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Estágio de convivência na adoção

Quando se fala em estágio de convivência compreende-se o período de integração entre as pessoas envolvidas no processo de adoção, visando estabelecer bases sólidas para um relacionamento harmônico de caráter afetivo.

3/12/2017

A lei 13.509, de 22 de novembro de 2017, altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90) em muitos tópicos referentes à adoção. A finalidade da novatio legis é, além de modernizar e equacionar a nova realidade social com o instituto da adoção, proporcionar maior celeridade com a redução dos prazos do respectivo processo, levando-se em consideração que há hoje no país cerca de 8.273 crianças e adolescentes disponíveis para adoção e cerca de 41.763 pretendentes devidamente registrados, de acordo com o relatório do Cadastro Nacional de Adoção.

Um dos temas tratados e que mereceu alteração, que será o foco deste breve estudo, é o relacionado com o estágio de convivência que, pela nova lei, fica fixado em até 90 dias, prorrogável por igual período, enquanto que na lei anterior não havia um lapso temporal determinado, ficando a critério da avaliação judicial.

Quando se fala em estágio de convivência compreende-se o período de integração entre as pessoas envolvidas no processo de adoção, visando estabelecer bases sólidas para um relacionamento harmônico de caráter afetivo. Não é uma experiência qualquer e sim uma fase de conhecimento mútuo, natural e necessário para qualquer ser humano. Os romanos bem diziam que adoptio naturam imitatur (a adoção imita a natureza), no sentido de que o adotado será considerado como se filho natural fosse, compreendendo aqui todo o período de conhecimento afetivo.

Daí que, quanto mais nova for a criança, melhor será para o recrudescimento dos laços afetivos pois, em razão da tenra idade, vive em função de seus cuidadores e junto deles procura criar uma base estrutural com a solidez necessária. Nos casos dos adolescentes, porém, aqueles que se enquadram entre 12 e 18 anos de idade, que muitas vezes passaram por mudanças drásticas de ambientes familiares, uma verdadeira via crucis de experiências frustradas, referido estágio, além de ser mais delicado, exige uma dilação maior do lapso previsto na lei, justamente para aparar as arestas de relacionamentos infrutíferos e contornar os traumas que abalaram a formação psicológica e intelectual do jovem. É comum na justiça menorista o casal pretendente à adoção de adolescente, ainda no início do estágio de convivência, relatar uma série de conflitos que impedem a concretização do projeto, com frustração total para as partes envolvidas.

"Toda criança, adverte Sayão, é um ser completo e ao mesmo tempo em desenvolvimento – diversamente das visões anteriores, que viam a criança como ser incompleto, a menos, ou como um adulto em miniatura, que só precisava da experiência para chegar à maturidade, na atualidade tenta-se compreender o desenvolvimento humano como um processo contínuo do nascimento à velhice. Nesta perspectiva, a infância contém em si a humanidade, significando ainda um momento da vida em que as mudanças são rápidas e importantíssimas para o desenvolvimento subsequente. Sujeitos de direitos e sujeitos de conhecimento, as crianças necessitam que o adulto crie condições para que elas experimentem diferentes interações com pessoas, objetos e situações, para poder ser, exprimir-se e agir no mundo. As crianças são curiosas, ativas e capazes, motivadas pela necessidade de ampliar seus conhecimentos e experiências e de alcançar progressivos graus de autonomia frente às condições do seu meio".1

Há, por outro lado, hipóteses em que o juiz poderá, excepcionalmente, deferir o pedido de adoção, como é o caso da adoção intuitu personae, não configurada em lei, mas também não proibida. Nessa modalidade, há a efetivação do estágio de convivência, por tempo muito superior ao proclamado pela lei, em que fica demonstrada a criação de fortes e inabaláveis vínculos afetivos e de afinidade entre os envolvidos. Neste caso, aplica-se o balizamento da lei menorista que recomenda: "Na interpretação desta lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento".2

A criança, que de fato vive razoável tempo na companhia de um casal, nesta situação, já pode ser considerada como um filho. Seria um excesso de preciosismo, desnecessário até, exigir-se como conditio sine qua non a inscrição dos candidatos no cadastro único criado pela lei. A lei preocupa-se, e com toda razão, com casos em que em que não ocorreu a convivência anterior e não com aqueles em que já há uma definição afetiva devidamente consolidada. Daí que a adoção intuitu personae continua ainda presente na nova legislação, mesmo que obliquamente. As mães criadeiras no período colonial do Brasil, que recolhiam as crianças abandonadas na roda dos expostos, mesmo por pouco tempo, cuidavam de amamentá-las e viam nascer o afeto que muitas vezes dificultava a separação.

Mas, o novo prazo estabelecido em lei tem como fator positivo a redução do tempo previsto no procedimento legal. Os interessados que invocam a tutela jurisdicional pleiteando a adoção vivem, durante toda a tramitação do processo, momentos de incertezas e muitas vezes até de insegurança e merecem uma resposta que seja célere, sem, no entanto, prejudicar as avaliações necessárias para a obtenção da medida. O estágio de convivência é de vital importância não só para o entrelaçamento entre as pessoas, mas também para a exploração de todas as qualidades e virtudes recomendadas, daí ser o período propício para fazer brotar o afeto.

E é sabido que todo tipo de relacionamento, em qualquer idade, na realidade, se traduz no afeto, que vem a ser um apego sentimental. A convivência, pode-se concluir, faz com que haja comunicação entre as pessoas, criando vários espaços de sintonia afetiva, mesmo sem o determinismo genético.

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1 Sayão, Yara. Desenvolvimento infantil e abrigamento. Artigo publicado em Cada caso é um caso : estudos de caso, projetos de atendimento / [coordenação da publicação Dayse C. F. Bernardi] . -- 1. ed. -- São Paulo : Associação Fazendo História : NECA – Associação dos Pesquisadores de Núcleos de Estudos e Pesquisas sobre a Criança e o Adolescente, 2010. -- (Coleção Abrigos em Movimento).

2 Artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de justiça aposentado/SP, mestre em Direito Público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, reitor da Unorp e membro ad hoc da CONEP/CNS/MS.




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