Apesar da valorização dos métodos alternativos de resolução de conflitos, é surpreendente o comportamento da maior parte dos autores que ajuízam a demanda sem entrar em contato administrativo prévio com a empresa. Este fenômeno precisa ser analisado de forma diferenciada, pois é, sem dúvida, nocivo à efetividade do Sistema dos Juizados Especiais.
Com o intuito de descobrir o perfil desses autores em processos ditos massificados, foram analisados 3749 processos movidos por pessoas físicas no Juizado Especial Cível (JEC) do Rio de Janeiro, em fase de recurso. Encontrou-se a média de aproximadamente cinco processos por autor. Deste montante, 3528 autores moviam outros processos, totalizando 16.975 ações. Foi constatado, também, que um único autor ajuizou cento e quarenta ações num período de cinco anos e que vinte por cento dos autores geram mais de sessenta por cento das ações.
Num universo de 2798 processos, foi analisado se na petição inicial os autores relatavam a tentativa de solução administrativa antes do ajuizamento da ação: quanto maior o número de ações movidas pelo autor, menor a tentativa de solução administrativa anterior. Em 57,46% das petições, não houve qualquer menção à tentativa de solução administrativa (ausência de pretensão resistida). Com relação a autores que ajuizaram mais de oito processos, considerados litigantes habituais, o percentual foi de 60,29. No caso de autores que ajuizaram mais de 20 ações, 65% deles não tentaram uma solução administrativa e, finalmente, entre autores que propuseram mais de trinta ações, este número sobe para oitenta e dois por cento.
Verificou-se também que o tempo entre o fato gerador do suposto dano e o ajuizamento da demanda sofre alteração de acordo com o grupo analisado. Autores com até oito ações demoram, em média, sete meses para ajuizar a demanda. Este tempo é sensivelmente reduzido no caso de autores com mais de vinte ações: cinco meses e, com mais de trinta ações, três meses.
Alguns juízes já se sensibilizam com o argumento de que o pedido de dano moral requerido pelo litigante habitual (autor contumaz), assim como ocorre na ausência de pretensão resistida ou a perda do tempo útil (tempo gasto pelo consumidor para tentar resolver o problema administrativamente sem sucesso), deve ser analisado de forma diferenciada.
O relatório "Justiça em Números 2017", ano-base 2016, do Conselho Nacional de Justiça, divulgou que as despesas totais do Poder Judiciário somaram R$ 84,8 bilhões, o que representou crescimento de 0,4% em relação ao último ano. Essas despesas correspondem a 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, ou a 2,5% dos gastos totais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A Justiça Estadual abarca setenta e nove por cento dos processos em tramitação e responde por aproximadamente cinquenta e sete por cento da despesa total do Poder Judiciário.
Os dados do relatório evidenciam também que a litigiosidade aumenta a cada ano – a demanda pelos serviços da justiça em 2016 cresceu numa proporção de 5,6% no território nacional.
De acordo com a Diretoria-Geral de Planejamento, Coordenação e Finanças do TJRJ, o custo médio de um processo, até março de 2016, no JEC é de seiscentos e quarenta e sete reais e quarenta centavos e representa cerca de dezenove por cento da despesa deste tribunal, sendo o TJRJ responsável pelo maior índice de produtividade dos magistrados na comparação com o os outros tribunais - CNJ.
Desta forma, se em 57,47% das ações analisadas (2798) os autores não mencionaram nenhuma tentativa de solução administrativa prévia, sabendo que o custo de cada processo no Jec é de pouco mais de seiscentos e quarenta reais, pode-se concluir que houve um gasto desnecessário superior a um milhão de reais. Se levarmos em consideração as ações ajuizadas em 2016, contra as grandes empresas, Lista "TOP-30 – Maiores litigantes", disponível no site do TJRJ, esse gasto é superior a cento e quarenta milhões de reais.
Os reiterados processos ajuizados por autores contumazes, bem como a instrução processual carente de prova da pretensão resistida pelo réu, congestionam desnecessariamente o Judiciário. É imperativo que este tipo de litigiosidade seja desestimulado e o ajuizamento da ação seja o último remédio, depois de esgotadas todas as tentativas de solução do conflito pelas vias administrativas.
Cabe ainda uma reflexão do próprio Poder Judiciário, se um número tão reduzido de autores procura solução administrativa, estamos próximos da efetividade nos métodos alternativos de solução de conflitos ou ainda é necessária uma mudança cultural.
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*Viviane Ferreira é advogada e supervisora de qualidade do Gondim Albuquerque Negreiros ADV.