Na sessão do dia 24 de janeiro, o Plenário do TCU julgou representação que tratava de possíveis irregularidades, nos Correios, relacionadas a pregão eletrônico para a contratação do serviço de gerenciamento da manutenção de frota de veículos (Acórdão 120/18-Plenário).
Em linhas gerais, nessa espécie de serviço, a empresa contratada não executa diretamente o conserto dos veículos, mas apenas os direciona, via sistema informatizado, para uma das várias oficinas credenciadas, escolhida conforme determinados critérios estabelecidos no contrato, como proximidade do local do veículo danificado e o menor preço oferecido pela manutenção. Em razão dessa participação de outras empresas na execução do serviço, diferentes da contratada, é que alguns doutrinadores chamam esse modelo de "quarteirização".
O recente posicionamento do TCU e decisões anteriores sobre o tema oferecem um bom ponto de partida para se analisar certos dilemas que surgem quando o tribunal se depara com inovações na gestão pública.
Em 2009, analisando a quarteirização, à época utilizada pela Polícia Federal, o TCU entendeu que se tratava de uma opção lícita, que respeitava, em tese, as regras e princípios que regem as licitações, embora os estudos apresentados sobre sua economicidade não fossem, segundo o TCU, conclusivos (Acórdão 2.731/09-Plenário). Na ocasião, o Ministro Aroldo Cedraz observou que a corte de contas, "no desempenho do papel de indutora de aprimoramento da gestão pública, deve (...) abster-se de inibir o prosseguimento da tentativa de inovação em análise".
Embora lícita a quarteirização, o TCU determinou à Polícia Federal que realizasse estudos sobre a viabilidade de adoção de um modelo de gestão diferente, talvez melhor, no qual o credenciamento de oficinas fosse realizado pelo próprio órgão público, e não pelo particular contratado.
Vista de maneira isolada, a decisão parece razoável, pois autorizou o prosseguimento da inovação e, ao mesmo tempo, permitiu um exame mais detido de suas potenciais vantagens.
No entanto, voltando os olhos para a decisão mais recente do TCU sobre o assunto, vê-se que, quase 10 anos depois, o tribunal continua exigindo novos estudos àqueles órgãos e entidades que usam o modelo de quarteirização para manutenção de veículos.
No Acórdão 120/18-Plenário, o TCU determinou aos Correios que condicionassem eventual prorrogação de contratos dessa espécie à demonstração de que a quarteirização é a opção mais vantajosa, à luz de todas as boas práticas ao alcance da entidade contratante. Além disso, fez diversas recomendações aos Correios, inexistentes em seus julgados anteriores sobre o mesmo objeto, como designar, para atuar na condição de fiscal desses contratos, empregados que tenham passado por treinamento em mecânica.
Se, por um lado, o TCU vem apoiando a quarteirização do serviço de manutenção de veículos, ancorado na premissa de que inovações não devem ser inibidas, por outro o tribunal vem criando, por meio da exigência de estudos e avaliações diversas, novos custos para a administração pública – sem que haja indícios concretos de que, em algum momento, o novo modelo causou prejuízos ao erário. E mais: não se sabe se as medidas recomendadas pelo TCU aos Correios, como a designação de pessoa treinada em mecânica para fiscalizar esse tipo de contrato, trarão benefícios.
É sempre possível realizar novos estudos sobre determinada prática de gestão pública. Assim como sempre haverá algum aprimoramento a ser sugerido. O difícil é avaliar seus custos e benefícios. Dada a necessidade de incremento da produtividade do setor público brasileiro, seria recomendável que o TCU monitorasse mais de perto as vantagens advindas dos pequenos e grandes custos burocráticos que gera.
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Este texto é parte integrante de relatório mensal sobre os principais julgamentos do TCU, produzido no âmbito da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP).
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*André de Castro O. P. Braga é advogado e doutorando em Administração Pública e Governo pela FGV-SP.