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Logística reversa e a construção de uma economia sustentável

Um dos instrumentos mais importantes da PNRS é a logística reversa, que visa à coleta dos resíduos sólidos e ao seu posterior regresso ao setor empresarial, para reaproveitamento no ciclo de vida do mesmo produto, ou em outros ciclos produtivos.

30/11/2017

Em nossa sociedade contemporânea, os recursos naturais consistem, basicamente, em bens de consumo destinados à fabricação de produtos ou à prestação de serviços. Todos esses produtos e serviços geram resíduos que podem infiltrar-se nos lençóis freáticos, contaminar o ar e a água, poluindo o meio ambiente.

Todos os indivíduos, em maior ou menor grau, desejam e/ou utilizam bens de consumo. A economia aquecida gera emprego e renda. Por outro lado, os recursos ambientais, se não explorados racionalmente, podem escassear e, até mesmo, acabar. Ademais, os resíduos, caso não controlados, produzem grande e negativo impacto no ambiente, a título de exemplo, estudos preveem que, até o ano de 2050, o oceano conterá mais resíduos sólidos do que peixes1.

Faz-se vital, portanto, gerir os resíduos de forma sustentável e fomentar, sempre que possível, a sua reutilização, diminuindo, assim, a pressão sobre os recursos naturais, no que convencionou-se chamar economia circular.

Nesse contexto, o cenário brasileiro converge com a conjuntura mundial de alta geração de resíduos. Em 2015, foram produzidos mais de 72,5 milhões de toneladas de lixo urbano em nosso país. Contudo, em dissonância com a realidade dos países desenvolvidos, apenas 42,5 milhões de toneladas do lixo produzido em território nacional no ano de 2015 foram dispostas em local apropriado. O Brasil, pois, dá destinação final ambientalmente adequada a apenas 58,7% do resíduo que produz2 .

A lei federal 12.305/10, ao instituir a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), busca quebrar esse paradigma perverso, estruturando as bases de uma economia mais sustentável, através de uma melhoria na gestão dos resíduos, tanto domiciliares quanto industriais, bem como no estímulo para a sua reutilização.

A PNRS atribui a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos – from cradle to grave – a todos aqueles que participam da cadeia produtiva e de comercialização, abrangendo os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, consumidores e os titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos.

Um dos instrumentos mais importantes da PNRS é a logística reversa, que visa à coleta dos resíduos sólidos e ao seu posterior regresso ao setor empresarial, para reaproveitamento no ciclo de vida do mesmo produto, ou em outros ciclos produtivos. Os sistemas de logística reversa podem ser implementados e operacionalizados através de acordos setoriais, regulamentos expedidos pelo Poder Público, ou termos de compromisso.

A medida abrange todos aqueles que, de alguma forma, contribuem para a fabricação e/ou comercialização do produto, desde o fabricante até os consumidores, atribuindo-lhes uma responsabilidade compartilhada. Impõe-se criar uma estrutura capaz de possibilitar o retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana. Referido sistema precisa compreender desde os métodos para a devolução dos resíduos aos fabricantes até a sua efetiva reciclagem, reutilização ou destinação final ambientalmente adequada, se for o caso.

No âmbito das embalagens em geral, existe acordo setorial – de abrangência nacional – firmado em 2015 pelo Ministério do Meio Ambiente e diversas associações de empresas, tendo como um de seus intervenientes o Compromisso Empresarial para a Reciclagem – CEMPRE. Esse acordo estabelece metas progressivas a serem observadas, através da estruturação da logística reversa para as embalagens pós-consumo, visando à sustentabilidade. Como meta primária está a estruturação de sistemas que possibilitem a logística reversa e logrem, assim, a redução de, no mínimo, 22% das embalagens destinadas a aterros até 25/11/18.

Os termos de compromisso que eventualmente venham a ser firmados entre o poder público e particulares em âmbito federal, estadual ou municipal apenas poderão, portanto, ser celebrados se exigirem metas iguais ou ainda mais rigorosas que aquelas fixadas no acordo setorial, de âmbito nacional. Assim, no caso das embalagens em geral, os termos de compromisso terão de estabelecer metas iniciais de diminuição de disposição de resíduos em aterros superiores a 22%.

