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PGR e ADI 5874: os limites do indulto e os reflexos nas ações penais de combate à corrupção política brasileira

o argumento que sobrevive ao debate é tão somente baseado na razoabilidade e, factualmente, no efeito prático sobre apenados de ´´colarinho branco´´ alcançados pela ´´Operação Lava Jato´´ e outras de resultados e atores semelhantes.

2/1/2018

A Procuradora-Geral da República, Raquel Elias Ferreira Dodge, no dia 27 de dezembro de 2017, ajuizou perante o Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5874) contra o decreto de Indulto Natalino de 2017 (decreto 9.246, de 21 de dezembro de 2017)1 , sob o argumento de que concederia indulto com uma série de afrontas à Constituição da República.

De fato, como o decreto de indulto é ato normativo dotado de generalidade, de abstração e de autonomia, ele possui a característica de primariedade normativa exigida para que se lhe ajuíze o controle concentrado de constitucionalidade e, superada a questão do cabimento da medida, sustenta a Procuradora-Geral ter havido excesso no decreto, pois que foi além dos limites da discricionariedade que lhe é peculiar para atingir o status de arbitrário, violando o princípio da separação e da harmonia dos poderes (Executivo e Judiciário); em suas palavras: ''não é dado ao Presidente da República extinguir penas indiscriminadamente, como se seu poder não tivesse limites: e o limite do seu poder, no caso de indulto, é o livre exercício da função penal pelo Poder Judiciário''.

O argumento de desrespeito a limites vem do fato de que, historicamente, somente o vigente decreto ousou beneficiar todos os condenados que houvessem cumprido 1/5 da pena imposta, sem estabelecer qualquer limitação quanto ao patamar máximo de pena aplicada. Numa retrospectiva histórica, Raquel Elias Ferreira Dodge mostra que desde 1999 (decreto 3226) até 2006 (decreto 5993) – excetuado o decreto 3667 do ano de 2000 – a comutação (indulto parcial) seria cabível quando a pena aplicada fosse inferior a 6 anos e já tivessem sido cumpridos mais de 2 anos; no período de 2007 (decreto 6294) até 2009 (decreto 7046) essa comutação teria sido ampliada para condenações a penas de no máximo 8 anos, mantida a exigência de cumprimento de pelo menos 1/3 dela para concessão do benefício; por fim, no período de 2010 (decreto 7420) até 2016 (decreto 8940) teria havido nova ampliação para apenados de até 12 anos e mantida o cumprimento de 1/3.

Mais que simplesmente aduzir ter havido violação do princípio da razoabilidade, a Procuradora-Geral da República chega a afirmar que o decreto 9.246, de 2017, ''será causa única e precípua de impunidade de crimes graves, como aqueles apurados no âmbito da ''Operação Lava Jato'' e de outras operações contra a corrupção sistêmica e de investigações de grande porte ocorridas nestes últimos anos''.

Outro argumento apresentado na ação é de que o decreto 9.246, de 2017, teria violado o princípio constitucional da individualização da pena (Art. 5º, XLVI); nesse ponto, a autora elabora interessante operação de lógica jurídica; afirma que tal e qual se impõe ao Poder Judiciário individualizar a pena, igualmente se exigiria ao Chefe do Poder Executivo ao conceder o indulto, à medida em que exerce atipicamente função jurisdicional, decretando a extinção da punibilidade.

Todavia, não nos pareceu tão feliz outro argumento em que se afirma que a edição do decreto 9.246, de 2017, teria ferido o artigo 62, § 1º, I, ''b''2, da Constituição Federal, pois que o instituto do indulto teria ''finalidade de correção de injustiças pontuais'' e, no caso, teria se mostrado mais que isso: uma ''verdadeira norma descriminalizante'', traduzindo-se em vedada ação legiferante do Poder Executivo em matéria penal. Nossa crítica se justifica porque não há que se confundir a espécie normativa ''decreto'' com diversa norma ''medida provisória'', o que é algo de que não se pode esquivar uma autoridade jurídica de expressão nacional como o é aquele que ocupa o cargo de Procurador-Geral da República. O mesmo se diga em relação ao argumento de que o decreto 9.246, de 2017, teria ferido os limites postos na Constituição da República por seu artigo 5º, XLII (''a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos''); ora, aquilo em que a norma constitucional já opera clara e expressa vedação não se faz necessário repetir no decreto de indulto; haveria inconstitucionalidade aviltante caso o decreto concedesse indulto nos casos em que a lei maior o proíbe...

