Migalhas de Peso

Roubos de cargas – legislação, prejuízos e prevenção

Transportar carga no Brasil é tão perigoso quanto no Iraque ou na Somália, países em que há conflitos armados que se arrastam há anos.

4/12/2017

Em um país em crise política, ética e econômica como o Brasil, quem está crescendo é o crime, que se aproveita da situação frágil dos estados e municípios para agir de maneira audaciosa, ampliando sua área de atuação e seu lucro. No Brasil, onde o transporte de mercadorias é majoritariamente feito por estradas, o crime de roubo de cargas vem assustando empresários, transportadores, motoristas de caminhões e a própria sociedade, que ao final, é quem paga o preço.

O combate ao roubo de cargas no Brasil tem sido dificultado por alguns fatores, entre outros: a) a maior atuação de grandes organizações criminosas, que transformaram esse crime em fonte de financiamento; b) a falta de ações públicas mais rigorosas voltadas a punir, em conjunto, todos os elos da cadeia criminosa; c) a carência de estrutura das forças de segurança diretamente relacionadas ao combate ao roubo de cargas; (d) a falta de repressão ao receptador e a conscientização do comerciante/consumidor quanto a origem do produto adquirido (receptação).

Na tentativa de inibir os fatores acima citados, entre outros, em dezembro de 2015, foi aprovado o decreto 8.614/15 que regulamentou a lei complementar 121, de 9 de fevereiro de 2006, com objetivo de instituir a Política Nacional de Repressão ao Furto e Roubo de Veículos e Cargas e, também, disciplinar a implantação do Sistema Nacional de Prevenção, Fiscalização e Repressão ao Furto e Roubo de Veículos e Cargas. Algumas das medidas foram:

O Sistema envolve quatro Ministérios (Justiça, Fazenda, Transportes e das Cidades), além das Secretarias de Segurança Pública, Dnit, Departamento da Política Federal e ANTT. A coordenação do novo Sistema ficou sob responsabilidade do Comitê Gestor da Política Nacional de Repressão ao Furto e Roubo dos Veículos e Carga, composto por representante, titular e suplente provenientes dos órgãos Senasp, DPF, DPRF, RFB, Susep, Dnit, ANTT e Denatran.

A Lei criou ainda o Sistema Brasil, um sistema de monitoramento de fluxo de veículos, gerido pelo DPRF do Ministério da Justiça. Esse tem a finalidade de integrar e compartilhar os dados e as informações sobre veículos, cargas e passageiros em rodovias e áreas de interesse da União. Esta, por sua vez, subsidiará as ações de prevenção, fiscalização e repressão de órgãos e entidades integrantes do novo Sistema.

Ficou instituído também o PROINT, Programa de Operações Integradas de Combate ao Roubo de Cargas, com que articulará a repressão uniforme ao furto, roubo e à receptação de cargas transportadas em operação interestadual ou internacional. Isto quando houver indícios de atuação de quadrilha ou banco em mais de uma unidade da Federação.

No entanto, toda essa integração e as medidas pertinentes esperadas parecem não ter saído do campo das ideias, considerando que segundo a Associação Nacional de Transporte Rodoviário de Cargas e Logística1 os números de sinistros vem aumentado anualmente, sendo que em 2016 foram registrados 24.563 casos de roubo de cargas no Brasil, totalizando um prejuízo aproximado de R$ 2,3 bilhões, sendo que as estatísticas para o ano de 2017 já demonstram que os índices continuam a piorar.

Este crescimento foi puxado, principalmente, pelos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, com 2.637 e 1.453 ocorrências acima do ano anterior, respectivamente. Juntos, esses estados representaram 87,8% dos registros em 2016, sendo 44,1% em São Paulo e 43,7% no Rio de Janeiro. Considerando as ocorrências registradas no Espírito Santo, em 2016, a região Sudeste concentrou 90,1% dos casos de roubos de cargas no país2.

O Brasil infelizmente é o oitavo país mais perigoso para transporte de cargas. Transportar carga no Brasil é tão perigoso quanto no Iraque ou na Somália, países em que há conflitos armados que se arrastam há anos. Essa é a avaliação de um comitê do setor de cargas no Reino Unido, que listou os 57 países em que é mais arriscado transportar mercadorias. Os dados foram divulgados pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) para alertar sobre o impacto desse tipo de crime na economia3.

