A Sociedade em Conta de Participação está regulada pelos artigos 991 a 996 do Código Civil, e por não possuir personalidade jurídica, não contrai obrigações e direitos em nome próprio, mas apenas o faz seu sócio ostensivo, a quem incumbe gerir o negócio. Este tem responsabilidade ilimitada. Já o sócio participante responde apenas em face do sócio ostensivo até o limite previsto no contrato.
Assim somente o sócio ostensivo pratica as operações comerciais e se responsabiliza por ela, conforme o artigo 991 do Código Civil:
Art. 991. Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.
Parágrafo Único. Obriga-se diante terceiro tão somente o sócio ostensivo; e, exclusivamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social.
O Superior Tribunal de Justiça reafirma essa questão:
COMERCIAL. SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO. RESPONSABILIDADE PARA COM TERCEIROS. SÓCIO OSTENSIVO. Na Sociedade em Conta de Participação o sócio ostensivo é quem se obriga para com terceiros pelos resultados das transações e das obrigações sociais, realizadas ou empreendidas em decorrência da sociedade, nunca o sócio participante ou oculto que nem é conhecido dos terceiros nem com estes nada trata. Hipótese de exploração de flat em condomínio. Recurso conhecido e provido. (STJ - REsp: 168028 SP 1998/0019947-0, Relator: Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Data de Julgamento: 7/8/2001, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 22/10/2001 p. 326).
Contudo, se o sócio participante passar a fazer parte nas relações do sócio ostensivo com terceiros, passará a responder solidariamente com este, conforme parágrafo único do artigo 993 do Código Civil:
Art. 993. O Contrato social produz efeito somente entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade.
Parágrafo único. Sem prejuízo do direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, o sócio participante não pode tomar parte nas relações do sócio ostensivo com terceiros, sob pena de responder solidariamente com este pelas obrigações em que intervier.
Observação: A questão da limitação da responsabilidade ao capital social acompanha a roupagem jurídica a que tiver submetido o sócio ostensivo, seja para com terceiros, seja para com os sócios participantes. É dizer, sendo o sócio ostensivo uma sociedade limitada ou mesmo uma sociedade anônima, tanto o terceiro que com ele contratar, quanto o sócio participante que com ele contratou, conhecendo de antemão a sua qualidade de LTDA ou S/A, não poderá pretender sua responsabilização ilimitada, em caso de prejuízos futuros.
Não estamos tratando aqui das diversas (e às vezes bastante questionáveis) hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, mas sim sustentando o entendimento de que não assiste razão seja aos terceiros, seja aos sócios participantes pretenderem responsabilizar a sociedade LTDA ou S/A enquanto sócia ostensiva, de forma ilimitada.
Deste modo, diante de qualquer requerimento futuro, o adquirente do imóvel estaria prejudicado no que diz respeito ao polo passivo e responsabilidade da SCP.
Ainda, do ponto de vista fiscal, existe risco do adquirente, ora sócio participante, uma vez que poderá haver a descaracterização da SCP para o fim de caracterizar a prestação de serviços. Isso se dá porque muitas vezes a SCP é utilizada e vista pelo fisco como meio de ludibriar o pagamento de tributos.
É o caso da previsão de distribuição de resultado em SCP com bens ou coisa certa (unidades de imóveis) e não com capital. Nesse caso, tem-se o entendimento de que a SCP visa dissimular um contrato de compra e venda, ou ainda um consórcio para entrega de bens, que é regido pela lei 11.795/08.
A utilização da SCP para meios de dissimular outros tipos associativos, como os supracitados, faz com que, tanto o Judiciário, quanto o Fisco possam requerer sua desconsideração, impondo-lhes incremento em seus passivos tributários, trabalhistas e previdenciários, podendo em alguns casos, gerar também responsabilidade criminal.
Portanto, ainda que exista a previsão do artigo 993 que traz a isenção do sócio participante perante terceiros, essa questão diz respeito única e exclusivamente ao direito privado, não excluindo as obrigações no âmbito fiscal.
Além disso, caso haja falência do sócio ostensivo, o valor atribuído e investido no bem pelo adquirente, em nada o favorece perante terceiros.