A nosso ver a ação é fadada ao fracasso pela inconsistência de seus argumentos, ainda que possa representar o legítimo anseio daqueles que operaram, aplaudiram ou viram o ideal de justiça igualitária a partir das ações de combate à corrupção em nosso país.

Ora, o indulto é uma das espécies de ''clementia principis'' historicamente adotada pelo Brasil e por todas as repúblicas civilizadas, como medida humanitária de extinção da punibilidade a ser conferida pelo chefe do Poder Executivo.

Uma confusão em que alguns operam é a de afirmar que incida em inconstitucionalidade a concessão de indulto com dispensa de parecer de órgãos colegiados 3. De início, merece destaque que, quando a lei de execução penal, por seu artigo 70, atribuí ao Conselho Penitenciário o encargo de emitir parecer sobre indulto e comutação de pena, a norma se refere a um órgão estadual e ao processo de avaliação de uma das formas de indulto – o indulto individual, também denominado ''graça'' – e não ao indulto coletivo parcial (comutação da pena) ou indulto coletivo total, decretados exclusivamente pelo Presidente da República com fundamento direto na norma constitucional4 que, frise-se, é clara em atribuir facultatividade à participação de qualquer outro órgão na avaliação das regras e limites para a concessão do benefício.

No mais, o argumento que sobrevive ao debate é tão somente baseado na razoabilidade e, factualmente, no efeito prático sobre apenados de ''colarinho branco'' alcançados pela ''Operação Lava Jato'' e outras de resultados e atores semelhantes. Ainda assim, sem respaldo jurídico consistente a tese de limitação dos poderes da ''clementia principis'', seja recorrendo à interpretação histórica, à interpretação literal, teleológica ou a qualquer outro recurso de hermenêutica.

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1 Art. 1º O indulto natalino coletivo será concedido às pessoas nacionais e estrangeiras que, até 25 de dezembro de 2017, tenham cumprido: I - um quinto da pena, se não reincidentes, e um terço da pena, se reincidentes, nos crimes praticados sem grave ameaça ou violência a pessoa; Art. 2º O tempo de cumprimento das penas previstas no art. 1º será reduzido para a pessoa: [...] § 1º A redução de que trata o caput será de: I - um sexto da pena, se não reincidente, e um quarto da pena, se reincidente, nas hipóteses previstas no inciso I do caput do art. 1º; Art. 8º Os requisitos para a concessão do indulto natalino e da comutação de pena de que trata este decreto são aplicáveis à pessoa que: I - teve a pena privativa de liberdade substituída por restritiva de direitos; II - esteja cumprindo a pena em regime aberto; III - tenha sido beneficiada com a suspensão condicional do processo; ou IV - esteja em livramento condicional. Art. 10. O indulto ou a comutação de pena alcançam a pena de multa aplicada cumulativamente, ainda que haja inadimplência ou inscrição de débitos na Dívida Ativa da União, observados os valores estabelecidos em ato do ministro de Estado da Fazenda. Parágrafo único. O indulto será concedido independentemente do pagamento: I - do valor multa, aplicada de forma isolada ou cumulativamente; ou II - do valor de condenação pecuniária de qualquer natureza. Art. 11. O indulto natalino e a comutação de pena de que trata este decreto são cabíveis, ainda que: I - a sentença tenha transitado em julgado para a acusação, sem prejuízo do julgamento de recurso da defesa em instância superior; II - haja recurso da acusação de qualquer natureza após a apreciação em segunda instância; III - a pessoa condenada responda a outro processo criminal sem decisão condenatória em segunda instância, mesmo que tenha por objeto os crimes a que se refere o art. 3º; ou IV - a guia de recolhimento não tenha sido expedida.
2 Art. 62. [...] § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I - relativa a: [...] b) direito penal, processual penal e processual civil;
3 Sustentando a inconstitucionalidade: RIBEIRO, Rodrigo de Oliveira. Falta de parecer do Conselho Penitenciário é inconstitucional. Revista Consultor Jurídico, 5 de janeiro de 2014. Disponível em: Falta de parecer do Conselho Penitenciário é inconstitucional. Acesso em: 28 dez. 2017.
4 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei;

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*Azor Lopes da Silva Júnior é doutor em Sociologia, mestre e especialista em Direito. É advogado, professor universitário e Presidente do Instituto Brasileiro de Segurança Pública.

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