A contagem regressiva para Suzane von Richtofen
Antonio Baptista Gonçalves*
17 de julho de 2006. Se nenhum fato extraordinário ocorrer este será o dia decisivo para Suzane von Richtofen. E assim o será por começar um dos julgamentos mais esperados de todos os tempos.
E o sentimento de revolta que impera na sociedade brasileira não se consolidou apenas pela menina que participou do
Afinal, inicialmente, a justificativa foi de que estava subjugada aos interesses dos irmãos Cravinhos, especialmente Daniel, seu namorado na época. Depois alegou que gostaria de ter sua liberdade restituída, pois seus pais a reprimiam em demasia, e a única alternativa encontrada por ela foi “encerrar” com os problemas e ter a liberdade completa.
O fato é que de 31 de outubro de 2002, curiosamente, dia das bruxas, até o dia 17 de julho de 2006 pouca coisa irá mudar. Afinal, a liberdade tão pretendida nunca chegou. Pelo contrário, existe uma grande chance de ser condenada e permanecer presa por um longo período.
Além disso, a menina, aparentemente inocente, nunca terá acesso à herança daqueles que abreviou a vida visto que foi excluída do processo sucessório.
Então a grande pergunta sem resposta é: valeu a pena?
A resposta é uníssona: não ! Afinal perdeu a liberdade, o dinheiro e a vida que tinha pela frente. De menina de classe média alta passou a ser de presidiária. Não parece uma grande progressão.
Obrigatoriamente surge a pergunta de toda mãe faria: então por quê? Provavelmente esta resposta nem a ex-adolescente teria, todavia, seus advogados surgem com a resposta: amor!
Tudo o que ela fez foi por amor a Daniel Cravinhos. Interessante tal afirmação. Matar os próprios pais, porque ainda não tinha plena consciência de seus atos, por ser recém saída da adolescência, e querer viver um conto de fadas com seu grande amor. E o único impeditivo eram seus pais.
A única alternativa entre a felicidade absoluta era a aprovação dos pais. E estes, segundo ela, nunca dariam. Então, por amor, concordou com seu amado em retirar o “entrave” que existia entre eles.
A explicação é, no mínimo, peculiar, ainda mais vinda de uma pessoa que estudava numa Faculdade..... de Direito, ou seja, tinha a exata proporção do que estava fazendo, e mais, de quais seriam as conseqüências. E, ainda assim o permitiu, mas o fez por amor.
Analisemos então a relação amorosa de Suzane: um jovem com 21 anos na época, chamado Daniel Cravinhos, que não era do mesmo meio social da namorada, não tinha a menor chance de ser comparado financeiramente com ela, e por que não dizer, nem tinha o mesmo estudo também, afinal Suzane já estava na faculdade e ele trabalhava com aeromodelismo.
Ao mesmo tempo, o pai de Suzane um grande executivo propiciou à filha todo o conforto e oportunidades que um jovem poderia sonhar, vê sua filha se envolver com uma pessoa que não é de seu agrado e tenta, sem sucesso, dissuadir a filha de terminar a relação.
O final da disputa todos sabemos, mas um fato importante talvez tenha passado despercebido do imaginário das pessoas: a real motivação da jovem!
Neste ponto a tese da defesa caminha para sentido diverso da apresentada nas linhas abaixo.
A tese suscitada por nós não é amor a Daniel Cravinhos, mas sim a falta de amor de Suzane para com seus pais. Esta obviedade não é assim tão simples quanto parece, porque na verdade, estamos falando apenas na conseqüência. A causa foi originada pelos próprios pais de Suzane. Expliquemos.
Geralmente os pais são sempre os “culpados” pelas frustrações dos filhos, seja na vida amorosa, como na escolar, e a resposta mais comum é: ‘eles não me entendem’.
Numa família com estrutura sólida e uma unidade tais problemas são facilmente contornados, mas as mesmas questões se tornam mais delicadas quando a questão envolve dinheiro.
Pais com vidas atribuladas, que viajam muito, chegam tarde e saem cedo, às vezes não enxergam a carência de seu filho e pensam que enquanto este estiver com saúde e com dinheiro tudo estará resolvido, mas a vida não é construída apenas desses dois fatores.
O segundo problema surge quando os pais cometem um erro corriqueiro de propiciarem a seus sucessores uma vida melhor do que a que eles próprios tiveram.
Neste exato momento os jovens adquirem uma coisa muito perigosa e que não sabem lidar ainda: o poder.
Sem um mínimo equilíbrio familiar, com atenção, carinho, afeto, o jovem não tem a estabilidade emocional necessária de lidar com o poder que seus pais lhe deram, e por isso se volta contra os próprios.
Inicialmente essa ausência familiar se transforma numa carência que vai se acumulando e se transmutando em uma ira ao passo que esse jovem começa a conviver com famílias de muito menos recursos, mas muito mais felizes.
E aos jovens que não conseguem compreender como os menos ricos são mais felizes, e ao notar que seus pais não conseguem lhe dar a atenção devida, escolhem caminhos alternativos de existência, os autênticos refúgios.
Passam a conhecer o mundo das drogas, ou a realidade da depressão, ou pior, a planejar uma vingança contra os responsáveis pela sua infelicidade. Foi o caso de Suzane von Richtofen.
Quando perceberem a besteira que fizeram não existirá mais volta e só restará o que mais lhes prejudicou: o dinheiro da herança. E no caso de Suzane nem isto lhe restou.
Não haverá mais os pais para protegê-la e escondê-la da dura realidade da vida. A justiça enfim encontrará seu infrator. E a família deixou de existir. A demonstração de poder se volta contra quem o concedeu. No entanto, este é o resultado, os crimes atuais são conseqüências e não causas do problema.
Nem por isso ela deve ser absolvida. Carência não pode ser um elemento motivacional suficiente para tirar a vida de quem quer que seja, muito menos de seus pais.
Suzane provavelmente será condenada e seu futuro será o mundo prisional, isso é indiscutível e estamos de acordo com a punição, mas o desequilíbrio familiar não pode passar despercebido. Esta menina é um exemplo de revolta, infelicidade.
A conseqüência será enfrentada por ela, mas que não cause espanto aos demais, sobre os motivos da menina. Não concordamos com eles, mas apesar de injustificável, é muito mais plausível do que a morte dos pais por amor a Daniel.
A morte foi premedita e atroz, uma vingança. Se os pais foram ausentes nunca saberemos, mas é a única explicação possível. E que a pena a faça refletir sobre a besteira feita, e que sirva de exemplo aos jovens revoltados, pois sentem e conversem com os pais, mas que jamais escolham ficar sem eles. O preço é muito, muito caro!
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*Advogado, membro da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB/SP
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