Há alguns dias, a imprensa nacional divulgou, à exaustão, o fato de uma blogueira brasileira, residente no exterior que, por meio da internet, teria, em tese, ofendido a honra subjetiva da filha de famoso ator global, chamando-a de "macaca" (sic) e a ela atribuindo outras qualidades negativas e pejorativas, sempre fazendo referência à etnia negra1.
Prima facie, tendo em vista o elemento central do presente estudo, destaca-se que muitos estudiosos do tema ensinam que não há que se falar mais em raça negra, branca, amarela etc., pois a raça é humana. Sendo assim, o que diferencia cada ser humano, sob este aspecto, é a etnia da qual ele provém: negra, branca etc.
Mas, de qualquer modo, é certo que o termo "racismo", justamente pela gravidade da conduta a qual ele nos remete, é empregado de maneira ampla e indistinta, o que pode fazer com que haja certa confusão quanto à tipificação da conduta do agente que chama a vítima de "macaca", por exemplo.
Com efeito, tendo em vista o ignóbil elemento preconceituoso existente no caso em estudo, o crime de racismo parece surgir de modo indisfarçável, fato que não condiz com a correta adequação típica sub studio. Isso porque, como é sabido, o crime de racismo exige, para sua configuração, que a conduta do agente seja segregativa, isto é, valendo-se de elementos preconceituosos, o agente atinge uma coletividade indeterminada de pessoas, discriminando toda uma integralidade de indivíduos de uma mesma etnia, religião ou até mesmo da mesma procedência nacional2.
Apenas a título ilustrativo, poder-se-ia cogitar em crime de racismo se o agente afirmasse que não seguiria negros na rede social, ou que, possuindo um estabelecimento comercial, não aceitaria o ingresso de judeus, evangélicos, japoneses, enfim, que segregasse toda uma coletividade, mediante o emprego de elementos preconceituosos e discriminatórios.
Já a injúria racial é mais restrita, ou seja, a conduta do agente atinge, diretamente, a vítima e, de modo reflexo, a coletividade de pessoas com as mesmas características. Por isso, trata-se de espécie de crime contra a honra, previsto no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal. Então, é forçoso concluir que, em tese, a autora das ofensas ora tratadas teria praticado o crime de injúria racial, pois, valendo-se de elementos preconceituosos, referentes à etnia da vítima, ofendeu sua honra subjetiva, não para atingir e segregar toda a coletividade de pessoas negras e, sim, para ofendê-la, diretamente.
Em suma, para diferenciar estes dois crimes, exemplifica-se:
a) Se um treinador de um time de futebol afirma que não contrata um jogador porque este é negro, comete o crime de racismo.
b) Por outro lado, se o treinador se dirige a um jogador e o chama de "macaco", comete o crime de injúria racial.
E não se pode olvidar, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça, recentemente, firmou o entendimento de que o crime de injúria racial também é imprescritível3, conforme mandado implícito de criminalização disposto no artigo 5º, inciso XLII, da Constituição Federal, in verbis: a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.
Uma vez tipificada a conduta, indaga-se: o crime foi praticado, em tese, no Canadá e a vítima reside no Brasil. Qual lei é aplicada ao caso? Seria uma hipótese de extraterritorialidade da lei penal?
Em um primeiro momento, parece ser o caso da lei penal brasileira buscar a agente residente no exterior e, assim, fazer incidir seus efeitos, mediante o cumprimento de algumas condições (artigo 7º, parágrafo 2º, do Código Penal – extraterritorialidade condicionada).
Todavia, não se pode perder de vista que nosso Código Penal dispõe, no artigo 5º, caput, que ao crime cometido no Brasil aplica-se a lei nacional.
E o crime de injúria (em todas as suas modalidades) possui uma característica bastante peculiar: consuma-se no momento em que a vítima (e não terceiros) toma conhecimento do insulto.
Consequentemente, o crime de injúria racial teria, em tese, se consumado no Brasil, pois a ofendida aqui reside, o que faz com que a lei penal brasileira seja aplicada ao caso de modo integral, sem qualquer condição.
Logo, a polícia civil do Rio de Janeiro tem total competência para instaurar o devido inquérito policial e, se o caso, o Ministério Público do mesmo Estado é quem promoverá a competente ação penal (que é condicionada à representação do ofendido4, conforme o artigo 145, parágrafo único, do Código Penal).
É claro que os princípios do contraditório e da ampla defesa precisam ser respeitados, razão pela qual a pessoa suspeita pode constituir advogado desde logo e, caso seja promovida a ação penal, será citada no exterior para poder se defender dos fatos a ela imputados.
Em apertada síntese, procura-se instigar o debate sobre esta ignóbil conduta que se repete, tristemente, no dia a dia de nossa sociedade e do mundo todo. Por isso, é digna de aplausos a conduta do casal – pais da vítima - que buscou amparo na polícia e no Poder Judiciário, para combater um delito que, mesmo sendo punido com certo rigorismo, vem se arrastando ao longo do tempo.
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1 Bruno Gagliasso denuncia ofensas raciais publicadas contra a filha Titi
2 Artigo 1º da lei 7.716/89.
3 AREsp 686.965/DF.
4 Artigo 24, caput, do Código de Processo Penal.
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