O direito tem seu nascedouro na interação social entre indivíduos e destes com o Estado, sendo tais relações claramente marcadas por pontos de atrito, limites e necessidade de estabelecimento de um padrão comum de resolução desses conflitos, para que as diferenças sejam equalizadas e a sociedade prossiga seu curso evolutivo.
Sob essa ótica, em suma, nasceu o direito e por essa tônica simples, intuitiva e óbvia é que ele se desenvolve. O direito, portanto, não é uma ciência capturada pela genialidade de alguém à frente do seu tempo, com a capacidade de ver além do horizonte da imensa maioria dos demais.
O direito é justamente o óbvio e o racional da sua existência. Pode-se imaginar que tenha surgido do primeiro desentendimento social que necessitava ser resolvido, perdura até hoje e existirá eternamente e em constante evolução, e é isso que faz dele uma instituição essencial na sociedade: a evidência de que o direito é indispensável à sociedade organizada.
Dessa direção sobre o quanto o que é considerado evidente é importante para a sociedade, também se pode facilmente intuir que a obviedade também merecia melhor guarida no direito e na atividade jurisdicional brasileira, reconhecida por ser lenta.
O novo Código de Processo Civil, visando a garantir a tutela do evidente em detrimento da demora processual injustificável diante da obviedade do direito de seu titular, traz consigo o artigo 311 que disciplina a chamada ''tutela de evidência'', promovendo, assim, a normatização da ''tutela do evidente''.
Antes requisito para a antecipação da concessão de uma tutela jurisdicional destinada a ser obtida em momento posterior – fummus boni juris, plausibilidade do direito alegado, manifesta procedência da tese deduzida -, o ''evidente'' foi alçado pelo Novo Diploma Processual ao status de ''instituição''.
Assim previu a lei processual no dispositivo acima indicado:
''Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;
II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;
III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;
IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.''
Para explicar o racional de existência da tutela de evidência, importante citar a sintetização do pensamento do ilustre ministro Luiz Fux acerca do instituto, confira-se:
''Luiz Fux assegura que a tutela da evidência, assim como a tutela antecipada e a tutela cautelar, são baseadas na urgência, já que o processo ordinário com sua lentidão gerará um atraso na satisfação da pretensão.
Na tutela da evidência, o tipo do direito lesado ou prestes a ser lesado, considerado como direito evidente, caracteriza a espera da parte como injusta. O Ministro do STF utiliza como requisito da tutela de evidência a forma como o direito se apresenta, e não a verossimilhança.
Para o citado autor, a tutela da evidência é baseada no direito evidente, ou seja, aquele direito que é manifestamente claro pelas provas apresentadas ao juiz acerca de sua plausibilidade. É evidente o direito que pode ser, prima facie, afirmado através de prova documental.''
(DIDIER JR. Fredie. Procedimentos Especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório. Capítulo ''Da tutela provisória: um esboço da conceituação e classificação da antecipação dos efeitos da tutela, da tutela cautelar e da tutela de evidência, Frederico Augusto Leopoldino Koehler e Gabriela Expósito Tenório Miranda, Salvador, Editora JusPodivm, 2015, pág. 157).
Eis aqui o robusto racional da existência da tutela de evidência: ela prescinde da urgência de evitar risco concreto para ser deferida, pois, ao se deparar com situação em que o direito salta aos olhos, seria injusto, indevido, incorreto, impedir o sujeito de obter a concretização de direito tão claro, claro suficientemente a ponto de a não concessão desse direito de logo ser causa de notória injustiça.
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*Igor Guilhen Cardoso é sócio de AGM – Almendro, Guilhen e Madrigano - Advogados.