É inegável que os eventos esportivos ganharam com o passar dos anos, devido a sua universalização e massiva divulgação, um status comercial e empresarial que demanda a exploração da imagem dos atletas diretamente envolvidos nos espetáculos. Objetivando lucro, as entidades de práticas desportivas fazem uso da imagem de seus atletas para fins de comercializar variados e diferentes produtos que estão atrelados a sua marca enquanto clube.
Ocorre que referida prática, para se tornar viável, exige uma formalidade legal, cujo ponto principal encontra-se no fato da obrigatoriedade de celebração de um contrato para que os atletas possam ceder suas imagens ao clube, cuja contraprestação dar-se-á mediante a remuneração deste em troca da permissão concedida.
Assim, em face da constante confusão que emana dos diversos entendimentos doutrinários e/ou jurisprudenciais do nosso ordenamento jurídico, o presente artigo tem como objetivo tecer algumas considerações acerca de duas das principais figuras jurídicas existentes no direito desportivo – Direito de Imagem e Direito de Arena - cujas existências se dão paralelamente à existência do contrato de trabalho do atleta profissional, diferenciando-as quanto as suas origens, bases legais e natureza jurídica.
A Constituição Federal/88, em seu Artigo 5º, incisos V, X e XVII, assegura ao cidadão a proteção a sua imagem, não podendo esta ser violada em hipótese alguma. Assim, encontramos no artigo acima citado a base legal e primeva dos direitos que serão aqui debatidos.
Ocorre que, como dito no tópico específico, parte da doutrina e jurisprudência tratam dos institutos jurídicos – Direito de Imagem e Direito de Arena – como se estes fossem a mesma coisa, gerando os mesmos direitos e obrigações, o que não deve ser tolerado. Até porque, assim o fazendo, corremos o risco de prejudicar sobremaneira o entendimento advindo das consequências práticas desta não diferenciação.
Como é sabido, um atleta possuirá vínculo de emprego quando estiverem presentes os elementos encontrados no Artigo 3º da CLT, que trata especificamente da definição de empregado, quais sejam: continuidade, subordinação, onerosidade, pessoalidade e alteridade. Portanto, ao ser contratado por uma entidade de prática esportiva, estando presentes todas as características contidas no artigo 3º da CLT, surgirá o vínculo desportivo entre aquela e o atleta.
E, paralelamente ao contrato de trabalho especial do atleta profissional, surgem as figuras dos contratos que exploram a sua imagem, quais sejam: Direitos de Arena e Direitos de Imagem. Assim, não é ocioso destacar que o fato gerador dos referidos direitos é a veiculação da imagem do atleta. Porém, suas semelhanças param por aí.
Inicialmente, cumpre esclarecer que a própria lei que rege os dois institutos - lei 9.615/98 (Lei Pelé) – trata de diferenciá-los:
Art. 42. Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem.
Art. 87-A. O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo
Assim, da leitura dos artigos supramencionados, podemos afirmar que o Direito de Arena possui natureza legal, decorre diretamente do evento esportivo no que tange a sua exposição e é pago por terceiro pela divulgação deste como parte integrante do espetáculo, sendo o empregador, entidade desportiva, um mero intermediário.
São valores oriundos de contratos firmados entre as entidades de prática desportiva (empregadores) e os meios de comunicação autorizados a transmitirem os jogos de futebol. Ou seja, referidos valores pertencem ao clube e não ao atleta, que repassa a este de acordo com a porcentagem legal.
Álvaro Melo Filho é claro nesse sentido:
"Enfatize-se que 'o direito de arena que alcança o espetáculo desportivo não afasta o direito do atleta à própria imagem, se for destacado do conjunto', ou seja, exclui-se do campo de incidência do direito de arena todas as demais situações onde a reprodução ou a divulgação da imagem não decorram diretamente do espetáculo desportivo ou que independam da autorização da entidade desportiva a que estiver vinculado o atleta. Por isso é que a legislação portuguesa 'inclui' no contrato de trabalho desportivo a 'imagem coletiva' dos atletas dos clubes empregadores, ao mesmo tempo que 'exclui' a 'imagem individual' do praticante desportivo."1
Felipe Legrazie Ezabela também preleciona:
"A diferença crucial mencionada pela doutrina está na titularidade de cada direito. Enquanto que a titularidade do direito de arena pertence à coletividade, representada pela entidade de prática desportiva dos atletas profissionais participantes do espetáculo, quanto ao direito de imagem, a titularidade é dos atletas de forma individual, independentemente de ser profissional ou não, por se tratar de direito da personalidade".2
No que tange ao Direito de Imagem, este diz respeito à exploração da imagem do atleta extracampo, possui natureza contratual e é pago diretamente pelo clube ao atleta mediante formalização do contrato de licença de uso de imagem, onde o objeto da contratação é a imagem individual do atleta para fins comerciais. Aqui, os valores oriundos do Direito de Imagem pertencem exclusivamente ao atleta.