A adesão do sócio participante à SCP não lhe garante, portanto, qualquer espécie de propriedade sobre os fundos sociais da sociedade investida, nem mesmo sobre a parcela representativa de sua contribuição. Torna-se apenas titular de um eventual direito de crédito frente ao sócio ostensivo, em razão dos resultados das atividades sociais. Admitir que o sócio participante continuaria proprietário de sua contribuição permitiria cogitar a possibilidade de pedido de restituição na hipótese de falência do sócio ostensivo, o que é afastado pelo parágrafo 2º do artigo 994 do Código Civil. Ocorrendo a falência, o sócio participante terá apenas créditos de natureza estritamente quirografária a serem habilitados no processo falimentar. Assim, os bens com que o sócio participante contribui para a formação do patrimônio especial da SCP (salvo quando se tratar de uso e gozo) incorporam o patrimônio do sócio ostensivo. E em caso de falência deste, os sócios participantes passam a ter um direito quirografário em face dos sócios ostensivos e não um direito de retomada dos bens.
Quanto à tributação das SCP’s, destaca-se que a previsão tributária é a mesma para as pessoas jurídicas, conforme se demonstra nos artigos do Regulamento de Imposto de Renda de 1999:
Art. 148. As sociedades em conta de participação são equiparadas às pessoas jurídicas.
Art. 149. Na apuração dos resultados dessas sociedades, assim como na tributação dos lucros apurados e dos distribuídos, serão observadas as normas aplicáveis às pessoas jurídicas em geral e o disposto no art. 254, II.
Em observância às exigências, destaca-se artigo do Código Tributário Nacional:
Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.
Art. 116: Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.
O que se observa, é que a relação privada entre o sócio participante e a SCP em nada protege aquele perante dívidas tributárias.
Tais dispositivos, portanto, autorizam o Fisco a ignorar a eficácia dos atos e negócios jurídicos realizados por particulares que acarretem na alteração do sujeito passivo da obrigação tributária ou, ainda, alteração da própria obrigação tributária que seria originariamente devida. E sendo assim, pela regra legal, uma SCP não poderia ser instituída e oposta para fins de se evitar o pagamento de tributos sem que a sua natureza jurídica seja amplamente obedecida.
Ainda, existe o risco de desconsideração da SCP por simulação ao consórcio, que possui legislação e regulamentação própria.
Inicialmente, informa-se que o consórcio se caracteriza como uma organização empresarial, mediante a associação horizontal entre sociedades que possuem interesse comum.
As empresas associam-se com um objetivo em comum entre todos os participantes, com uma finalidade empresarial também em comum, que não seria atingida se não houvesse a contribuição de todos.
O risco aqui está na descaracterização da SCP e ocorrência dos efeitos fiscais daí advindos, com a tributação das receitas distribuídas pelo sócio ostensivo ao sócio participante, a título de dividendos, como se remuneração fosse, ao invés de lucro, a fim de obter ganho pecuniário, o que é entendido como sonegação de tributos.
Importante destacar que a Lei de Consorcio (lei 11.795/08), em seu artigo 42, menciona dentre as consequências de natureza penal e civil, a previsão de penalidades, como a aplicação de multa de até 100% (cem por cento) das importâncias recebidas ou a receber, previstas nos contratos a título de despesa ou taxa de administração e, ainda, a multa de R$500.000,00 (quinhentos mil reais), que poderá ser dobrada em caso de reincidência.
Conforme traz o Código Civil:
Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
§ 1o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;
Por fim, há risco de dissimulação da SCP, perante o Contrato de Compra e Venda que apresentam entre si algumas distinções.
a) Na SCP existe um interesse comum e no segundo os interesses são opostos;
b) Na SCP haverá uma união de esforços e de contribuições para um mesmo objetivo e na compra e venda haverão prestações simultâneas e comutativas, com os seus efeitos conhecidos e esperados;
c) na SCP haverá o exercício da sua atividade social por meio dos bens que compõem o seu patrimônio especial, e o resultado a ser entregue será o lucro que, em regra, será em dinheiro, já na compra e venda o pagamento do preço será realizado em troca do recebimento, presente ou futuro, do bem.
Desse modo, se ficar caracterizado que a intenção das partes era firmar contrato de compra e venda, ao firmar o contrato de SCP, poderá caracterizar-se uma simulação de negócio jurídico, nos termos do artigo 167, § 1º do Código Civil supracitado, o que tornaria o negócio jurídico nulo.
Nestes casos, é possível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em favor de terceiros, o que faria com que o adquirente do imóvel fosse também responsável pela indenização ao crédito.
Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.
Deste modo, é possível destacar que a utilização da SCP pode prejudicar o adquirente de um imóvel, que figurará como sócio participante, perante cobranças tributárias, trabalhistas ou consumeristas, fazendo-o responder solidariamente perante o credor, bem como à condenação por simulação de contrato de compra e venda e/ou consórcio.
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*Paula Farias é advogada especialista em Direito Imobiliário.