Migalhas de Peso

Regulação Federal Infraestruturas de Redes de Telecomunicações, Internet e Energia elétrica: a delimitação da legislação municipal sobre o tema

Os municípios brasileiros têm editados leis municipais no sentido de determinar a instalação de redes subterrâneas de cabos de energia elétrica, telefonia e internet.

16/3/2018

1 Apresentação.

Nas cidades, as redes de telecomunicações e internet são essenciais às pessoas naturais e pessoas jurídicas. Sem adequada infraestrutura de rede de comunicação, há sérios obstáculos ao efetivo acesso aos serviços de telefonia, dados e internet, bem como à qualidade dos serviços. Dependendo do tipo de rede instalada a qualidade do serviço é diferente.

Por exemplo, se a rede for com cabos de fibra ótica há uma velocidade maior no tráfego de dados, diferentemente da fiação de cobre tradicional. As infraestruturas de rede de telecomunicações e internet são essenciais à prestação dos respectivos serviços de telefonia fixa, móvel e internet. A economia digital depende, fundamentalmente, da qualidade de rede de telecomunicações e internet, bem como a competividade internacional do Brasil diante deste fator importante de produção e circulação de bens. Segundo Yochai Benkler: "The technical conditions of communication and information processing are enabling the emergence of new social and economic practices of information and knowledge production"1.

Os municípios brasileiros têm editados leis municipais no sentido de determinar a instalação de redes subterrâneas de cabos de energia elétrica, telefonia e internet, em substituição às redes aéreas, sob o fundamento de sua competência para legislar sobre o uso e ocupação do solo urbano, bem como urbanismo.

Estas leis municipais têm forte impacto sobre as empresas de infraestruturas de rede (postes, cabos, fios e fibra ótica, antenas), bem como prestadores de serviços, nos setores de internet, telecomunicações, TV por assinatura e distribuidoras de energia elétrica.

Mas, em 2015, foi aprovada a lei federal 13.116/15 com as normas gerais para implantação, instalação e compartilhamento das infraestruturas de redes de telecomunicações. O propósito legal é viabilizar os investimentos na construção de redes de telecomunicações, para o desenvolvimento econômico social do Brasil.

O legislador federal foi sensível à demanda por infraestruturas de rede de telecomunicações e internet, no sentido de promover a inclusão digital, daí a adoção pelo legislador federal de regras uniformes para todo o território nacional. Há, ainda, diversas normas gerais que devem ser aplicáveis no âmbito dos municípios, especialmente aquelas que tratam do procedimento administrativo simplificado quanto ao licenciamento das instalações de redes de telecomunicações.

Este tema da constitucionalidade da legislação estadual e municipal que determina o cabeamento da rede subterrânea de telefonia e energia elétrica, está em análise no Supremo Tribunal Federal.

1) Regulação Federal dos serviços de telecomunicações, internet e energia elétrica: presença do interesse federal

a) Lei federal 13.116/15 sobre as normas gerais para implantação e compartilhamento da infraestrutura de telecomunicações

Nos termos da lei 13.116/15, adota-se como pressuposto a competência exclusiva da União para regular e fiscalizar aspectos técnicos das redes e serviços de telecomunicações. Eis o teor da regra legal:

"Art. 4º. A aplicação das disposições desta Lei rege-se pelos seguintes pressupostos:

II - a regulamentação e a fiscalização de aspectos técnicos das redes e dos serviços de telecomunicações é de competência exclusiva da União, sendo vedado aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal impor condicionamentos que possam afetar a seleção de tecnologia, a topologia das redes e qualidade dos serviços prestados".

Vale dizer, diante da prevalência da competência federal exclusiva sobre o tema dos aspectos técnicos das redes e serviços de telecomunicações, há a proibição aos estados e municípios de impor condições relacionadas à escolha de tecnologias, topologias das redes e qualidade dos serviços ofertados aos usuários. Ora, a princípio, imposição em lei municipal da rede subterrânea é uma questão técnica e afeta a topologia da rede de telecomunicações, daí o potencial conflito entre a lei municipal e a lei federal.

E, ainda, conforme a Lei das Infraestruturas de Redes de Telecomunicações:

"VII - aos entes federados compete promover a conciliação entre as normas ambientais, de ordenamento territorial e de telecomunicações".

