Após a tramitação de vários recursos, o STJ, finalmente, por meio de decisão monocrática proferida nos autos do Agint no Recurso Especial 1.444.873-GO, confirmou o entendimento já consagrado pela jurisprudência da Corte, de que “a cessão fiduciária de crédito, independentemente de seu registro, não se submete à recuperação judicial”. Cabe-se destacar que referida decisão está em consonância com outros julgados da Corte Superior, como, por exemplo, o Agint nos EDcl no AREsp 1009521/AL, o REsp 1592647/SP e o REsp 1412529/SP.
No caso concreto, com esse resultado, o crédito em discussão de titularidade de instituição financeira deixou de se submeter à recuperação judicial, revogando-se, desta forma, determinação da Instância local para que fosse depositado em juízo, em favor da recuperanda, o valor do título cedido.
Ocorre que, não obstante o entendimento do STJ, alguns Tribunais locais ainda insistem na posição de que a ausência do registro do instrumento, no domicílio do devedor, antes do deferimento do pedido de RJ, implicaria em violação à regra do §1º, do artigo 1361 do Código Civil, que exige o registro para efeito de constituição da propriedade fiduciária e, nesse contexto, não se aplicaria ao negócio jurídico respectivo o §3º do artigo 49, da lei 11.101/05, que afasta créditos dessa natureza dos efeitos da RJ.
Como é cediço, no âmbito do mercado financeiro e de capitais, é usual a contratação da alienação fiduciária e da cessão fiduciária sobre coisas móveis e títulos de crédito, nos termos do artigo 66-B da lei 4.728/65, que foi introduzido pela lei 10.931/04.
Embora o §1º do artigo 1361 do Código Civil estabeleça a indispensabilidade do registro para a regular constituição da propriedade fiduciária, o STJ, com visto acima, pacificou o entendimento de que o requisito formal da publicidade não se aplica para o caso de cessão fiduciária de direitos sobre títulos de crédito, tendo em vista inexistir qualquer exigência nesse sentido, relativamente ao tratamento legal estabelecido pela lei 4.728/65.
Se não bastasse, do ponto de vista prático, há de se ponderar que a RJ, embora seja uma ação coletiva, não implica num concurso de credores. De fato, a RJ possui natureza jurídica de acordo judicial, por meio do qual o devedor e parte de seus credores firmam um contrato, que terá efeitos somente na esfera de interesses e direitos dos que participam da relação contratual.
Em sendo assim, a ausência do registro da cessão fiduciária não causa qualquer prejuízo aos credores sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, por não serem os terceiros perante os quais a cessão respectiva há de ser eficaz. Os terceiros perante os quais a cessão de créditos, seja civil, seja fiduciária, deve ter a eficácia assentada no registro são os cedidos e não os credores sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, que, nesse contexto, não são partes legítimas para questionarem a validade e eficácia da cessão de direitos celebrada entre a instituição financeira e a recuperanda.
Aliás, por estes motivos, é possível defender, também, que a exigência de registro não se firma sequer quando da realização da cessão de créditos prevista no artigo 286 e seguintes do Código Civil. De fato, é rotineira a operação de desconto, em que a instituição financeira realiza a abertura de crédito (teto de desconto) ao seu cliente, o qual, em contrapartida, cede ao Banco os direitos que exerce sobre determinados títulos de crédito. Referida cessão equivale a um verdadeiro endosso translativo da propriedade dos referidos títulos, passando a instituição financeira à condição de titular/credora do direito literal e autônomo neles contido.
Submetendo esta abordagem para o âmbito do processo de recuperação judicial, é possível afirmar, com relativa segurança, que a cessão de créditos e a cessão fiduciária de créditos existentes na data do pedido recuperacional não se submetem à RJ, mesmo que não registradas, uma vez que a ausência de registro não é motivo para afastar a eficácia dos respectivos negócios jurídicos.
No primeiro caso, porque a cessão de crédito, pura, simples e definitiva, não se sujeita à recuperação judicial, tendo em vista que o direito cedido não mais integra o patrimônio jurídico da recuperanda.
No segundo caso, porque a cessão fiduciária de créditos está excluída dos efeitos da RJ em decorrência de previsão expressa do artigo 49, §3º, da LRE.
Conclui-se, portanto, que tanto na cessão de créditos simples, quanto na cessão fiduciária de direitos sobre títulos de crédito, o negócio jurídico entre as partes se estabelece no momento da contratação, não havendo qualquer exigência legal para que seja dada publicidade por meio de registro, para que possam surtir seus efeitos de direito em relação às partes contratantes.
Acredita-se que tais discussões somente estarão superadas nos Tribunais locais, quando o STJ cristalizar seu entendimento com base na sistemática de precedentes instituída pelo CPC de 2015, o que, certamente, contribuirá para minimizar o volume de recursos submetidos àquela Corte Superior, como ocorreu no caso concreto apontado no início destas linhas.
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*Vito Boccuzzi é sócio do escritório Boccuzzi Advogados Associados.