Após períodos conturbados e de ajustes, o setor de petróleo e gás é hoje uma das principais apostas para a retomada do crescimento econômico do País, principalmente de Estados em situação fiscal crítica como o Rio de Janeiro.
Desde a abertura do setor de petróleo e gás em meados da década de 90, com a flexibilização do monopólio estatal sobre determinadas atividades, o segmento de exploração e produção (upstream) atraiu investimentos de diversos atores privados, nacionais e estrangeiros, que participaram das Rodadas de Licitação promovidas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP ao longo dos últimos 20 anos. Outros segmentos (midstream e downstream), por outro lado, não vivenciaram a mesma diversificação de atores.
Esse cenário está se alterando em razão do Programa de Parcerias e Desinvestimentos da Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras e de seu reposicionamento estratégico, com foco no desenvolvimento e produção em águas profundas, resultando em novo ciclo de abertura da indústria de petróleo e gás ao investimento privado.
Em 27 de abril de 2018, a Petrobras anunciou por meio de fato relevante (disponível aqui) o modelo de desinvestimento em refino e logística, segmento no qual a estatal detém 99% (noventa e nove por cento) 1 da fatia de mercado. Em linha com alguns desinvestimentos anteriores, o modelo prevê a formação de parcerias com os investidores, sendo, no caso de refino e de logística, por meio da venda de 60% (sessenta por cento) do capital de duas subsidiárias:
Cluster Nordeste – compreendendo (i) as refinarias de Landulpho Alves (RLAM), na Bahia, e Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco; (ii) dutos e terminais integrados as refinarias e operados pela Transpetro; (iii) terminais aquaviários de Madre de Deus e de Suape; (iv) terminais terrestres de Candeias, Itabuna e Jequié; (v) dois dutos de suprimento de petróleo; (vi) poliduto; e (vii) 35 (trinta e cinco) dutos de derivados interligando as refinarias às bases e terminais de distribuição; e
Cluster Sul – compreendendo (i) as refinarias de Alberto Pasqualini (REFAP), no Rio Grande do Sul, e de Presidente Getúlio Vargas (REPAR), no Paraná; (ii) dutos e terminais integrados as refinarias e operados pela Transpetro; (iii) terminais aquaviários de Paranaguá, São Francisco do Sul, Tramandaí e Niterói; (iv) terminais terrestres de Guaramirim, Itajaí e Biguaçu; (v) dois dutos de suprimento de petróleo; (vi) dois polidutos; e (vii) quatro dutos de derivados interligando as refinarias às bases e terminais de distribuição.
O Cluster Nordeste e o Cluster Sul representam, respectivamente, 19% (dezenove por cento) 2 e 17% (dezessete por cento) 3 da capacidade de refino do Brasil.
O objetivo de qualquer parceria é unir esforços em torno de um objetivo ou empreendimento comum, com adequada alocação de riscos entre parceiros, compartilhamento de tecnologias e racionalização de novos investimentos.
Uma parceria de sucesso depende do entendimento do negócio e de um mapeamento preciso dos riscos envolvidos para que os parceiros possam definir as bases de negociação dos contratos da operação. Tratando-se de parceria, além do contrato de compra e venda de ações, há necessidade de negociar também acordo de acionistas e estatuto social, assim como, eventualmente, renovar ou renegociar contratos operacionais, tais como contratos de fornecimento de insumos, operação e manutenção, acesso a infraestruturas essenciais e contratos de venda do produto final.
Sem prejuízo das peculiaridades de cada operação, alguns aspectos são comuns a quase todas as parcerias:
a. governança – necessidade de regras balanceadas que possam proteger o investimento das partes e preservar o intuito original da parceria, com poderes de veto e quóruns qualificados, assim como o tratamento adequado às operações entre partes relacionadas e demais situações que possam configurar conflito de interesses;
b. impasses e resolução de controvérsias – para evitar o travamento da parceria, são necessários mecanismos de resolução de controvérsia, incluindo escalonamento a níveis hierárquicos superiores dos parceiros, envolvimento de terceiros, especialistas ou árbitros, ou mesmo opções de compra ou venda das ações;
c. financiamentos e aportes – a capacidade e o interesse dos parceiros em arcar com o custo de expansões e manutenções relevantes, assim como os mecanismos para tal (empréstimos entre empresas, aumento de capital, suporte ao financiamento de terceiros), devem ser regulados, sempre com a preocupação de evitar diluições injustificadas;
d. restrições às transferências de ações – direitos de preferência, primeira oferta, tag along, drag along, entre outras exigências para a entrada de terceiros na parceria, ou a saída de um dos parceiros;
e. integridade (compliance) – necessidade de harmonizar regras de conformidade e integridade dos parceiros para que sejam implementados e observados na sociedade responsável pelo empreendimento;
f. aspectos operacionais – mecanismos que viabilizem a continuidade das operações e, quando aplicável, a transferência gradual dessa responsabilidade por um parceiro ao outro; e
g. outros – confidencialidade, exclusividade ou não concorrência, preferência para novos projetos, entre outros.
É preciso considerar também as peculiaridades de cada parceiro. Embora empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias estejam sujeitas ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários, essas sociedades também devem observar regras de direito administrativo, são auditadas por órgãos de controle e submetem-se a outras limitações à sua liberdade de contratar. Da mesma forma, investidores estrangeiros podem depender de aprovações específicas e sujeitarem-se a regras adicionais de governança, integridade e divulgações a outros mercados.
Desafios e oportunidades não faltam na atual conjuntura brasileira, especialmente no setor de energia. Com a correta identificação e compreensão dos riscos envolvidos, é possível traçar uma estratégia adequada de alocação dos riscos entre os parceiros e desenvolver mecanismos de proteção do investimento. O olhar atento às potenciais mudanças regulatórias e mercadológicas em razão desse rearranjo do setor são também essenciais para o sucesso de qualquer operação.
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1 Apresentação da Petrobras - Modelo Preliminar de Reposicionamento da Petrobras em Refino disponível em: clique aqui.
2 Teaser da Petrobras para o Cluster Nordeste disponível em: clique aqui.
3 Teaser da Petrobras para o Cluster Sul disponível em: clique aqui.
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*Marcello Lobo é sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Caio Bernardes Vianna é associado do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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