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Simples é modelo para a reforma tributária

Depois de inúmeras propostas de reforma tributária ampla não concretizadas e de mais de 70 alterações na Constituição sem resultados positivos, tudo indica a necessidade de uma nova abordagem de enfrentamento: fatiamento e garantia de um período de transição para vencer as resistências à mudança do status quo.

13/3/2018

Os moradores de Santos e milhões de turistas conhecem a história dos prédios tortos da orla da praia. Construídos com fundações rasas sobre solo "mole", passaram a afundar e gerar inclinações de meio metro a quase dois, causando a percepção angustiante de risco de desabamento.

Além de perder, em média, mais de 50% do valor dos imóveis, e sofrer enorme elevação de despesas para estabilizar e corrigir o problema, os moradores foram forçados a adotar expedientes heterodoxos para conviver com a situação: usar travas em portas e janelas para que elas permanecessem fechadas e calços em móveis para que pudessem ser usados – sem esquecer aqueles mais radicais que nivelaram os pisos dos apartamentos às inclinações do prédio.

Criado – e continuadamente piorado – coincidentemente na mesma época da construção da maioria dos prédios da orla de Santos o sistema tributário nacional também está "torto". É tratado como manicômio ou carnaval tributário de longa data e é especialmente distorcido no que se refere à tributação de bens e serviços (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS).

Desestímulo ao empreendedorismo, insegurança jurídica, elevados custos de conformidade e burocracia fiscal irracional são integrantes de uma lista enorme de aspectos negativos desse sistema que dispensa ocupar mais espaço, pois vem sendo apresentada aos quatro ventos há décadas em rios de tinta sem que uma solução seja alcançada. As empresas que ficaram ou sobreviveram ao caos continuam a usar calços e travas, e a nivelar o piso, convivendo com um ambiente de negócios desolador, o que não é um problema só para elas, mas para a Nação.

Depois de inúmeras propostas de reforma tributária ampla não concretizadas e de mais de 70 alterações na Constituição sem resultados positivos, tudo indica a necessidade de uma nova abordagem de enfrentamento: fatiamento e garantia de um período de transição para vencer as resistências à mudança do status quo.

Representando mais de 50% da arrecadação e a esmagadora maioria do contencioso tributário judicial e administrativo, além da liderança absoluta e indiscutível na burocracia fiscal excessiva e irreal, avançar para a unificação desses tributos federais, do ICMS e do ISS em um IVA (Imposto sobre o Valor Agregado) traria resultados positivos e inadiáveis para a competitividade do País e para o aumento da sua produtividade.

A última proposta de reforma tributária (texto preliminar do deputado Luiz Carlos Hauly, de 1º de setembro de 2017) ao falar da tributação sobre consumo, em linhas gerais propõe essa unificação, mas também trata da tributação sobre a propriedade, a renda e aquela destinada a financiar a Previdência. Essa amplitude dificulta o consenso necessário de interesses corporativos, políticos e sociais.

Ela, todavia, adota a ideia do período de transição. Propõe que a União, os Estados e os Municípios teriam suas arrecadações preservadas com base nos números do ano anterior ou de uma média dos últimos anos pelos próximos cinco. Nesse intervalo, propõe que sejam discutidos e aprovados os novos critérios de partilha para aplicação gradual entre o 6º e o 15º ou 20º ano após a reforma.

Ao contrário dos prédios tortos de Santos, que continuaram sendo habitados pela ausência de rachaduras e demais indícios de comprometimento irremediável da sua estrutura, o modelo atual da tributação de bens e serviços alcançou um patamar tal de malefício ao País que dificilmente é possível imaginar que ele possa ter continuidade: chegou ao ápice do custo tributário e do custo burocrático, a despeito de União, Estados e Municípios continuarem "quebrados". A solução não é mais somente necessária, é inadiável, ainda que a sua implantação deva ser gradual.

Uma outra visão a ser considerada por ser mais plausível, pois parte da experiência exitosa do Simples Nacional – distribuição automática dos recursos aos entes, tratamento unificado da empresa e governança conjunta – foi apresentada pelo Centro de Cidadania Fiscal, com a criação do chamado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – que teria incidência não-cumulativa, adoção do regime de crédito financeiro, desoneração completa das exportações e dos investimentos, incidência "por fora", entre outros importantes pontos. É necessário dizer que o Simples parte do pressuposto de que a empresa é uma só, elemento fundamental de qualquer proposta de racionalização.

O novo imposto, inicialmente com alíquota bastante reduzida (1%), teria uma fase de testes de dois anos, compensado pela diminuição correspondente da Cofins, para iniciar o mesmo processo de aumento progressivo do IBS e diminuição gradativa dos demais tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) ao longo de mais 8 anos, visando assegurar um ajuste suave para as empresas e as fazendas pela gradual eliminação de benefícios fiscais, especialmente os relativos ao ICMS. Ao final do processo, esses tributos seriam extintos.

Os Estados e Municípios teriam autonomia para a fixação da alíquota do IBS, única dentro dos seus limites. Tal qual no Simples Nacional, o IBS teria uma alíquota única para o contribuinte composta pelas alíquotas parciais de cada ente, que teriam liberdade para o seu estabelecimento, obedecidas as regras de uniformidade territorial, o que positivamente dificulta ou inviabiliza o seu uso para fins extrafiscais (setoriais, regionais ou sociais). Identicamente ao Simples a cobrança do novo imposto seria centralizada e gerida de forma compartilhada por todos os fiscos.

O Simples Nacional seria mantido e o IBS seria opcional para as micro e pequenas empresas em relação aos tributos que ele substitui.

O Sistema Público de Escrituração Digital (SPED) e a universalização – e padronização – das notas fiscais eletrônicas (empresas, consumidores e serviços) seriam a base desse novo modelo mais justo, mais simples e mais racional para todos.

Os erros conceituais nas fundações dos prédios tortos de Santos foram "consertados" usando uma técnica complicada iniciada pela elevação das estruturas com macacos hidráulicos em um longo processo, de cinco em cinco milímetros diários, com concomitante construção de novas fundações.

Esse mesmo modelo de avanço gradual, infelizmente, é o mais viável para mudar a tributação de bens e serviços. Somente com ele é possível evitar o argumento do risco de "desabamento" como principal defesa daqueles que querem manter tudo como está. O modelo proposto para o IBS a partir do Simples Nacional, com prazos de transição menores, é certamente o nosso indispensável macaco hidráulico.

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*José Constantino Bastos Jr., é advogado e ex-secretário nacional de racionalização e simplificação.

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