Em 27/3/18 foi publicada a lei 13.640/18 que, alterando a lei que estabelece a Política Nacional de Mobilidade Urbana (lei 12.587/12), regula o transporte remunerado privado individual de passageiros realizado via aplicativos como, por exemplo, 99 App, Uber, Cabify, Easy Taxi, dentre outros. Por conveniência, neste artigo chamaremos esse serviço apenas de "transporte por aplicativo".
Em síntese, a lei 13.640/18 realizou dois conjuntos de alterações à Política Nacional de Mobilidade Urbana. Em primeiro lugar, ela redefiniu o conceito de transporte remunerado privado individual de passageiros, a fim de contemplar o transporte por aplicativo1. Em segundo lugar, ela delegou aos Municípios e ao Distrito Federal a competência para regulamentar esse serviço, estabelecendo diretrizes e requisitos para autorização da prestação de serviço ao motorista interessado2.
Apesar de a legalização do transporte por aplicativo ser aparente motivo para comemoração por parte das empresas e dos usuários, um exame mais apurado revela que o diploma normativo suscita dúvidas e controvérsias, relacionadas especialmente à possibilidade de regulamentação municipal. Nos preocupa particularmente o que se pode chamar de "risco da jabuticaba".
A palavra jabuticaba, além de denotar a fruta, é geralmente usada para se referir a algo que só existe no Brasil. A expressão aparece com frequência, em contextos de debates sobre as instituições brasileiras, apresentando conotação negativa. "Se só tem no Brasil e não é jabuticaba (fruta), provavelmente não é bom", é o que se costuma dizer. A possibilidade de regulamentação municipal do serviço de transporte por aplicativo gera o grave risco de se permitir a criação de inúmeras jabuticabas municipais (lembrando que no país há mais de 5.500 municípios), que prejudiquem ou inviabilizem a prestação do serviço. Explica-se.
Os aplicativos de transporte, para funcionar adequadamente, seja do ponto de vista técnico, da qualidade do serviço, ou até mesmo da oferta de um preço competitivo para o consumidor, dependem de escala. São necessários muitos motoristas para que a demanda pelo serviço possa ser atendida prontamente e muitos usuários para que valha a pena manter a oferta do serviço, seja para o motorista, seja para a empresa gestora do aplicativo. De um lado, os dados obtidos permitem o aperfeiçoamento técnico e o desenvolvimento de formas alternativas de prestação de serviço e precificação como, por exemplo, as viagens compartilhadas, a criação de diversas categorias de veículos com faixas de preço distintas, e a tarifa dinâmica. De outro, o volume de operações possibilita aos aplicativos oferecerem descontos e preços competitivos que beneficiam o consumidor e incentivam a concorrência.
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1 Art. 2º da lei 13.640/18, que alterou a redação do Art. 4º, X da lei 12.587/12.
2 Art. 3º da lei 13.640/18, que acrescentou os Arts. 11-A e 11-B à lei 12.587/12.
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*Victor Nóbrega Luccas é advogado. Professor da FGV Direito SP. Coordenador de Pesquisas Aplicadas no Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação - CEPI da FGV Direito SP.
*Daniel Tavela Luís é advogado. Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador do Grupo de Estudos de Arbitragem do Mackenzie e do Grupo de Estudos de Arbitragem, Contratos e Investimentos Internacionais da FGV Direito SP.