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Chefe também pode ser vítima de assédio sexual

Está se formando consenso no sentido de que, do ponto de vista jurídico, só se configura assédio sexual, no ambiente de trabalho, se a vítima for subordinada ao assediador. A melhor doutrina, majoritariamente, tem dificuldade de vislumbrar assédio onde não exista uma relação de poder

24/9/2003

 

Chefe também pode ser vítima de assédio sexual

 

Mário Gonçalves Júnior*

 

Está se formando consenso no sentido de que, do ponto de vista jurídico, só se configura assédio sexual, no ambiente de trabalho, se a vítima for subordinada ao assediador. A melhor doutrina, majoritariamente, tem dificuldade de vislumbrar assédio onde não exista uma relação de poder. Afinal, os bens jurídicos tutelados, em última análise, são a liberdade e a igualdade. “Não basta a ofensa à dignidade pessoal, o atentado à liberdade sexual, para que se tenha a figura do assédio. Indispensável será sempre o poder do sujeito ativo sobre o sujeito passivo, decorrente da relação de trabalho, como fator de intimidação e, ipso facto, sujeição deste à lascívia daquele” (Assédio Sexual no Trabalho – O que fazer?, José Pastore e Luiz Carlos A. Robortella, Makron Books, São Paulo, 1998, pág. 66).

 

Essa tendência de supervalorização da hierarquia funcional entre vítima e assediador certamente ganhou mais força a partir do momento em que o assédio sexual foi conceituado especificamente no artigo 216-A do Código Penal como ato de “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. Antes da Lei 10.224/01, o assédio sexual era enquadrado em modelos de conduta mais amplos e que não levavam em conta relação de hierarquia: ora no artigo 61 da Lei das Contravenções Penais (“Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor”), ora nos artigos 146 (“Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda”) ou 147 (“Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave”) do Código Penal.

 

Em matéria de assédio sexual, há, realmente, pontos de intersecção quando o fenômeno é estudado sob os prismas trabalhista e criminal. Mas os universos desses dois ramos do Direito são autônomos e independentes. Cada qual se vale dos institutos que melhor são explorados pelo outro.

 

Por exemplo: há elementos no tipo do art. 216-A do Código Penal, como a condição de superior hierárquico ou as noções de emprego, cargo ou função, que dependem fundamentalmente do objeto de estudo das legislação trabalhista.

 

Já o Direito do Trabalho carece de uma definição expressa de assédio sexual, valendo-se de outros elementos do tipo penal, como, por exemplo, o constrangimento, ou seja, a ameaça ou a promessa de vantagem.

 

São visões ou ângulos diferentes de uma mesma realidade. Um prisma não limita o outro e vice-versa.

 

Basta ver que, mesmo antes de o assédio sexual ser criminalizado pela Lei 10.224/01, já constituíam faltas graves, do empregado, a incontinência de conduta ou mau procedimento (art. 482, “a”, CLT), e, do empregador, submeter a perigo manifesto de mal considerável e ato lesivo da honra e boa-fama (art. 483, “c” e “e”, CLT).

 

A adequação de conduta às alíneas “a” do art. 482 e “c” e “e” do art. 483 da CLT, ao contrário, pode ser abrangente, impossível de ser desvinculada da casuística: “Apesar do esforço foi impossível à literatura jurídica adotar, para estas duas hipóteses, conceituação precisa, desvinculada da casuística, em face da sua amplitude. Incontinência seria a vida desregrada, a exibição com meretrizes e gente de má nota, com a perda da respeitabilidade e bom conceito, comportamento desordenado em público, rixas e contendas habituais (Bento de Faria, apud Dorval Lacerda, Falta Grave). A figura do mau procedimento é tão ampla que poderia abranger todas as outras e, na prática, serve para focalizar qualquer ato do empregado que, pela sua gravidade, impossibilite a continuação do vínculo, desde que não acolhido precisamente nas demais figuras, nem excluído por algumas delas ao dar exato limite a determinada conduta. Lamarca repele a possibilidade das duas figuras abranger a outra. A incontinência estaria restrita ao campo do abuso ou desvio da sexualidade, quando afetar o nível de moralidade média da sociedade, revestindo ofensa ao pudor, violência à liberdade sexual, pornografia ou obscenidade, importando em desrespeito e desconsideração à sociedade, à empresa e aos companheiros de trabalho” (CARRION, Valentin, Comentários à CLT, Saraiva, 27a. ed., São Paulo, 2002, pág.360, nota “5” ao art. 482).

 

É bem verdade que não haveria como assediar sem prometer alguma vantagem à vítima, ou extorqui-la sexualmente sem ameaçá-la com um mal maior. Só quem é superior na hierarquia da empresa pode oferecer vantagens como promoções ou outros privilégios, mas a chantagem pode perfeitamente ser utilizada por qualquer subalterno. Basta imaginar a hipótese de se exigir sexo mediante a ameaça de revelar algo que possa comprometer o chefe. O prejuízo iminente nem precisa ser profissional, como, por exemplo, se o assediador souber que seu superior vive em adultério.

 

É possível e reprovável. Daí porque concordamos que “não se pode adotar posições muito rígidas nessa matéria, para só admitir como sujeito ativo do assédio o próprio empregador ou o superior hierárquico. Os desvios de comportamento, especialmente os de origem sexual, são tantos e tamanhos que não é difícil imaginar a chantagem ao inverso, ou seja, do subordinado contra o superior hierárquico” (ob. cit., pág.; 69).

 

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* Advogado doescritório Demarest e Almeida Advogados

 

 

 

 

 

 

 

 

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