Migalhas de Peso

Contribuição sindical: a lei 13.467/17 e o dever de prestar contas

Evidencia-se uma proposta legislativa sobre o tema e espera-se apoiar a mudança na estrutura do sindicalismo brasileiro, não apenas no que diz respeito à cobrança da contribuição, mas também em relação ao dever de prestar contas pelas entidades.

7/6/2018

Introdução

 

A contribuição sindical, anteriormente denominada de imposto sindical, existente no ordenamento jurídico brasileiro desde os anos de 1940, instituída, portanto, na Era de Getúlio Vargas, tem por fim garantir meios econômicos e financeiros de subsidiar o sistema sindical brasileiro.

 

Essa contribuição é cobrada de todos que integrem determinada categoria econômica ou profissional ou, ainda, que fazem parte de uma profissão liberal em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão.

 

Desde a sua origem até a edição da lei ordinária 13.467/17, denominada de reforma trabalhista, tal contribuição possuía aspecto compulsório, conforme legislação sobre o tema. A compulsoriedade dessa contribuição resultava na discussão sobre sua natureza jurídica, se tributária ou não.

 

Com a Reforma Trabalhista, os artigos 545, 578, 579, 582, 583, 587 e 602 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, no que concerne a tal instituto, foram modificados, com o fim de torná-lo facultativo. Com isso, várias ações judiciais1 têm tido como objeto a facultatividade da contribuição sindical, principalmente em relação a constitucionalidade da alteração promovida pela lei ordinária 13.467/17, que pela natureza da exação deveria ter sido aprovada por Lei Complementar e não Ordinária, como será demonstrado a seguir.

 

Essas ações têm também como fundamento o fato de a reforma trabalhista ter retirado a compulsoriedade da contribuição sindical, o que reforça o debate quanto ao dever de prestar contas das entidades sindicais que arrecadam fundos de maneira unilateral, sem qualquer prestação de contas, inclusive no tocante da cota parte recolhida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, ou seja, dinheiro público.

 

O estudo faz uma análise crítica sobre a manutenção do sistema confederativo no tocante às contribuições sindicais arrecadadas e distribuídas unilateralmente pelas entidades sem a devida prestação de contas, conforme já decidido em acórdãos do TCU. Passando pela natureza jurídica da contribuição sindical na Constituição Federal de 1988, e o sentido e alcance do princípio da liberdade sindical, mas principalmente pela função institucional do TCU no que diz respeito ao controle de entidades privadas que recebem ou arrecadam dinheiro público.

 

Ressalta-se que um dos principais pontos dessa discussão está em torno do saldo da arrecadação da contribuição sindical. Estima-se que, em 2017, foram repassados R$ 3 bilhões para centrais, confederações, federações e sindicatos que representam empresas e trabalhadores. Outros R$ 587 milhões foram para a conta do Ministério do Trabalho, responsável pelo pagamento do seguro-desemprego2.

 

Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – DIEESE, estima-se que as entidades arrecadarão apenas 30% desse valor em 2018, devido à retirada da obrigatoriedade do pagamento pela lei 13.467/17. Inegável, portanto, a relevância do tema diante do volume de recurso envolvido. É necessário que haja a devida transparência.

 

Estabelecida, pois, a premissa fundamental desse estudo, as entidades sindicais que arrecadam dinheiro público deverá seguir o dever de prestar contas previsto no artigo 70 e seguintes da CF/88. E desse dever decorre também o de adequada fiscalização por parte do TCU no exercício das funções que lhe foram atribuídas pelo legislador.

 

Por fim, evidencia-se uma proposta legislativa sobre o tema e espera-se apoiar a mudança na estrutura do sindicalismo brasileiro, não apenas no que diz respeito à cobrança da contribuição, mas também em relação ao dever de prestar contas pelas entidades. Nesse sentido, este artigo visa, também, à compreensão da contribuição sindical, bem como a análise de sua importância e finalidade social.

