Migalhas de Peso

Regulação da tarifa de intercâmbio incidente nas transações de pagamento realizadas com cartão de débito

A medida adotada e o efeito pretendido de redução do seu custo de aceitação visam incentivar o uso do cartão de débito no Brasil.

9/4/2018

No último dia 26 de março, o Banco Central do Brasil publicou as circulares 3.885, 3.886 e 3.887, introduzindo diversas mudanças relevantes ao funcionamento dos arranjos de pagamento. Dada a relevância do tema, publicaremos ao longo desta semana uma série de artigos nos quais abordaremos as principais alterações e inovações previstas nessas novas regras.

Nesse contexto, publicamos anteriormente artigo acerca do tratamento conferido pela circular 3.886 (que alterou a circular 3.682, de 4 de novembro de 2013) à figura do subcredenciador1. Neste artigo, abordaremos as principais questões atinentes aos limites máximos para a cobrança da tarifa de intercâmbio (interchange fee)2 paga pelos credenciadores aos emissores e incidente nas transações de pagamento realizadas nos arranjos de pagamento classificados como domésticos, de compra e de conta de depósito à vista (ou seja, nas transações realizadas com cartão de débito), tratada pela circular 3.887/18.

Regulação da tarifa de intercâmbio em cartão de débito

Até então, o BC não regulava tarifa de intercâmbio. Porém, diante de diagnóstico de mercado realizado pelo regulador e após discussões com representantes da indústria de cartões realizadas nos últimos meses, o BC identificou fatores que justificam esta regulação, dentre as quais a ausência de mecanismos de mercado fortes o suficiente para exercer uma redução nesta tarifa, bem como seu elevado nível, que contribui para a sobreutilização de instrumentos menos eficientes. Neste momento, o BC se limitou a regular apenas a tarifa de intercâmbio aplicável às transações com cartões de débito por entender ser uma medida menos intrusiva e mais conservadora, sem prejuízo da contínua avaliação da necessidade de regulação em outros aspectos da indústria de cartões em geral.

Nesse contexto, o novo normativo determina que as transações com cartões de débito passarão, a partir de 1° de outubro de 2018, a observar obrigatoriamente os seguintes limites máximos relativos à tarifa de intercâmbio: (i) 0,50% para a média da tarifa de intercâmbio, ponderada pelo valor das transações3; e (ii) 0,80% como valor máximo aplicável a qualquer transação. Com isto, o BC equipara o mercado brasileiro ao cenário internacional, uma vez que essa limitação já é praticada na União Europeia e em países como África do Sul, Argentina, Austrália, China, Estados Unidos e Israel.

Transações com cartão de débito excluídas da regulação da tarifa de intercâmbio

Não obstante a nova regulação, certas transações de pagamento foram expressamente excluídas de referida limitação pelo regulador4:

(i) transações não presenciais: na visão do BC, tal modalidade de compra demanda um maior investimento dos emissores na prevenção de fraudes, além de ser atualmente dominada pelo uso do cartão de crédito e do boleto de pagamento. Ao não se estabelecer limites nesta modalidade, o BC visa incentivar que os emissores continuem a desenvolver soluções que disseminem sua utilização e segurança do cartão de débito no comércio eletrônico; e

(ii) transações efetuadas com cartão de débito corporativo: tais cartões possuem uma estrutura de custos diferenciada, pois apesar de serem vinculados a uma certa empresa, podem ser utilizados por diversas pessoas, o que, por sua vez, demandam controles adicionais dos emissores para o acompanhamento, conciliação e prevenção de fraudes nesta modalidade de cartão.

Considerações Finais

Segundo o BC, a medida adotada e o efeito pretendido de redução do seu custo de aceitação visam incentivar o uso do cartão de débito no Brasil, sob a justificativa de que tais instrumentos são socialmente menos custosos que os cartões de crédito e servirão para estimular a competitividade e aumentar a eficiência geral dos serviços de pagamentos de varejo.

Em nota, o BC destaca que a existência efetiva da diferenciação de preços praticados pelos estabelecimentos comerciais, o que já é autorizado pela lei 13.455, de 26 de junho de 2017, é importante para que os efeitos desejados da regulação da tarifa de intercâmbio dos cartões de débito sejam de fato observados. Como a tarifa de intercâmbio compõe a taxa de desconto (ou merchant discount rate em inglês, conhecido com MDR), espera-se a redução desta taxa e, ao final, do preço cobrado dos usuários finais pagadores pela venda de produtos, bens ou serviços vendidos com cartões de débito.

Por fim, o BC realizará acompanhamento dos efeitos esperados da regulação sobre o mercado de cartões de débito a fim de avaliar a necessidade de reduções adicionais nos parâmetros da tarifa de intercâmbio objeto do novo normativo, da conveniência da manutenção das exceções à nova regra, bem como de eventual estabelecimento de limite de tarifa de intercâmbio para o mercado de cartões de crédito, que é um serviço mais complexo ao envolver a disponibilização de uma linha ou limite de crédito do emissor ao usuário final pagador.

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1 Clique aqui para ver artigo completo.

2 Por tarifa de intercâmbio, fica entendida, nos termos do artigo 1º, inciso I, da referida Circular 3.887/18: (i) a remuneração, paga pelo credenciador do estabelecimento comercial ao emissor do instrumento de pagamento, por cada transação estabelecida no âmbito do arranjo de pagamento; e (ii) qualquer outra forma de remuneração do emissor do instrumento de pagamento, estabelecida no âmbito do arranjo de pagamento, com objetivo ou efeito equivalente ao da remuneração indicada no item anterior, independentemente de quem seja o efetivo pagador (seja tal pagador o instituidor do arranjo, o credenciador ou qualquer outro intermediário da transação de pagamento).

3 Em nota, o Banco Central indicou que o novo valor para a média ponderada representa uma redução de 39% da atual média de tarifa de interbancário nas transações de cartão de débito.

4 Segundo dados de 2017 indicados pelo Banco Central, estas transações excluídas do escopo da regulação representariam apenas 2,6% das transações em termos de valor e 0,01% em termos de quantidade, de forma que a exclusão destas transações não teriam impactos negativos relevantes sobre o efeito esperado da regulação sobre o mercado.

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*Bruno Balduccini é sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.

*Ricardo Glaessner Binnie é associado do escritório Pinheiro Neto Advogados.

*Raphael Palmieri Salomão é associado do escritório Pinheiro Neto Advogados.

*Marcus Firmato é associado do escritório Pinheiro Neto Advogados.

*Fernanda Paula Salomão é auxiliar no escritório Pinheiro Neto Advogados.








*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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