Migalhas de Peso

Duas varas do júri em Salvador: impunidade

Alguém tem de aparecer para gritar: a cena não pode continuar estática como se mantém há anos!

29/11/2017

Não há um sistema de inteligência nas investigações que se processam para apuração dos homicídios, na Bahia, e isso é constatado pelo insignificante percentual de assassinatos revelados, em torno de 10%, ficando 90% sem a devida apuração por falha policial, que não dispõe de estrutura ou mesmo por ausência do Judiciário na punição dos culpados; os inquéritos, quando remetidos para a Justiça, estão precariamente instruídos, faltando, às vezes, até mesmo o exame de corpo de delito e sem ter registro algum em lugar nenhum.

Em Salvador, no ano de 2012, foram registrados 1.656 casos de homicídios; em 2013, 1.485 e, em 2014, 1.397 mortes violentas.

Com esse palco dantesco, Salvador dispõe de apenas duas Varas de Júri, criadas há mais de sessenta anos; as duas varas Sumariantes apenas integraram o sistema, porquanto a estrutura continua a mesma, em termos de servidores e de outros elementos indispensáveis para o trabalho. São quatro juízes, 12 servidores e 04 Oficiais de Justiça para apreciar em torno de 1.400 homicídios por ano, afora o estoque acumulado em torno de 4.000 mil processos.

O espetáculo é tétrico. Vejamos os números.

Os dois tribunais do Júri de Salvador realizam por ano, em média, 150 júris; sabendo-se que são registrados 1.400 homicídios com 150 júris, pode-se concluir que há julgamento de 11% dos homicídios por ano. Não se conta com movimentação alguma no acervo de processos vindos de outros anos, que se situa em torno de 4 mil; se, no segundo ano, repetir essa mesma marca de crimes e de julgamentos, teremos a decisão de 300 dos 2.800 homicídios dos dois anos; assim, sobrarão 2.500 processos sem julgamento que passarão para o terceiro ano.

Façamos outro cálculo: nesses dois anos acumularam 2.500 processos, juntando aos 4 mil do acervo anterior, temos um quantitativo de 6.500 processos; para julgar esses 6.500, os mesmos juízes e servidores terão de trabalhar até o ano de 2.060, sem considerar o amontoamento subsequente, contínuo e anual.

Esse é o cenáro no qual vivemos, verdadeira praça de guerra, na qual morrem muitos inocentes e os criminosos sem punição alguma. A situação piora, quando se sabe que a região metropolitana só faz conturbar o panorama, porquanto vive em tregédia diária, seja por falta nos órgãos do Executivo, seja por ausência do Judiciário.

É a receita infalível para a prescrição!

Não se concebe que Salvador, com a média de 1.400 homicídios por ano, disponha somente de 12 servidores, quantidade que não seria suficiente nem mesmo para um cartório, ex-vi do art. 216 da lei de Organização Judiciária do Estado, que fixa o quadro em um titular, quatro subtitulares e 12 escreventes. E essa conjuntura registra-se, porque o Tribunal faz concurso, aprova os candidatos, quase dois mil, e não os convoca para exercer o cargo para o qual logrou êxito. Não vale, em absoluto, o pretexto orçamentário, pois a vida tem mais valor que índice prudencial. São 2.000 candidatos que esperam pela convocação para ajudar os que conseguem permanecer sadios no quadro.

É um escândalo que se pratica contra o cidadão da Bahia, pois têm servidores aprovados, mas não se nomeia e os cartórios permanencem desérticos, entregues a abnegados servidores que esquecem de sua saúde, de sua família, simplesmente porque acostumados com esse regime deletério.

Enquanto isso, a praça é ocupada pelos bandidos. E os representantes do povo nada falam, porque temem machucar a autoridade superior, seja lá de qual for o poder. Ninguém grita para ajudar o servidor que já não tem voz, nem para reclamar seus direitos violados.

É uma indignidade!

Um relatório da Fundação City Mayors informa que 47 das cidades mais violentas do mundo estão na América Latina, 16 das quais no Brasil. Salvador registra 58 homicídios por 100 mil habitantes, metade do percentual do Brasil 25,2% por 100 mil habitantes; Recife, 37 por cada 100 mil. A capital pernambucana com população de 1.633.000 habitantes, bem inferior a Salvador com 2.900.000 e com percentual de homicídios superior ao de Recife, portanto, população e percentual de homicídios conta com apenas duas Varas do Júri e a capital pernambucana conta com quatro Varas do júri.

Junto com o descaso do júri, o Tribunal de Justiça da Bahia tem 354.028 de casos criminais pendentes, ocupando a quarta posição no cenário nacional.

A elucidação dos crimes de homicídio ocorre, quase que somente, nos casos de flagrante delito e nas investigações originadas de delegacias especializadas. Em muitas situações, os inquéritos ficam paralisados, sem contar ao menos com laudo de exame cadavérico. Há carência total de delegados no interior, peritos, investigadores e qualquer rotina para apuração do crime.

No interior, a situação é mais dramática e conta para esse panorama com a participação do Executivo que não cuida de nomear delegados e auxiliares para grande parte dos municípios e do Judiciário que não convoca candidatos aprovados em concurso público realizado há mais de três anos.

Alguém tem de aparecer para gritar: a cena não pode continuar estática como se mantém há anos!

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*Antonio Pessoa Cardoso é advogado do escritório Pessoa Cardoso Advogados.

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