Diversos jogadores de futebol e clubes estão na mídia internacional em razão de investigações sobre sonegações de impostos e fraudes fiscais. Cite-se as recentes investigações de evasão fiscal de Cristiano Ronaldo. Temos também os casos de Lionel Messi e Javier Mascherano, ambos julgados por fraude fiscal e condenados na Espanha, enquanto o clube Barcelona também enfrenta uma longa batalha judicial em relação à contratação de Neymar.
Além das novas acusações veiculadas, Cristiano Ronaldo é acusado de não pagar impostos sobre € 150 milhões de seus ganhos acumulados por direitos de imagem entre os anos de 2009 e 2020. A acusação é baseada na suposta utilização de um "sistema" elaborado por seu agente Jorge Mendes envolvendo uma série de contas bancárias e empresas offshore na Irlanda, Ilhas Virgens Britânicas, Panamá e Suíça, no intuito de se evadir de suas responsabilidades fiscais perante o fiscal espanhol. Segundo notícias de jornais especializados, noticia-se que parte do dinheiro estava em nome de empresas localizadas no Caribe, supostamente fantasmas, por trás de um pequeno escritório de advocacia localizado acima de uma pequena farmácia.
Messi também foi acusado de evadir o pagamento de imposto de renda de 2007 a 2009 do fisco espanhol. O caso foi amplamente discutido por anos na Espanha, sendo o atacante argentino condenado em sentença de 21 meses de prisão no início de 2016, porém não foi obrigado a cumprir pena de reclusão. Neste processo, Messi foi considerado culpado de sonegar cerca de € 4,1 milhões das autoridades espanholas, sendo a maior parte dessa receita entendida como proveniente de direitos de imagem. Da mesma forma, seu nome foi vinculado ao escândalo do Panama Papers, por supostamente ter usado um escritório de advocacia panamenho para manter fundos no exterior não declarados ao fisco espanhol e, portanto, evitar o pagamento de impostos sobre essa renda naquele país.
Como fundamento para a exigência dos tributos sobre a renda, o fisco espanhol propõe que a criação dessas empresas offshore pelos jogadores de futebol e a correspondente cessão de seus direitos de imagem é uma clara simulação com o único propósito de evadir receitas tributáveis e evitar o pagamento de impostos sobre a renda de rendimentos do trabalho daqueles atletas no país. Ao invés de considerar um rendimento de trabalho, os jogadores recebem os direitos de imagem e mantém referidos valores longe do fisco espanhol, mais precisamente em paraísos fiscais, os quais possuem tributação mínima ou inexistente sobre esta renda.
A questão reside no seguinte ponto: os profissionais que são considerados residentes na Espanha, de acordo com as regras previstas pela legislação espanhola, serão tributados sobre os seus rendimentos em nível mundial perante o fisco espanhol. Já para o não residente, este será tributado apenas sobre os rendimentos obtidos naquele país por meio de retenção da fonte pagadora espanhola. Para evitar a fuga de receitas, o fisco espanhol impôs que, mesmo que os profissionais provem a sua nova residência em um local de tributação mais favorável e deixaram de ser residentes na Espanha, estes atletas não vão perder o seu status de contribuintes do imposto de renda no período de tributação em que ocorreu a mudança de residência e também nos quatro exercícios fiscais seguintes. Para fugir dessa regra para as pessoas físicas, a transferência de fontes de rendimentos, como os direitos de imagem, para uma empresa offshore poderia evitar a tributação de até 48% de alíquota máxima de imposto sobre essa renda.
Segundo o Supremo Tribunal Espanhol, os direitos de imagens possuem natureza personalíssima, mas também conteúdo financeiro, especialmente ao se tratar de artistas e esportistas famosos, para possível uso nos meios de comunicação, na publicidade, marketing, etc., mas o exercício de um direito econômico sobre a própria imagem não pode superar a sua natureza indisponível e fundamentar uma cessão ilegítima para reduzir a carga tributária.
Assim, pela combinação do decreto real 1006/85 e a lei 35/06, os rendimentos profissionais obtidos como resultado da exploração dos direitos de imagens dos atletas devem se sujeitar ao Imposto de Renda das Pessoas na Espanha, já que tais receitas são conectadas com suas atividades profissionais naquele país. Ademais, segundo o fisco espanhol, a natureza simulada da operação de cessão dos direitos de imagem para estas empresas em paraísos fiscais e a falta de fundamento negocial da arquitetura corporativa mencionada acima evidencia que a suposta fraude criada não pode ser imposta ao fisco espanhol (vide decisões datadas de 1/7/08, 16 e 26/11/09, todas da Câmara Administrativa daquele país).