Diante desta norma geral, exige-se adaptação da legislação municipal às normas gerais da lei federal. Neste aspecto, é necessário revolver o conflito entre lei federal e a lei municipal, na perspectiva do exame da constitucionalidade, sobre o tema da infraestrutura de rede de telecomunicações e internet e os limites à competência legislativa municipal.

Outra regra legal interessante diz respeito a vedação à imposição de contraprestação em razão do direito de passagem em vias públicas, em faixas de domínio e em outros bens públicos de uso comum do povo2. Mas, por outro lado, a lei permite a cobrança de custos necessários à instalação, à operação, à manutenção e à remoção de infraestrutura e equipamentos, pela entidade interessada3.

b) Da garantia à livre iniciativa no âmbito do provimento de infraestruturas de redes de telecomunicações

Na CF, no capítulo da Ordem Econômica, a garantia da livre iniciativa protege o modelo de negócios de infraestrutura de redes de internet, por fibra ótica, em postes ou não, cabos ou fios.

Neste sentido, os municípios, no exercício da competência para legislar sobre interesse local, uso e ocupação do solo urbano, bem como urbanismo, por óbvio devem respeitar o núcleo fundamental da garantia constitucional à livre iniciativa no setor de infraestruturas de redes de telecomunicações e internet.

Daí porque eventuais excessos legislativos municipais, na regulação da infraestrutura de rede de telecomunicações e internet, podem ser impugnados perante o Poder Judiciário.

A Lei das Infraestruturas de Telecomunicações (lei 13.116/15) dispõe que o licenciamento para a instalação de infraestrutura e redes de telecomunicações em área urbana deve obedecer os seguintes princípios: razoabilidade, proporcionalidade, eficiência e celeridade, integração e complementaridade entre as atividades de instalação de infraestrutura de suporte e de urbanização, redução do impacto paisagístico da infraestrutura de telecomunicações, sempre que tecnicamente possível e economicamente viável.

E, ainda, a referida lei 13.116/15 dispõe que as licenças necessárias para instalação de infraestrutura de suporte em área urbana serão expedidas mediante procedimento simplificado, sem prejuízo da manifestação dos diversos órgãos competentes no decorrer da tramitação do processo administrativo.

E, por fim, outro dispositivo legal dispõe que os órgãos competentes não podem impor condições ou vedações que impeçam a prestação de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, nos termos da legislação vigente.

E, ainda, eventuais condições impostas pelas autoridades competentes na instalação de infraestrutura de suporte não podem provocar condições não isonômicas de competição e de prestação de serviços de telecomunicações. Em outras palavras, o poder público municipal não pode promover tratamentos discriminatórios entre os provedores de infraestruturas de suporte às redes de telecomunicações.

c) Do direito de acesso às infraestruturas de redes de telecomunicações, na Lei Geral de Telecomunicações

Segundo a Lei Geral de Telecomunicações, ao tratar das redes de telecomunicações:

"Art. 145. A implantação e o funcionamento de redes de telecomunicações destinadas a dar suporte à prestação de serviços de interesse coletivo, no regime público ou privado, observarão o disposto neste Título".

Vale dizer, tanto os serviços de telefonia fixa quanto o de telefonia móvel, submetem-se à Lei Geral de Telecomunicações.

Ou seja, a Lei Geral de Telecomunicações contém as normas básicas sobre a implantação das redes de telecomunicações. Posteriormente, esta lei foi modificada pela lei 13.116/15 que trata especificamente das normas gerais sobre as infraestruturas de telecomunicações.

Ademais, a Lei Geral de Telecomunicações estabelece o seguinte:

"Art. 146. As redes serão organizadas como vias integradas de livre circulação, nos termos seguintes:

I - é obrigatória a interconexão entre as redes, na forma da regulamentação;

II - deverá ser assegurada a operação integrada das redes, em âmbito nacional e internacional;

III - o direito de propriedade sobre as redes é condicionado pelo dever de cumprimento de sua função social".

