Desde a entrada em vigor da lei 13.467/17, muito se tem dito e escrito sobre o tema, e mesmo antes de completar um mês de aniversário sofreu sensíveis alterações por conta da edição da MP 808/17, recentemente renovada.
Criada sob o argumento de que seria a redenção das relações de emprego, com o seu aprimoramento e reconhecimento da realidade moderna, em contrapartida ao suposto arcaísmo da vetusta CLT, a legislação veio ao mundo sob o pálio da modernização das relações de trabalho; da estabilização destas, com o fim da insegurança jurídica que até então supostamente existia e do incremento de novos contratos, em um momento no qual o país vive uma de suas mais graves crises, com mais de 12 milhões de desempregados.
Ainda é muito cedo para se dizer quais serão os efeitos desta nova legislação, criada de forma açodada, sem quase nenhuma discussão, seja dentro do próprio Congresso Nacional, seja entre os demais interlocutores sociais interessados no desenvolvimento das relações de trabalho.
É de bom tom recordar não ser tal norma legal apenas, mas uma simples lei modificadora de alguns poucos aspectos da legislação trabalhista, outrora chamada de social.
A referida legislação deve ser considerada dentro de um contexto maior, gestada no bojo de outras normas legais que modificaram, substancialmente, aspectos da vida cotidiana, tal como em relação à remuneração dos garçons e similares (lei 13.419/17), da terceirização de empregos mediante contratação temporária (lei 13.429 e 13.467, ambas de 2017), interferindo de forma incisiva não só na legislação em si, mas principalmente na forma da interpretação até então feita sobre a forma e conteúdo dos conflitos trabalhistas.
A legislação trabalhista, não só no Brasil, mas no mundo, parte de uma ideia central básica, ainda que com algumas nuances distintas, segundo a qual o trabalhador depende economicamente de seu emprego para sustentar a si e seu núcleo familiar, e por conta deste fator, está sujeito a atuação de seu empregador de forma mais direta, decisiva, não possuindo condições de, isoladamente, contrapor-se a tal ação, por vezes prejudicial aos seus interesses.
Seria por demais ingênuo supor que, a despeito de estarmos no século XXI, com seus enormes avanços tecnológicos, a massa assalariada possua condições de diálogo em pé de igualdade como seus interlocutores.
Poder-se-ia dizer que o contraponto desta situação esta na atuação das entidades sindicais, eis que estas, em tese, detêm não só legitimidade de direito, mas de fato para atuarem em nome dos trabalhadores de sua respectiva categoria, minimizando os efeitos da referida desigualdade.
Sucede que, em regra, a realidade nos tem demonstrado ser a atuação destas entidades ineficaz para se contrapor a atuação do poderio econômico.
Com raras e honrosas exceções e, mesmo assim, com reduzidos poderes de atuação, boa parte das entidades sindicais sucumbe à falta de representatividade e de pautas atrativas capazes de agregar em torno de si os seus membros.
Então, diante deste quadro, o qual creio representar em boa parte a realidade cotidiana, cabe indagar: a quem interessa as modificações introduzidas e quais serão seus efeitos práticos na realidade jurídica das relações entre capital e trabalho?
Do ponto de vista jurídico, fica escancarado que o novel legislativo foi feito, sob medida, para atender os interesses do capital.
A CLT de 1943, com as sucessivas alterações introduzidas ao longo dos anos, com o intuito de aprimorá-la, se notabilizou por ser uma legislação social, pautada na defesa dos interesses da imensa gama trabalhadora, geradora de riqueza. Ainda que sob certos aspectos não tenha atingido plenamente seu intuito, considerando-se para tanto o volume de demandas existentes no país e o contingente expressivo de trabalho informal (afinal, às vezes nos esquecemos, mas é sempre bom recordar, que a lei existe para ser cumprida e não ignorada ou deturpada). Neste contexto, o conjunto de normas editadas no ano de 2017, seguramente se apresenta como um retrocesso, um retorno aos idos do século XIX, no resgate a ênfase no liberalismo econômico e jurídico, naquilo que ele tinha como mais perverso, buscando retirar do Estado seu papel moderador nestas relações.
Embora não se possa asseverar quais são, ou mesmo quais serão, os efeitos práticos da nova legislação, quer me parecer que ela, por si só, não atingirá nenhum dos objetivos propugnados por seus defensores.
A nova legislação não moderniza as relações de trabalho, mas apenas escancara uma regra de predomínio do interesse econômico sobre o trabalho, retirando uma série de direitos até então assegurados à classe trabalhadora.
Registre-se que alguns destes direitos, de fato, não se justificam mais em razão da realidade, tornando por diversas vezes complexo e oneroso algo que deveria primar pela simplicidade. Todavia, ressai da norma em comento não uma correção de rumos da legislação trabalhista, mas sim a sua deturpação.
