I. Introdução
Não são raras as previsões legais que impõem à autoridade pública que pretende praticar determinado ato administrativo prévia submissão de sua intenção ao crivo do órgão jurídico que lhe confira suporte rotineiro. Raros são os processos administrativos que, para atingirem os objetivos que ensejaram sua instauração com eficácia e legitimidade, prescindem da emissão de pareceres jurídicos emitidos por advogados públicos. Esses, por sua vez, exercem suas funções de natureza consultiva com assento constitucional, especialmente nos artigos 131, 132 e 133 da Constituição da República.
Vive-se um momento ímpar da evolução republicana. Existe uma nova cultura em formação, permeada no seio de diversos órgãos de controle da Administração, que se desenvolve no sentido de se construir uma nova rotina obrigatória no trato da coisa pública, banindo toda e qualquer forma de desvio de recursos públicos. A bandeira da luta contra a corrupção hoje é uma realidade vivida pela sociedade brasileira, possuindo amplo apoio da opinião pública.
A corrupção não apenas dilapida os cofres públicos. Ela impede a materialização de políticas que, se implantadas, permitiriam a efetivação de direitos fundamentais, especialmente no que tange à saúde e à educação. Por isso, inclusive, deve ser combatida diuturnamente.
Na busca pela punição de agentes corruptos e do ressarcimento ao erário em decorrência de atos irregulares, Ações de Improbidade Administrativa são reiteradamente ajuizadas pelo Ministério Público. Normalmente, a imensa maioria dos agentes públicos que atuaram nos processos administrativos prévios aos atos reputados ímprobos pelo parquet são arrolados indistintamente no polo passivo da respectiva inicial. Muitas vezes, o servidor não praticou nenhum ato de gestão propriamente dito, mas em algum ato processual, ainda que de pequena monta ou de reflexo econômico inexistente, consta seu nome, sua matrícula e sua assinatura. Em muitos casos, já é o bastante para a inclusão do servidor como réu. Estava no lugar errado, na hora errada.
Já não é mais raro perceber o arrolamento de advogados públicos, que atuaram na qualidade exclusiva de pareceristas em processos administrativos, como réus em ações de Improbidade. Sem qualquer ato de gestão, mas agindo de forma meramente enunciativa, advogados públicos veem suas opiniões reunidas em parecer jurídico serem unilateralmente taxadas como improbidade. Ato contínuo, precisam se defender em tribunais, muitas vezes anos a fio, em causa própria e com seu patrimônio pessoal liminarmente indisponível1, para desconstituir em juízo tal entendimento ministerial.
Em muitos casos, a inclusão dos advogados nessas ações decorre da aplicação, na seara da improbidade administrativa, do revogado crime de exegese (quando o agente emite atos equivocados ou que destoam da lei ou do direito), ou da aplicação do natimorto crime de hermenêutica (quando a interpretação da legislação realizada pelo agente, ainda que não errônea, diverge do entendimento do órgão fiscalizador).
Não se buscará neste artigo discutir a natureza do parecer jurídico porquanto ato jurídico, eis que seu caráter opinativo já se encontra seguramente assentado tanto na doutrina quanto na jurisprudência pátrias. O que se buscará aqui é analisar a possibilidade e a legitimidade da responsabilização do advogado que atua como parecerista. Em outras palavras, a pergunta que se faz é: O parecer jurídico, por si só, pode configurar ato de improbidade administrativa?
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[1] O artigo 16 da Lei Federal 8.429/92 permite que, havendo fundados indícios de responsabilidade, o juízo decrete o sequestro dos bens pessoais do agente, para que, na forma do artigo 7º da mesma lei, tal indisponibilidade possa futuramente assegurar o integral ressarcimento ao erário, após o trânsito em julgado de eventual condenação.
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*Fabricio Gaspar é advogado.