Ora, a Lei Geral de Telecomunicações reconhece o direito de propriedade sobre as redes de telecomunicações, porém condicionado à função social. Neste sentido, o proprietário da infraestrutura da rede de suporte à rede de telecomunicações (cabos, postes, fibras óticas) tem o direito de utilizar de sua propriedade privada, evidentemente, respeitados os contornos da legislação municipal, desde que não se invada a questão técnica da topologia da rede. Em outras palavras, compete ao proprietário da rede definir a sua topologia, bem como as suas condições técnicas.

A empresa que explora o modelo de negócios de infraestrutura de rede de telecomunicação (postes, cabos, fibras óticas, antenas, torres de telefonia, etc) há de ter a segurança jurídica quanto à interpretação da legislação brasileira para realizar investimentos e ofertar os serviços aos respectivos usuários.

d) Interesse local dos municípios na ordenação das cidades e a vinculação às normas gerais sobre as infraestruturas de redes de telecomunicações.

Os municípios detém a competência legislativa para tratar de interesse local, bem como do uso e ocupação do solo urbano.

Mas, eles não detêm a competência legislativa para legislar sobre as instalações de telecomunicações, internet e/ou energia elétrica.

Tanto a CF quanto a legislação federal estabelecem limites à competência municipal quando há interesse federal sobre a infraestrutura de rede de telecomunicações e internet: redes aéreas ou subterrâneas.

Neste aspecto, a legislação municipal há de respeitar os princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade. Deste modo, não é admissível interpretar a legislação municipal no sentido de negar o direito ao licenciamento das redes de cabos aéreas, bem como de inviabilizar o modelo de negócios fundado em redes de cabos terrestres.

É necessário compatibilizar, no planejamento urbano, a coexistência da rede de cabos aéreas com a rede de cabos subterrâneas. É necessário a razoável e adequada motivação quanto à negação do direito à instalação rede de cabos, instalados em postes, seguindo-se a adequada fundamentação legal. Em outras palavras, o titular da rede de telecomunicações e internet detém a prerrogativa de definir a arquitetura de sua rede, conforme os princípios da eficiência, razoabilidade, proporcionalidade, economicidade, entre outros. O poder público não pode, simplesmente, limitar-se à negativa do pedido de licença de instalação de rede.

Afinal, o interesse local do município deve ser compatibilizado com o interesse nacional na instalação de redes de telecomunicações, internet e energia elétrica.

2. O tema das infraestruturas de rede de telecomunicações e energia elétrica no Supremo Tribunal Federal

a) ADI 4925/SP, Rel. Min. Teori Zavascki: a inconstitucionalidade da lei do estado de São Paulo sobre remoção gratuita de postes pelas empresas distribuidoras de energia elétrica

Na ADI 4925, Rel. o saudoso Min. Teori Zavascki, debate-se a questão da constitucionalidade da lei estadual 12.635/07 de São Paulo que determina a obrigatoriedade da remoção gratuita de postes pelas concessionárias de distribuição de energia elétrica, em relação aos proprietários de terrenos adjacentes. Discutiu-se sobre a competência legislativa privativa da União para legislar sobre energia (art. 22, IV) e para explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão, permissão ou serviços e instalações de energia elétrica (art. 21, XII, letra b). Ao final, a ação direta de inconstitucionalidade foi julgada procedente para determinar a inconstitucionalidade do art. 2º da lei 12.635/07 do estado de São Paulo, com fundamento na competência privativa da União para legislar sobre o tema.

Conforme ementa da decisão final do STF: "As competências para legislar sobre energia elétrica e para definir os termos da exploração do serviço do seu fornecimento, inclusive sob o regime de concessão, cabem privativamente à União, nos termos do art. 21, XII, letra b, 22, IV e 175 da Constituição. Precedentes".

E, segundo ainda, a decisão: "Ao criar, para as empresas que exploram o serviço de energia elétrica no estado de São Paulo, obrigação significativamente onerosa, a ser prestada em hipóteses de conteúdo vago ('que estejam causando transtornos ou impedimentos') para o proveito de interesses individuais dos proprietários de terrenos, o art. 2º da lei estadual 12.635/07 imiscuiu-se indevidamente nos termos da relação contratual estabelecida entre o poder federal e as concessionárias".