Com a mesma preocupação do fisco espanhol, o Congresso Nacional do Brasil alterou, em 2015, a lei 9.615/98, com o fim de limitar a cessão dos direitos de imagem, para uma pessoa jurídica, em até 40% do valor total da remuneração do atleta. Porém, a limitação de 40% se aplica aos valores pagos pelos clubes e afins e não por terceiros, como fornecedores de produtos esportivos.
Não obstante as normas acima terem flexibilizado a questão, diversos atletas foram e são alvos de autos de infração pela Receita Federal com fundamento no abuso de forma pelo uso de empresas apenas para reduzir tributos. Segundo a própria Receita Federal, mais de 400 atletas e artistas responderam por autos de infração pela Receita Federal desde 2003, superando o valor autuado de meio bilhão de reais. Os julgamentos emblemáticos de jogadores de futebol que tratam da questão são de Neymar e Alexandre Pato.
No caso de Neymar, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF analisou a pretensão fiscal de cobrar o imposto de renda diretamente da pessoa física relativos aos valores recebidos por uso de imagem e pela remuneração recebida por sua contratação pelo Barcelona. Nesse julgamento, o CARF considerou válida a exploração do direito de imagem pela pessoa jurídica existente e que possui substância negocial, mas manteve a autuação em relação aos rendimentos recebidos pelo Santos no Brasil, por considerar essa parte da receita tem como contrapartida a retribuição pelo trabalho no clube.
No caso de Alexandre Pato, o CARF julgou válida a autuação fiscal e manteve a tributação das receitas de direitos de imagem pagas pelo clube de futebol e de empresa de materiais esportivos como devidos pela pessoa física, além de considerar que o rendimento derivado de sua venda para o Milan como tributáveis pela pessoa física. Esse julgamento é de Fevereiro/17 e traduz uma tendência do CARF em considerar que os valores fixos e mensais pagos pelo clube aos jogadores de futebol, por meio de empresa constituída para esse fim, não podem ser considerados pagamentos pelo direito de uso de imagem se constatado que a remuneração seja em decorrência do trabalho do atleta no clube, incidindo o imposto de renda na pessoa física.
Embora tenhamos apenas uma discussão nascente sobre a utilização de pessoas jurídicas de titularidade de jogadores de futebol para receber direitos de imagens dos atletas, esta discussão ainda não tangenciou os eventuais rendimentos pagos aos jogadores com domicílio fiscal no Brasil que recebem direitos de imagem e patrocínio no exterior. Tal investigação poderá crescer no Brasil, já que o mercado nacional se tornou atrativo para diversos jogadores estrangeiros, inclusive já existem sessenta e oito estrangeiros na elite do futebol só em 2017 (fonte: Correio Braziliense). Outro ponto de interesse fiscal é a crescente repatriação de jogadores brasileiros ao solo nacional, muitos com potencial renda estrangeira que podem ser objeto de tributação nacional.
Outro cenário de atenção é o notável celeiro de jogadores do Brasil exportados para o mundo. Só em 2017, mais de 1.200 jogadores foram jogar no exterior (fonte: CIES - Observatório para o Futebol). Não existem dados sobre quantos jogadores reportaram sua saída definitiva do Brasil ao Fisco e se possuem contratos de cessão de imagens no exterior, mas a possibilidade de questionamento do Fisco Brasileiro sobre a renda mundial auferida pelos atletas existe e já foi objeto de julgamento no passado.
Esse foi o caso do ex-jogador de futebol Falcão, que jogou no Japão, e o fisco nacional buscou tributar sua renda naquele país. O Superior Tribunal de Justiça reconheceu que a autuação era improcedente, já que fonte da receita era japonesa e lá foi oferecida à tributação, respeitando-se o acordo de bitributação entre os dois países, assim como considerou que a comunicação de saída definitiva do jogador ao fisco nacional, antes de auferir as receitas estrangeiras, tornou insubsistente a tributação nacional.
Com a crescente troca de informações entre os Fiscos de diversos países por tratados internacionais, pode ser cada vez mais crescente a disputa pela tributação dos rendimentos dos atletas internacionais, ainda mais pelas cifras envolvidas nos negócios atuais, sendo claro que o fisco brasileiro estará atento a esta fatia do bolo.
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*Rodrigo A. Lazaro Pinto é sócio de Fleury, Coimbra & Rhomberg.