As cargas mais roubadas são produtos alimentícios, cigarros, combustíveis, eletrônicos, produtos farmacêuticos, bebidas, têxteis e confecções, autopeças e produtos químicos4. Produtos de alto valor agregado e/ou de fácil revenda.

Enquanto as autoridades públicas não realizam as medidas práticas necessárias para controlar a escalada desse tipo de crime, cabe às empresas, principais prejudicadas, realizarem as medidas possíveis para se prevenirem dos roubos e consequentes prejuízos, bem como agir no sentido de colaborar com as autoridades com todas as informações possíveis sobre os eventuais sinistros sofridos ou que vierem a ser vítimas.

Nesse sentido, as empresas têm contratado consultorias especializadas em controle de risco, gestão de ativos, gestão de rotas, escolta armada, entre outras.

Obviamente, cada empresa possui características específicas a serem analisadas em sua operação, mas, sem qualquer pretensão de extinguir as medidas preventivas possíveis, nossa experiência na matéria tem demonstrado que algumas ações básicas realizadas por profissionais capacitados, podem reduzir significativamente o número de sinistros relativos ao roubo de cargas, como por exemplo:

Além da prevenção, algumas medidas que podem ser tomadas após o eventual sinistro são de fundamental importância para a elucidação dos casos ou até mesmo podem evitar novos sinistros, tais como informar imediatamente a Polícia via 190, o jurídico da Companhia ou o setor responsável, bem como informar o destinatário da mercadoria e comparecer a Delegacia de Polícia Civil mais próxima ao local do roubo e registrar a ocorrência com o maior número de detalhes possível.

Após o registro do Boletim de Ocorrência na Polícia Civil com a devida inclusão do número da Nota Fiscal, dirigir-se até a Delegacia Regional Tributária competente levando o B.O. e a N.F. para solicitar o seu cancelamento. Tal medida é muito importante para evitar que as quadrilhas utilizem as notas para transporte e comercialização da carga roubada.

Outros pontos importantes são a comunicação a praça sobre o roubo, assim distribuidores e comerciantes locais ficarão mais atentos e/ou intimidados em adquirir a eventual mercadoria roubada e também evitando futuras reclamações/acusações quanto à utilização indevida das notas fiscais.

Por fim, a realização de entrevista com o motorista sinistrado e a elaboração de um relatório detalhado e com todos os documentos anexos, incluindo, no mínimo, o Boletim de Ocorrência, Relatório do eventual rastreador do veículo, cópia do disco do tacógrafo, relatório do eventual gerenciador de risco e o encaminhamento de todas as informações ao jurídico ou setor responsável da empresa vítima.

Com base na consolidação das informações recolhidas, a elaboração de um relatório gerencial, estudo dos casos e vulnerabilidades, as empresas têm condições de implementação de medidas preventivas, corretivas e repressivas muito mais eficazes, reduzindo a sinistralidade e os consequentes prejuízos.

Tais medidas inicialmente podem parecer apenas um aumento de despesas e trabalho, no entanto, a contratação de uma consultoria especializada pode mudar o enfoque dessas medidas, que deixam de ser simplesmente um aumento de despesa para se tornarem um investimento em prevenção, tecnologia, podendo reduzir os eventuais sinistros, os valores dos fretes e o valor da apólice de seguro das cargas.

Um trabalho preventivo bem feito pode vir a gerar rotinas e procedimentos mais claros e eficientes, informações mais específicas e detalhadas sobre os eventuais sinistros, suas causas, consequências e principais fatores que podem ajudar a evita-los, reduzi-los ou eventualmente até ajudar as autoridades policiais a solucioná-los.

__________

1 Portal NTC

2 Firjan

3 Correio do Povo

4 Associação Nacional de Transporte Rodoviário de Cargas e Logística

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*Edner de Toledo Alves Bastos é advogado do escritório De Vivo, Whitaker e Castro Advogados, com especialização em Direito Empresarial e pós graduando em Direito Penal e Processo Penal.

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