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O mercado do escândalo e as notícias falsas

A imprensa livre, as novas tecnologias e a vigilância crescente dos cidadãos sobre as transgressões aumentaram consideravelmente o espectro dos escândalos no século 21. Fala-se numa aposta de certos veículos na mobilização dos sentimentos coletivos e da comoção social, inclusive nos resultados da polarização, para incrementar consumo de massa.

23/4/2018

O conceito moderno e sociológico de escândalo está atrelado à opinião pública, vinculado ao surgimento da imprensa e dos meios de comunicação social. No mundo contemporâneo, o escândalo é parâmetro de funcionamento das instituições e do próprio mercado.

Nesse sentido, o conceito de escândalo adotado por John Brookshire Thompson pressupõe transgressões reveladas pelos meios de comunicação que impactam a opinião pública e atingem a reputação dos transgressores.

Trata-se de transgressões que passam a ser exibidas pelos meios de comunicação e que geram uma espécie de comoção pública, pois antes eram desvios secretos.

Ao mesmo tempo, abalam a reputação dos supostos transgressores. Como consequência ou até parte integrante do conceito de escândalo, há uma resposta pública intrínseca, que é a própria indignação, a repulsa, a estigmatização dos envolvidos.

Para Thompson, não somos receptores passivos dos meios de comunicação, mas construtores do meio social em que vivemos.

Atualmente, processos judiciais constituem, especialmente quando divulgados, uma espécie de penalidade autônoma, na medida em que atingem a reputação das pessoas, físicas ou jurídicas.

A imprensa livre, as novas tecnologias e a vigilância crescente dos cidadãos sobre as transgressões aumentaram consideravelmente o espectro dos escândalos no século 21. Fala-se numa aposta de certos veículos na mobilização dos sentimentos coletivos e da comoção social, inclusive nos resultados da polarização, para incrementar consumo de massa.

A mobilização de emoções é fundamental, característica central do nosso tempo. A liberdade de expressão do pensamento continua como um dos pilares das democracias contemporâneas, e não acredito em sua restrição como remédio para coibir desvios, mas sim no princípio da responsabilidade e na pluralidade das fontes informativas.

Já o controle da corrupção e da má gestão pública adquire importância crescente nos debates sociais e nas agendas globais de investidores e na evolução das civilizações.

Empresas envolvidas em escândalos perdem bilhões em pouco tempo no mercado acionário. Candidatos em processos eletivos enterram suas carreiras políticas em razão de acusações protocoladas na Justiça. Ministros não são nomeados por responderem a ações trabalhistas, mesmo que a lei assim não o exija, em face de um exercício arbitrário do poder.

Há acertos e desacertos nesses controles, que nem sempre são corretamente fiscalizados pelos próprios veículos de informação e formação da opinião pública.

Como se podem aperfeiçoar esses mecanismos de atuação das instituições e coibir os abusos? Parece-me que a imprensa escrita e audiovisual poderia assumir um protagonismo de maior qualidade na produção de notícias consistentes, checando reportagens e desempenhando um papel cada vez mais transformador e republicano em nossa sociedade.

Não basta replicar o que dizem os órgãos de Estado; é necessário lembrar que existem altos índices de processos punitivos julgados improcedentes por falhas investigatórias.

A imprensa pode trabalhar mais com estatísticas. Será que o instrumento da delação premiada não deve ser aperfeiçoado? Alguma estatística a respeito de seus resultados?

Muitas ações penais ou de improbidade ainda são ajuizadas com base em leves indícios, justificando-se no princípio do "in dubio pro societate". Está correto esse padrão de exigência? Por qual razão o Ministério Público lutou tanto para afirmar seu poder investigatório na Constituição Federal?

Se uma investigação não esgota a matéria probatória, certamente em juízo será inviável avançar. Processos punitivos deveriam ostentar plausíveis chances de êxito para tramitar na Justiça, pois gastam o dinheiro dos contribuintes e servem para destruir a reputação das pessoas e tornar ainda mais lento o Judiciário. É momento de avançarmos, sim, mas com autocrítica e humildade, para que as instituições se aperfeiçoem como um todo.

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*Fábio Medina Osório é advogado do escritório Medina Osório Advogados.

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