A celebração de acordo de leniência cumpre a lógica da valoração da probidade na gestão do público e do privado, no estado democrático de direito. Tanto que são requisitos a viabilizarem dito acordo que a pessoa jurídica, nos termos do art. 16, §1º, I e II, da lei 12.846/13: (i) seja a primeira a manifestar-se sobre o seu interesse em cooperar para a apuração do ilícito; (ii) faça cessar o seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo; (iii) admita sua participação no ilícito e coopere, plena e permanentemente, com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até o seu encerramento.
A MP 703/15, dentre outras disposições, acrescentava o dever de a pessoa jurídica se comprometer a implementar ou a melhorar os mecanismos internos de integridade, auditoria, incentivo às denúncias de irregularidades e à aplicação efetiva de código de ética e de conduta. Contudo, tal MP não foi convertida em lei, nos termos do 62, §3º, da CRFB/88, tendo sido publicado pelo Congresso Nacional, no Diário Oficial de 31.5.16, o ato declaratório da perda de sua validade. Projetos de lei diversos tramitam no Congresso Nacional, visando alterações na lei 12.846/13, como, por exemplo, o PL 5.208/16 e o PL 3.636/15.
Por outro lado, práticas de mercado fundadas na valorização de princípios éticos devem ser objeto de debate público, com o fim de prevenir ações comprometedoras, pela prática de conluios empresariais, da livre concorrência posta como princípio da ordem econômica traçada pela Constituição Republicana de 1988, conluios esses que, como notoriamente apurado, produzem resultados opostos aos da integridade, a convocar para o esforço preventivo e repressivo também o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que se espera apto a avaliar as melhores práticas de integridade.
Nesse contexto, a razão de existir do acordo de leniência o faz convergente com a adoção obrigatória de programas de compliance, não para extirpar do mercado as sociedades empresárias que se deixaram enredar em más práticas, mas para destas livrá-las e habilita-las a honrar, com a seriedade devida, os compromissos com a sua função social, outro dos princípios norteadores da ordem econômica proposta pela Carta Fundamental, sob inspiração do máximo e essencial valor da dignidade da pessoa humana.
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*Thaís Boia Marçal é advogada do escritório Lobo & Ibeas Advogados.
*Jessé Torres Pereira Junior é desembargador do TJ/RJ.