Com o advento da LC 104, de 10 de janeiro de 2001, foi introduzido o inciso XI no artigo 156 do Código Tributário Nacional, para dispor sobre a extinção do crédito tributário mediante a dação em pagamento de bens imóveis.
Em virtude da disposição no ordenamento jurídico, muito se debateu na doutrina acerca do instituto, para definir se se tratava de direito subjetivo dos contribuintes ou se dependeriam da discricionariedade da administração tributária para a satisfação do crédito tributário.
Embora se assemelhe à adjudicação de bens oferecidos à penhora em sede de execução fiscal, nesta hipótese, via de regra, o imóvel dado como garantia deve ser levado à leilão e o dinheiro resultante da venda é utilizado para o pagamento do débito, sendo a adjudicação uma exceção, o que difere da dação em pagamento, em que o imóvel é dado para ser incorporado ao patrimônio público da União.
Portanto, razoável seria a possibilidade de o credor aceitar ou não o imóvel oferecido conforme a sua conveniência, ainda que na presente circunstância o titular do crédito seja o Poder Público, ressaltando, entretanto, que o ato administrativo deve ser sempre motivado.
Neste sentido, o Código Civil, em seu art. 356, dispõe que o credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida. No entanto, no âmbito do Direito Tributário, a questão ganha contornos um pouco mais complexos, uma vez que a autoridade administrativa está obrigada a observar a legalidade estrita.
Dessa forma, conclui-se que a discricionariedade do administrador está presente na edição das normas que regulamentam as condições necessárias para o exercício do direito subjetivo pelo contribuinte. Assim sendo, uma vez preenchidos os requisitos conferidos pela legislação tributária para a prática de determinada situação, não pode a administração tributária simplesmente negar o direito do contribuinte sob pena de violação ao princípio da legalidade estrita.
Assim, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN editou a portaria PGFN 32, publicada no Diário Oficial da União de 8 de fevereiro de 2018, para regulamentar o procedimento de dação em pagamento de bens imóveis, dos débitos de natureza tributária, inscritos em dívida ativa.
Logo, com a regulamentação da lei, os contribuintes que cumprirem as condições estabelecidas na portaria PGFN 32/18, em tese, poderão quitar seus débitos, no âmbito da PGFN, mediante dação em pagamento de bens imóveis.
Neste ínterim, relevante se torna ressaltar algumas das regras acerca do instituto. De plano, cabe mencionar que não se aplicam aos débitos apurados na forma do regime tributário denominado Simples Nacional, devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte.
Outrossim, a normativa somente autoriza a dação em pagamento de bem imóvel cujo domínio pleno ou útil esteja regularmente inscrito em nome do devedor perante o Cartório de Registro Imobiliário – RGI competente, bem como esteja livre e desembaraçado de qualquer ônus, para que não haja riscos para a Fazenda Pública em receber o imóvel.
Vale ressaltar, também, que o valor do bem oferecido deve abranger a totalidade do crédito tributário que se pretende liquidar, com atualização, juros e encargos legais, sem desconto de qualquer natureza, podendo, ainda, o contribuinte complementar em dinheiro a eventual diferença entre o valor do imóvel e a totalidade da dívida.
No entanto, acaso a avaliação do imóvel seja superior ao valor do crédito tributário que se pretende extinguir, o contribuinte proprietário do imóvel deverá renunciar expressamente ao ressarcimento da diferença.
O contribuinte que tenha interesse em dar o imóvel para o pagamento do débito inscrito em dívida ativa deverá apresentar requerimento perante a unidade da PGFN do seu domicílio tributário, a qual determinará a abertura de processo administrativo para o acompanhamento, sendo certo que os documentos exigidos para ser instaurado o referido processo administrativo encontram-se discriminados na portaria PGFN 32/18.
Ademais, a proposta de dação em pagamento de bem imóvel não surtirá qualquer efeito em relação aos débitos inscritos em dívida ativa antes da sua aceitação pela União, portanto, não suspende a exigibilidade do crédito tributário.
Além disso, outro ponto relevante, mas que tem tido pouco destaque, é a questão do ganho de capital decorrente da alienação de bens imóveis e que constitui a prática do fato gerador do Imposto de Renda.
Inobstante a omissão da portaria PGFN 32/18 a respeito do tema, nada impede o Fisco de exigir os valores oriundos do lucro, uma vez que a dação do bem para a extinção do crédito tributário se comporta de modo semelhante à alienação de imóvel.
Por fim, mister se faz ressaltar sobre a necessidade da manifestação favorável da Secretaria de Patrimônio da União – SPU acerca da possibilidade de incorporação do imóvel ao patrimônio público.
Neste ponto, a verificação feita pelo órgão nada tem a ver com o poder discricionário do administrador no que se refere à aceitação do bem dado em pagamento do crédito tributário, mas tão somente ao cumprimento dos requisitos exigidos pela disponibilidade orçamentária e financeira.
Portanto, confirmando-se o atendimento a todas as condições estabelecidas pela portaria PGFN 32/18, a administração pública não pode negar o direito subjetivo do contribuinte de pagar a dívida mediante a dação de bens imóveis, ao argumento de ausência de interesse público, sob pena de violação ao princípio da legalidade estrita, ao qual deve obediência a autoridade administrativa.
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*Ricardo Godoy Paiva é advogado tributarista e pós-graduando em Direito Financeiro e Tributário pela Universidade Federal Fluminense – UFF.