Interessante ressaltar, ainda, que o acordo setorial supramencionado está sendo questionado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo e pelo Ministério Público Federal, em sede de Ação Civil Pública. O parquet alega que as signatárias do acordo não estão dando destinação final ambientalmente adequada aos resíduos que não podem ser reutilizados ou reciclados e não estão providenciando o transporte das embalagens coletadas até os locais de triagem.

A iniciativa do Ministério Público bem ilustra a mudança de visão do Estado em relação à gestão dos resíduos sólidos. No mesmo sentido, vale também destacar a resolução da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de São Paulo (SMA) 45/15 que determina que a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) exija a implementação efetiva, pela empresa, da logística reversa de embalagens pós-consumo, como condicionante para a emissão ou renovação da licença de operação3 .

Os cenários atuais quanto à reutilização de resíduos sólidos variam bastante a partir do material empregado. O Brasil é considerado o maior reciclador mundial de latas de alumínio, com o incrível índice de 98,4%4. Para o vidro, que tem a característica de ser 100% reciclável, o percentual de reaproveitamento varia entre 30% e 40%5 .

A Associação Brasileira da Indústria do Plástico (ABIPLAST) realizou extenso mapeamento da indústria brasileira de reciclagem de plásticos, através da Fundação Instituto de Administração (FIA). Entre os tipos de plásticos reciclados, 63% das empresas entrevistadas atuam com vários tipos, 22% só reciclam Polietileno (PE), 8% somente Polietileno Tereftalato (PET), 5% apenas Polipropileno (PP) e 2% só reciclam Poliestireno (PS). Das empresas entrevistadas, 3% fazem exclusivamente a moagem, 63,3% delas fazem a granulação (peletização) dos recicláveis e 33% chegam à fase de reprocessamento e transformação6 .

São várias as empresas que vêm se amoldando aos critérios e medidas trazidos pela PNRS. A AMBEV, por exemplo, vem investindo em reciclagem e criou o programa ''AMBEV Recicla'', a Coca-Cola, em igual passo, também vem adotando práticas sustentáveis e grande parte de suas embalagens já é proveniente de material reciclado.

Logo, o novo marco legal instituído pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, através de seus princípios básicos, como a não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, aponta para uma mudança de paradigma para toda a sociedade quanto ao tratamento dos resíduos sólidos.

Reforçando a aplicabilidade da PNRS, no final do mês passado – às vésperas da data limite para cumprimento da primeira meta do acordo setorial de embalagens, de 22% – foi publicado o decreto federal 9.177, que a pretexto de regulamentar o art. 33 da lei federal, esclarecendo a necessidade de adequação de todas as empresas que fabriquem, importem, distribuam ou comercializem produtos, seus resíduos e suas embalagens, se adequem aos ditames da PNRS. O mencionado decreto, ainda, reafirma a competência concorrente da União, dos estados, dos municípios e do Distrito Federal para firmar termos de compromisso e fiscalizar o cumprimento das obrigações.

Diante do exposto, torna-se essencial que as empresas comecem a incorporar esta temática, de aplicação cogente por lei federal, ao planejamento estratégico de suas atividades, adequando-se aos parâmetros de sustentabilidade do Plano Nacional de Resíduos Sólidos.

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1 Disponível em:The New Plastics Economy: Catalysing action. Acesso em: 25 ago. 17.

2 ABRELPE. Panorama Dos Resíduos Sólidos No Brasil 2015. Disponível em: Panorama 2015. Acesso em: 25 ago. 2017.

3 Artigo 4º - Para atendimento ao disposto no artigo 24, da lei federal 12.305, de 02 de agosto de 2010; no artigo 19, da lei estadual 12.300, de 16 de março de 2006; e no artigo 11, do decreto estadual 54.645, de 05 de agosto de 2009, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo - CETESB exigirá o cumprimento desta resolução como condicionante para a emissão ou renovação da licença de operação.

4 Brasil é campeão mundial na reciclagem de latas de alumínio

5 Com produção concentrada, custo logístico dificulta a reciclagem do vidro

6 Levantamento mapeia a reciclagem de plásticos no Brasil

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*Antônio Figueiredo Guerra Beltrão é sócio coordenador da área de Direito Ambiental do escritório da Fonte, Advogados.

*Gisela Burle Cosentino é trainee das área de Direito Ambiental e Direito Empresarial do escritório da Fonte, Advogados.

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