Jorge Miguel Acosta Soares assim define:
"Como já visto, jogador de futebol profissional é aquele indivíduo contratado por uma agremiação desportiva para jogar futebol. Estão desenvolvidas nessa contratação todas as atividades ligadas à pratica do esporte, inclusive a imagem do atleta dentro de campo, exercendo a profissão. Contudo, fora de campo, fora do exercício profissional, sua imagem pessoal, não está inserida nas obrigações de seu contrato de trabalho. Assim, plenamente plausível e lícita a contratação de representação pessoal do atleta por seu clube para associá-la, por exemplo, aos produtos e serviços dos patrocinadores deste"3
No que diz respeito à natureza jurídica dos valores ora discutidos, tem-se que doutrina e jurisprudência divergem demasiadamente sore o tema, o que, de fato, não causa estranheza, em face das diferentes definições e consequências oriundas de suas contratações.
O Direito de Arena, como dito alhures, é pago por terceiros, mediante contrato pactuado entre os clubes e os meios de comunicação autorizados a realizarem a transmissão dos eventos esportivos, assegurando aos atletas que participem das competições parte de tal importância.
Ocorre que tal fato não é o suficiente para descaracterizar sua natureza remuneratória. Isso porque referido contrato decorre do contrato de trabalho propriamente dito, sendo sua remuneração vinculada à participação nos eventos transmitidos pelas redes de televisão.
Não obstante, os valores pagos a tal título, como dito alhures, são responsabilidade de terceiros, mediante contratação destes com as entidades de prática desportiva. Assim, a doutrina majoritária tem atribuído ao direito de arena natureza jurídica remuneratória, aproximando-se do sistema das gorjetas, em face de sua similaridade com as gorjetas.
Aplica-se, portanto, por analogia, o artigo 457 da CLT e a súmula 354 do TST, o que exclui os reflexos no cálculo do aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal e autoriza, contrariu sensu, na gratificação natalina, férias com o terço constitucional e no FGTS, vez que não constitui salário em sentido estrito, mas mera remuneração, por se tratar de valor pago por terceiro e não pelas agremiações esportivas.
Nesse sentido, é a Jurisprudência:
DIREITO DE ARENA. NATUREZA JURÍDICA. A jurisprudência desta Corte tem atribuído natureza jurídica remuneratória à parcela paga ao atleta decorrente do denominado direito de arena. De outro lado, não corresponde a uma parcela paga diretamente pelo empregador, aproximando-se do sistema das gorjetas. Portanto, em face de sua similaridade com as gorjetas, aplica-se, por analogia, o artigo 457 da CLT e a súmula 354 do TST, o que exclui os reflexos no cálculo do aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal e autoriza repercussão em gratificação natalina, férias com o terço constitucional e FGTS. (PROCESSO TST-RR-2960-19.2012.5.02.0036; Relator: ministro Emmanoel Pereira, 5ª Turma, Julgado em 11/02/15)
No que diz respeito ao Direito de Imagem, tem-se que as divergências são um pouco maiores. Incontestável é o fato de que o contrato pactuado para recebimento de tal parcela possui natureza civil, sendo este resultante da relação de trabalho existente entre atleta e clube. É a inteligência do artigo 87-A da lei 9.615/98, após a edição da lei 12.395/11:
Art. 87-A. O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo
Assim, os pagamentos feitos a tal título possuem natureza civil, não tendo repercussão em férias, 13.º salário e incidência do FGTS ou da contribuição previdenciária. Referido pagamento não possui o condão de indenizar algo, vez que inexiste ato ilícito para tanto.
Porém, como comumente acontece, para celebrar o contrato de cessão de direito de imagem, os atletas constituem uma pessoa jurídica para a administração desse direito. Nestes casos, e desde que devidamente provada a intenção de fraudar eventuais direitos trabalhistas, em afronta ao artigo 9º da CLT, os Tribunais têm entendido que o pagamento referente ao direito de imagem possuirá natureza salarial, com a consequente integração na remuneração do atleta para todos os efeitos.
