Há muito tempo existe um firme desejo por parte dos meios de comunicação e da elite nacional em reduzir a maioridade penal no país. A idade mínima de 18 anos para responder a delitos está sendo questionada e há quem defenda esta redução para 16 anos. O caso "João Hélio", ocorrido em 2007, foi o estopim para esse tipo de ideologia. Mas afinal, esta redução iria ser vantajosa para a sociedade ou geraria retrocessos?
Casos como o do menino João Hélio - e muitos outros que aparecem diariamente na mídia - morto por um jovem de 18 anos e um menor de 16 anos e de tantas outras vítimas (crianças e adolescentes) são constantemente exibidos nos meios de comunicação de massa para produzir indignação e revolta por parte da população, para que a mesma seja condescendente com a execução sumária de "criminoso", com a tortura de presidiários, com a flexibilização de princípios penais e processuais penais dos acusados etc.
Inclusive há Projeto de Emenda à Constituição tramitando para ser votado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). A PEC 33/2012 diminui a maioridade penal nos casos em que menores infratores cometem os crimes hediondos elencados na lei 8.072/90, como estupro, latrocínio, lesão corporal seguida de morte, favorecimento à prostituição e exploração sexual de crianças, adolescentes e vulneráveis etc.1
Entretanto, o endurecimento de condutas da nossa polícia e o aumento das penas previstas em nosso Código Penal não são e nem vão ser a solução rápida e pronta para a criminalidade. Não é o fortalecimento da penas que faz uma pessoa obedecer as leis, mas sim a certeza de punição pelo delito praticado.
De novo há a discussão de se possibilitar a violação da cláusula pétrea prevista no artigo 228 da Constituição Federal (o qual reza que os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis) conforme preceitua o artigo 60, § 4º da CF/88 em vez de se pensar medidas para dar concretude a proteção integral estabelecida pelo artigo 227 da CF/88. 2
Ademais, deve-se levar em consideração o fato de nossos presídios estarem lotados e de não cumprirem com sua função precípua, qual seja, a de ressocializar quem neles ingressa. Pelo contrário, o que se observa é um sistema penal segregador, o qual fragiliza e desestrutura laços sociais e familiares, seletivo, uma vez que nem todos se configuram como clientes do cárcere e estigmatizante, pois quem nele entra, para sempre fica marcado.
O discurso expansivo da criminalização de condutas não pode ser justificado sob a opressão e a incompreensão social alheia. O clamor libertador de Barrabás não pode ser reproduzido contra os adolescentes, pois o Estado não cumpre com o ideal ressocializador. 3
Aqueles que defendem a redução da maioridade penal argumentam que se um jovem de 16 anos pode votar, este também deveria ser passível de responsabilização criminal. Entretanto, esta afirmação não merece prosperar, pois a discussão deve ir para o terreno do que pode vir a acontecer, isto é, se eles fossem para as prisões, estas lhe serviriam como escolas do crime. 4
Não é aconselhável, nem digno que nossas crianças e adolescentes fiquem sujeitos ao tratamento dessas instituições penais. Ademais, os próprios são inimputáveis segundo o artigo 27 do Código Penal. Ainda há aqueles que afirmam que desse modo os "menores" – nome este que já carrega em si o estigma de infrator – podem fazer livremente o que bem entenderem, argumento este que não deve prosperar, já que os mesmos "são regulados" pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
No ECA, as crianças e adolescentes que praticam atos infracionais sofrem medidas socioeducativas – estas tendo o período máximo de três anos – para que os mesmos possam ter a oportunidade de ressocialização e poderem voltar para o bom convívio com as outras pessoas no seio social. Acredita-se na regeneração do indivíduo. O Brasil deve ser um exemplo de República e Democracia para seus jovens e não um exemplo de Estado punitivo.
Em posição intermediária, um tertius genes seria possível não reduzir a maioridade penal, mas adotar ajustes no ECA, cujas medidas socioeducativas, modalidades, tempo de cumprimento, procedimento, reincidência, atos infracionais de extrema gravidade poderiam se sujeitar a reformas pontuais para que a sensação de impunidade seja aplacada no bojo da sociedade.5
Por fim, cumpre registrar que o nosso Estado deve combater as causas e não as consequências da criminalidade infanto-juvenil, isto é, o Estado deve prezar mais pelo Direito Constitucional – direitos como saúde, educação, moradia, alimentação e segurança - do que pelo Direito Penal, direito este que via de regra produz violências, traumas, estigmas, segregações.
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1 Maioridade Penal: Senado adia votação de PEC pró-redução. Set. 2017. . Acesso em 14 dez.17.
2 LAVIGNE, Juliana. Reduzir a maioridade penal não atinge o âmago do problema. Revista Consultor Jurídico, nov. 2017.
3 Maia, Mauricio Casas. Entre a libertação de Barrabás e a redução da idade para maioridade penal: Por que temer os cidadãos de bem? jun. 2015. Acesso em: 13 dez. 17.
4 MELLO, Eduardo Queiroz de. A violência e a questão da maioridade penal. Migalhas, abr. 2017.Acesso em: 13 dez. 17.
5 Lima Júnior, José César Naves de. Manual de Criminologia. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 197
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*Alexandre José Trovão Brito é advogado, especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Seccional Maranhão.