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Melancólico fim

A Lei de Recuperação da Empresa estabelece que a “recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores” (art. 47). Dito de maneira mais simples e clara: o processo de recuperação judicial tem por finalidades (a) sanear e salvar a empresa em estado de crise econômica, (b) preservar os empregos e (c) pagar aos credores. Não foi, infelizmente, o que ocorreu no processo de recuperação judicial da VARIG. Se não, vejamos.

2/8/2006

 

Melancólico fim

 

Jorge Lobo*

 

A Lei de Recuperação da Empresa estabelece que a “recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores” (art. 47).

 

Dito de maneira mais simples e clara: o processo de recuperação judicial tem por finalidades (a) sanear e salvar a empresa em estado de crise econômica, (b) preservar os empregos e (c) pagar aos credores.

           

Não foi, infelizmente, o que ocorreu no processo de recuperação judicial da VARIG. Se não, vejamos.

 

Em 17 de junho de 2005, data da propositura da ação de recuperação judicial, a VARIG era (a) a maior empresa de transporte do país, (b) a 5ª maior empresa da região Sul, (c) a 9ª maior empresa de serviços por vendas, (d) a 34ª maior empresa privada do país, (e) a 39ª maior empresa em vendas, com faturamento superior a US$ 2.800.000.000,00, (f) arrendatária de 70 aeronaves (58 em operação), com vôos regulares para 21 cidades no exterior e 32 no país, (g) proprietária da VARIGLOG (que, em 2005, faturou US$ 586 milhões), da VEM (que, em 2005, faturou US$ 156 milhões), do Programa Smiles (com mais de 6 milhões de associados), de diversos imóveis, avaliados em mais de US$ 56 milhões, de excelente Centro de Treinamento de Pilotos, etc., (h) contava com cerca de 12 mil trabalhadores ativos e 6 mil inativos.

 

Durante o processo de recuperação, embora tenha vendido, para “fazer caixa”, a VARIGLOG (avaliada pela entre US$ 177 milhões e US$ 297 milhões) por US$ 55 milhões (sendo US$ 7,6 milhões referentes ao valor da multa paga à Aero-LB), e, também, a VEM por US$ 24 milhões (avaliada entre US$ 125 milhões e US$ 259 milhões), a dívida da empresa, inicialmente de R$ 5,685 bilhões (relatório da administração de 31/3/05), subiu para mais de R$ 8 bilhões, pois não foram pagos salários dos trabalhadores, no montante de US$ 47 milhões (Gazeta Mercantil, 17/7/06, p. A8), alugueres dos arrendadores, no valor de US$ 85 milhões, despesas com a INFRAERO, cerca de US$ 118 milhões, entre tantas outras dívidas.

 

Agora, em julho de 2006, após várias assembléias de credores e dois leilões, a (velha) VARIG, isto é, a VARIG que, há um ano, recorreu à ação de recuperação judicial, “encolheu” para um avião, uma rota nacional – Congonhas-Porto Seguro – e 50 empregados, segundo notícias divulgadas pela imprensa, mantendo os imóveis, o Centro de Treinamento de Pilotos, os créditos de ICMS contra vários estados e de diferenças tarifárias contra a União Federal e o passivo de R$ 8 bilhões. 

 

Tem sido dito e repetido que a venda, para a Aéreo Transportes Aéreos, das marcas VARIG e Rio Sul, do Programa Smiles, do direito aos hotrans e slots e das operações comerciais foi “melhor” do que a decretação da quebra, o que, por óbvio, não resta dúvida, como dúvida não pode haver quanto a não terem sido atingidas as finalidades da lei, que são, repita-se: (a) sanear e salvar a companhia, (b) preservar os empregos dos mais de 8.000 trabalhadores, que serão demitidos sem a menor perspectiva de receberem a justa e devida indenização na forma da CLT e os salários em atraso, e (c) pagar aos credores, que “financiaram” o processo de recuperação, o que me faz recordar a afirmação de Naomi Klein: “As multinacionais que antes jactavam-se de seu papel como ‘máquinas de crescimento de emprego’ – e usavam isso como alavanca para extrair todo tipo de apoio governamental – agora preferem se identificar como máquinas de ‘desenvolvimento econômico’. As corporações estão na verdade ‘desenvolvendo’ a economia, mas elas estão fazendo isso, como vimos, através de demissões, fusões, consolidações e terceirização – em outras palavras, por meio de enfraquecimento e cortes de postos de trabalho” (Sem Logo. RJ: Record, 2002, p. 289).

 

Quais as causas desse triste, melancólico fim, se o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em particular o juiz Luiz Roberto Ayoub, os trabalhadores, liderados pela TGV, os credores, em especial a INFRAERO, o Min. Waldir Pires e a ANAC, na pessoa do Dr. Milton Zuanazzi, tanto se empenharam no reerguimento da VARIG?

 

É o que me disponho a discutir, em breve, num próximo artigo.  

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*Advogado do escritório Jorge Lobo Advogados

 

 

 

 

 

 

 

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