Senão vejamos:
DIREITO DE IMAGEM. NATUREZA JURÍDICA. No que se refere ao direito de imagem, o Tribunal Regional ressaltou que referida parcela era paga com habitualidade, independentemente se houvesse ou não qualquer veiculação da imagem do atleta por parte da reclamada. Esta conduta revela, em verdade, o intuito de burlar os direitos trabalhistas do reclamante. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que verificada a fraude, deve-se declarar o contrato nulo de pleno direito, nos termos do art. 9.º da CLT, atribuindo-se caráter salarial à parcela recebida fraudulentamente a título de direito de imagem e consequente sua integração na remuneração do atleta para todos os efeitos. Precedentes. Recurso de revista não conhecido. (TST, 2ª T, RR - 195300-71.2008.5.15.0002, j. 16/11/15, Rel. Min.: Delaíde Miranda Arantes, DEJT 20/11/15).
Nota-se, assim, que os contratos pactuados referentes ao recebimento dos direitos advindos da exploração da imagem do atleta profissional possuem suas peculiaridades, com vasta doutrina e jurisprudência existente relacionados ao tema.
Apesar de estar inserido no rol dos Direitos Fundamentais, é lícita a possibilidade de exploração deste direito, nos casos em que a veiculação da imagem do cidadão, no caso ora em comento, o atleta profissional, torna-se uma atividade comum.
Paralelamente ao contrato de trabalho pactuado entre atleta e entidade esportiva, em face da exposição e exploração constante da imagem daquele, os clubes se viram obrigados a elaborar contratos para que os atletas pudessem ceder suas imagens ao clube, cuja contraprestação dar-se-á mediante a remuneração deste em troca da permissão concedida.
Portanto, desde que não afronte a legislação trabalhista vigente, caracterizando fraude a fim de burlar direitos trabalhistas dos atletas, perfeitamente cabível a exploração da imagem do atleta profissional, que se dará através dos valores pagos por terceiros (Direito de Arena) ou pagos diretamente pelo clube (Direito de Imagem).
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1 Direito Desportivo – Aspectos Teóricos e Práticos. Ed. Thomson IOB. São Paulo, 2006. pág.132, in O contrato de cessão do Direito de Imagem do Atleta Profissional de Futebol.
2 DELBIN, Gustavo Normanton & RIBEIRO, André de Melo. Aspectos trabalhistas do Contrato de Cessão do Uso de Imagem dos Treinadores de Futebol. p. 242-264 In: MELO FILHO, Álvaro; SÁ FILHO, Fábio Menezes de; SOUZA NETO, Fernando Tasso de; RAMOS, Rafael Teixeira (Org.) Direito do Trabalho Desportivo – Homenagem ao professor Albino Mendes Baptista. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 257, in Distinções entre o direito de Arena e o direito à imagem do atleta de futebol.
3 SOARES, Jorge Miguel Acosta. Direito de imagem e direito de arena no contrato do atleta profissional. São Paulo: Ed. LTr, 2008, p. 83, in Distinções entre o direito de Arena e o direito à imagem do atleta de futebol.
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MACHADO, Fabiana Acosta. Justiça desportiva e justiça comum: conflito constitucional de normas. Revista Novatio Iuris. Disponível em: (Clique aqui);
GRISARD, Luiz Antônio. Pena de Suspensão aplicada pela Justiça Desportiva ao Atleta Profissional de Futebol: reflexos na execução do contrato de trabalho? São Paulo: Suplemento Trabalhista LTr. n. 058/05;
DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 11 ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009;
AGRA, Julia Waddington. Apostila Direito Desportivo. Curso Direito Desportivo/FGV – Realizado entre 06 de julho de 2016 a 5 de agosto de 2016 – Carga horária 30 horas;
BRACKS, Paulo e SALOMÃO FILHO, Paulo César. Gestão de Futebol 2016 – Módulo Direito Desportivo. Pós-Graduação em Direito Desportivo e Negócios no Esporte – CEDIN Educacional.
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Apostila Direito Desportivo – Julia Waddington Agra;
O contrato de cessão do Direito de Imagem do Atleta Profissional de Futebol. Disponível em: (Clique aqui);
Direito à Imagem do Jogador de Futebol. Disponível em: (Clique aqui);
Direito de arena tem natureza remuneratória similar à gorjeta, diz TST.
Distinções entre o direito de Arena e o direito à Imagem do atleta de futebol.
TST.
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*Euler Márcio Lelis Barbosa é advogado, graduado pela FDSM (Faculdade de Direito do Sul de Minas) e Pós-graduando em Direito Desportivo e Negócios no Esporte pelo CEDIN.