Fica evidente, pelo turbilhão de posicionamentos díspares e interpretações diversas, ter a lei 13.467/17, sob o pretexto de trazer segurança jurídica, instituído, ao revés, uma insegurança progressiva, inflacionando exponencialmente o número de demandas trabalhistas ajuizadas antes da sua entrada em vigor.
Por fim e, ao meu sentir, não menos importante, é a falácia criada com a ideia de que a nova legislação seria a fonte de criação de empregos, retirando o Brasil desta situação de miserabilidade no qual se encontram mais de 12 milhões de famílias.
Evidentemente que a crise econômica tem papel central e, na medida em que o país vai superando tal dificuldade, o desemprego tende a diminuir. O fator central do desemprego nunca esteve na maior ou menos amplitude da legislação trabalhista, pois, se assim o fosse, não haveria explicação para o período de estabilidade do emprego vivenciado na economia brasileira nos anos 1984 a 1991 e de 2011 a 2014.
Nesta esteira de raciocínio é difícil apontar o mote capaz de incrementar o emprego no país, embora haja boas sugestões sobre o tema, mas seguramente, tal incremento não se operacionalizara apenas através da legislação trabalhista.
O que se deve perquirir neste momento é se todas as normas editadas estão em harmonia com o nosso sistema jurídico.
A esmagadora maioria dos doutrinadores, para não dizer sua totalidade, parte da ideia central de que o Direito do Trabalho visa tutelar tal modalidade de relação jurídica, retirando das partes e colocando sobre o manto da lei, a livre disposição sobre a forma de sua regulamentação. Agora tenta-se fazer justamente o inverso.
Sucede que parte considerável destas novas normas padece, direta ou indiretamente, do vício insanável da inconstitucionalidade.
Tomo, como exemplo, o suposto fim da execução de ofício das sentenças trabalhistas, embora pudesse fazê-lo, por exemplo, em relação à obrigatoriedade de pagamento de custas processual e honorária para trabalhadores beneficiados pela gratuidade judiciária.
Desde sua edição, em 1943, ficou assente na CLT que a execução poderia ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio pelo próprio juiz ou presidente ou Tribunal competente (art. 878).
Tal regra tinha sua razão de ser na ideia básica segundo a qual, o processo do trabalho é instrumental na consecução de um crédito de natureza alimentar, dotando-se, para isso, o juiz com poderes especiais, tanto na busca da verdade, como na realização de seu mister no menor tempo possível.
Agora, a nova lei, a despeito de manter a figura improdutiva do ius postulandi, estabelece que a execução será promovida pelas partes, permitida a execução de ofício pelo juiz ou pelo Presidente do Tribunal apenas nos casos em que as partes não estiverem representadas por advogado.
Contudo, ao dar nova roupagem a redação do art. 876, manteve o legislador a execução de ofício em relação às contribuições sociais.
Então temos o seguinte paradoxo: ao juiz do trabalho não cabe iniciar a execução de sua sentença para fazer valer o crédito de natureza alimentar de um trabalhador, mas lhe é imposto iniciar a execução da contribuição social, mero acessório da condenação central, para beneficiar o Poder Público, a despeito deste ter em seus quadros, advogados e procuradores aptos a impulsionar o feito.
Nesta linha de raciocínio, levando-se em consideração a natureza alimentar dos créditos trabalhistas, característica conceituada pelo art. 186 do Código Tributário Nacional, designando em patamar superior ao próprio credito tributário (do qual em certa medida são oriundas as contribuições sociais) e afirmada pela Constituição Federal, (art. 100, § 1º), ao fixar que os débitos de natureza alimentícia são aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, bem como a circunstância de que a rápida solução do conflito, caracterizada pelo cumprimento integral da coisa julgada é dever do juiz do trabalho, conforme a determinação emanada do art. 765 da CLT e por fim, tomando o disposto no art. 7º da CRFB/88, em seu caput, ao estabelecer uma regra geral de incidência da norma mais favorável aos interesses da classe trabalhadora, entendo ser possível ao juiz do trabalho manter o princípio geral da execução de ofício, ao menos em relação ao devedor principal e, se for o caso, também ao devedor secundário, devendo para tanto constar do título judicial exequível.
Diante deste evidente contrassenso jurídico, convém ao intérprete da lei harmonizar as alterações introduzidas com os demais preceitos trabalhistas e não de forma isolada, valendo-se inclusive da aplicação dos preceitos de índole constitucional.
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*Eduardo Henrique Elgarten Rocha é Juiz do Trabalho Titular da 43ª Vara do Trabalho da cidade do Rio de Janeiro – Tribunal Regional do Trabalho da 1ª região.