 

1 A natureza jurídica da contribuição sindical no Brasil à luz da liberdade sindical.

 

Os arts. 146 e 149 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelecem os princípios gerais do Sistema Tributário Nacional. Mais especificamente, o artigo 1463 trata da competência para estabelecer normas gerais em matéria tributária, bem como a definição de tributos e de suas espécies. Em seguida, o artigo 1494 estabelece a competência exclusiva da União para instituir contribuições sociais de interesse das categorias profissionais ou econômicas como instrumento de atuação nas suas áreas.

 

Ocorre que a lei ordinária 3.467/17 tornou o instituto da contribuição sindical facultativo. Dessa forma, discute-se se tal alteração, se considerada a sua natureza tributária, infringiria disposição prevista em Lei Complementar, o Código Tributário Nacional – CTN, quando estabelece que o tributo deve ser considerado como "toda prestação pecuniária compulsória"5. Esse é o entendimento que vinha pacífico nos Tribunais Superiores a respeito da natureza dessa contribuição até o presente momento6.

 

Existe, do ponto de vista de hierarquia das normas, vício constitucional formal de origem, impondo-se o reconhecimento e a declaração da inconstitucionalidade de todas as alterações promovidas pela lei ordinária 13.467/17 no que se refere ao instituto da contribuição sindical.

 

Lei ordinária não poderia alterar conteúdo de lei complementar, esta é a regra. Estaria presente, portanto, a ilegalidade da lei ordinária 13.467/17, infringindo o sistema de hierarquia das normas do Estado Democrático de Direito. Foi o decidido na Ação Civil Pública nº 0001183-34-2017-5-12-0007, da 1ªVara do Trabalho, do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região: "o problema é a alteração em matéria tributária que deveria, conforme disposição constitucional, ser feita mediante aprovação de Lei Complementar"7.

 

Ademais, entende-se que a alteração que se pretendeu fazer no sistema da contribuição sindical pela lei ordinária 13.467/17 comprometeu sobremaneira a fonte de renda das entidades sindicais no Brasil e, sob o argumento de que pode prejudicar a sua manutenção e, por conseguinte, o seu mister constitucional de defesa da categoria, divide opiniões.

 

De acordo com Fábio Túlio Barroso8, o Estado deve apoiar os sindicatos e reconhecer a liberdade da criação dessas entidades, que têm importante função no que diz respeito às questões trabalhistas e políticas no país.

__________

1 Ação Civil Pública nº 0001183-34-2017-5-12-0007, da 1ªVara do Trabalho, do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região e ADI n.º5.794, n.º5.810, n.º 5.813 e n.º 5.815.

2 DI CUNTO, RAPHAEL; MÁXIMO, Luciano. Fim de obrigatoriedade de imposto força ajuste nas entidades sindicais. Valor Econômico. Disponível em: < clique aqui > Acesso em: 29 jan. 2018.

3 O art. 146 assim estabelece: “Cabe à lei complementar: [...] III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;".

4 Já o art. 149, dispõe sobre a contribuição em questão e seu caráter tributário: "Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo."

5 BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 out. 1966. “Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”

6 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 496456 – 1ª Turma. Relatora: Ministra Carmem Lúcia. Diário da Justiça Eletrônico [do] Supremo Tribunal Federal, 21 ago. 2009. Disponível em: < clique aqui > Acesso em: 18 jan. 2018.

7 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (12 região). Ação Civil Pública nº 0001183-34-2017-5-12-0007 – 1ª Vara do Trabalho. Disponível em: < clique aqui > Acesso em: 18 jan. 2018

8 BARROSO, Fabio Tulio. Manual de direito coletivo do trabalho. São Paulo: LTR, 2010. p. 172.

__________

*Roberta dos Santos Lemos é advogada.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Regulação do uso de IA no Judiciário: O que vem pela frente?

10/12/2024

Devido processo legal na execução trabalhista: Possíveis desdobramentos do Tema 1232 da repercussão geral do STF

9/12/2024

O que os advogados podem ganhar ao antecipar o valor de condenação do cliente?

10/12/2024

Cláusula break-up fee: Definição, natureza jurídica e sua aplicação nas operações societárias

9/12/2024

Insegurança jurídica pela relativização da coisa julgada

10/12/2024