Em síntese, prevaleceu o interesse federal quanto à regulação da matéria da infraestrutura de rede de energia elétrica, com a declaração da inconstitucionalidade da lei estadual.

b) ADPF 133, Rel. Min. Luis Fux, Redes de cabos subterrâneas - lei municipal de Paranaguá/PR -

Na ADPF 133, Rel. Min. Luiz Fux, proposta pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica, discute-se a compatibilidade da lei municipal de Paranaguá que determina a instalação de redes de cabos subterrâneas, especialmente nas áreas históricas da cidade, com a CF. Em debate, a questão constitucional da competência legislativa privativa da União para legislar sobre instalações de energia elétrica, com a vedação à atuação legislativa municipal.

Em parecer, o MP opinou no sentido da extinção da ação por ausência de legitimidade da Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica para propor a ADPF.

E, no mérito, segundo o parecer: "No presente caso, todavia, nem sequer faz menção à prestação de serviços por parte das empresas a que se refere; busca, apenas, preservar os interesses específicos e peculiares daquele município, nos estritos limites do art. 30 da Constituição da República".

Por sua vez, a Advocacia Geral da União manifesta-se no sentido da inconstitucionalidade formal da lei 2.709/06 do município de Paranaguá - PR, diante da competência privativa da União para legislar sobre energia elétrica e telecomunicações.

Enfim, o tema é controvertido (instalação obrigatória da rede de cabos subterrâneos), daí a necessidade de ponderação adequada entre os bens constitucionais em conflito, especialmente das competências federativas entre a União e o Município.

a) Ação Cautelar 3420/RJ, Redes de cabos de energia elétrica subterrâneos - lei municipal do Rio de Janeiro –

Na Ação Cautelar 3420/RJ, Rel. Min. Cármen Lúcia, que analisa a constitucionalidade da lei municipal do Rio de Janeiro que impôs a eliminação do cabeamento aéreo, com a implantação de rede de cabos subterrânea. Segundo a decisão da Min. Relatora, a lei municipal interfere no equilíbrio econômico e financeiro do contrato administrativo entre a União e a concessionária do serviço público de distribuição de energia elétrica, em ofensa ao art. 37, inc. XXI, da CF. A cautelar foi adotada para atribuir eficácia suspensiva a recurso extraordinário, interposto pela empresa distribuidora de energia elétrica. Neste sentido, foram suspensos os efeitos do acórdão recorrido que reconheceu a validade da lei municipal do Rio de Janeiro.

Em síntese, o tema das infraestruturas de redes de internet, telecomunicações e energia elétrica, alvo de leis municipais que determinam a instalação de redes subterrâneas, apresenta diversas questões constitucionais. Requer, também, a necessária interpretação adequada da lei federal 13.116/15 que aprova as normas gerais sobre implantação, instalação e compartilhamento de infraestruturas de redes de telecomunicações e internet.

Neste aspecto, é fundamental conciliar o desenvolvimento urbano das cidades (com considerações sobre a estética urbana e ambiente) com o desenvolvimento econômico-social do País. Neste sentido, é importante que os entes federativos estejam comprometidos com o propósito de ampliar o provimento adequado de infraestruturas de redes de telecomunicações e internet para os brasileiros, bem com o acesso aos serviços de telefonia, dados, internet, por banda larga, e TV por assinatura.

_________________

1 Benckler, Yochai. The Wealth of Networks. How social production transforms markets and freedom. Yale University Press, 2006, p. 33.

2 Lei 13.116/2014, art. 12.

3 Lei 13.116/2015, art. 12, §1º.

_________________

*Ericson M. Scorsim é advogado e consultor em Direito Público, especializado em Direito da Comunicação e seus segmentos de Internet, Telecomunicações e Televisão. Sócio-fundador do escritório Meister Scorsim Advocacia.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Decisão importante do TST sobre a responsabilidade de sócios em S.A. de capital fechado

20/12/2024

Planejamento sucessório e holding patrimonial: Cláusulas restritivas societárias

20/12/2024

As perspectivas para o agronegócio brasileiro em 2025

20/12/2024

A sua empresa monitora todos os gatilhos e lança as informações dos processos trabalhistas no eSocial?

20/12/2024

O futuro dos contratos: A tecnologia blockchain e o potencial dos smart contracts no Brasil

20/12/2024