30/05/2018.
3 LEAL, Rosemiro Pereira. Comentário ao art. 1.015 do CPC. In: ASSIS, Araken de; LEITE, George Salomão; ALVIM, Angélica Arruda (Coord). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 1175.
4 GONZALEZ, Gabriel Araújo. A recorribilidade das decisões interlocutórias no CPC 2015. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 370.
5 REICHELT, Luis Alberto. Sistemática recursal, direito ao processo justo e o novo Código de Processo Civil: os desafios deixados pelo legislador ao intérprete. Revista de Processo, São Paulo, v.40, n.244, p. 15-30, jun. 2015, p. 28.
6 Com um perfil detalhado da estrutura e cabimento desses recursos, vide BENEDUZI, Renato. Introdução ao processo civil alemão. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 130-132.
7 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. 3. ed. São Paulo: Rev. dos Tribunais, 2017, p. 1091.
8 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p 522.
9 BUENO, Cássio Scarpinella. Novo código de processo civil anotado. 3. ed. São Paulo Saraiva, 2017 (livro eletrônico).
10 MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 1531.
11 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – volume único. 9ª ed. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 1661.
12 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (et al.) Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo: de acordo com a Lei 13.256/2016. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 1614.
13 CUNHA, Leonardo Carneiro da; DIDIER JR, Fredie. Agravo de instrumento contra decisão que versa sobre competência e a decisão que nega eficácia a negócio jurídico processual na fase de conhecimento: uma interpretação sobre o agravo de instrumento previsto no CPC/2015. Revista de Processo, São Paulo , v.40, n.242, p. 273-282, abr. 2015, p. 279.
14 PORTO, Sérgio Gilberto; USTARRÓZ, Daniel. Manual dos recursos cíveis. 6ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017, p. 161.
15 MARANHÃO, Clayton. Agravo de instrumento no código de processo civil de 2015: entre a taxatividade do rol e um indesejado retorno do mandado de segurança contra ato judicial. Revista de Processo, São Paulo , v.41, n.256, p. 147-168, jun. 2016, p. 153.
16 XAVIER, José Tadeu Neves. A problemática da taxatividade das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento no Código de Processo Civil. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, n.112, p. 30-39, mar./abr. 2018, p. 36.
17 NOTARIANO JÚNIOR, Antonio; BRUSCHI, Gilberto Gomes. Agravo contra as decisões de primeiro grau. 2. ed. São Paulo: Método, 2015, pp. 125-127.
18 CUNHA, Leonardo Carneiro da; DIDIER JR, Fredie. Agravo de instrumento contra decisão que versa sobre competência e a decisão que nega eficácia a negócio jurídico processual na fase de conhecimento: uma interpretação sobre o agravo de instrumento previsto no CPC/2015. Revista de Processo, São Paulo , v.40, n.242, p. 273-282, abr. 2015, p. 279.
19 KOHLER, Josef. Lehrbuch des buergerlichen rechts, I, 1906, p. 125; mencionado aqui através de BEVILAQUA, Clovis. Teoria geral do direito civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Rio, F. Alves, 1980, p. 50; Disponível, na íntegra, também em: (Clique aqui)
20 BEVILAQUA, Clovis. Teoria geral do direito civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Rio, F. Alves, 1980, p. 50.
21 FRANÇA, Limongi Rubens. Hermenêutica Jurídica. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 26.
22 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense 1988, p. 200.
23 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense 1988, p. 205.
24 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração Hermenêutica da construção do direito. 10. ed, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 278.
25 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração Hermenêutica da construção do direito. 10. ed, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 298 e 331.
26 SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. Hermenêutica Filosófica e Direito: o exemplo privilegiado da boa-fé objetiva no direito contratual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 62
27 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. A teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. 2. ed. São Paulo: Landy Editora, 2001, p .236.
28 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. A teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. 2. ed. São Paulo: Landy Editora, 2001, p. 231.
29 Não é pretensão do presente estudo aprofundar o debate sobre a necessidade de simplificação do mandado de segurança, muito embora alguns elementos possam contribuir para a justificação dessa ação frente à ausência de recurso para desafiar determinadas decisões interlocutórias. Assim, por exemplo: (a) na atualidade, não mais se justifica a manutenção do binômio presente no polo passivo (autoridade coatora e a respectiva pessoa jurídica de direito público); (b) também não se justifica a presença do Ministério Público fora dos casos em que deva participar como fiscal da ordem jurídica; (c) verificada, in status assertionis, a ausência de direito líquido e certo, o mandamus poderia ser liminarmente inadmitido já que presente algum grau de sobreposição entre o cabimento e o mérito da ação; (d) quando se trata de writ em face decisão judicial, cabe ao Relator dispensar a prestação de informações pela autoridade coatora quando a decisão já estiver nos autos.
30 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 17. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 2333.
31 HARTMANN, Rodolfo. Curso completo do novo processo civil. 4. ed. Niterói: Impetus, 2017, p. 678
32 WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil, vol. 2 (cognição jurisdicional). 17. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, cap. 25
33 OLIVEIRA JÚNIOR, Zulmar Duarte de. Comentário ao artigo 1015 do CPC. In: GAJARDONI, Fernando da Fonseca (et. al.). Execução e Recursos: comentários ao CPC de 2015, Vol. 3. São Paulo: Método, 2017, p. 1070
34 Os autores citados subscreveram o seguinte texto, publicado no Jota: Hipóteses de agravo de instrumento no novo CPC: os efeitos colaterais da interpretação extensiva.
35 Idem, op. cit., p. 1071.
36 ProAfR no REsp 1704520/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 20/02/2018, DJe 28/02/2018.
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*Felipe Scalabrin é mestre em Direito Público, professor do programa de pós-graduação da Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul e autor de obras jurídicas e artigos em livros e periódicos.
*Guilherme Antunes da Cunha é professor da graduação e coordenador do curso de pós-graduação em Processo Civil da Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul – FADERGS. Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica (NPJ) da FADERGS.