Conforme amplamente noticiado, o STF, por maioria, definiu no julgamento do RE 574.706/PR que "o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins". Assim, embora ainda estejam pendentes de análise os Embargos de Declaração opostos pela União, que requer a improvável modulação dos efeitos da decisão, já é notória a repercussão em outros casos do que foi decidido pelo STF.
Pelos votos favoráveis aos contribuintes proferidos na ocasião do julgamento, verifica-se que o núcleo da discussão recaiu, principalmente, sobre o que seria o conceito constitucional de receita bruta/faturamento e se, a partir de então, poderia o ICMS ser nele incluído, fazendo parte ou não da base de cálculo do PIS e da Cofins. A este respeito, confira-se:
Ministra Carmem Lucia: "É inegável que o ICMS respeita a todo o processo e o contribuinte não inclui como receita ou faturamento o que ele haverá de repassar à Fazenda Pública."
Ministra Rosa Weber: "Quanto ao conteúdo específico do conceito constitucional, a receita bruta pode ser definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições."
Ministro Luiz Fux: "Então, até em tom de algo coloquial, se nós perguntarmos a um Supremo Tribunal Federal leigo -, em tom coloquial -, ou mesmo àqueles estudantes da área jurídica: no seu entender, pagar imposto é faturamento? É algo que efetivamente conduz a algo ilógico, que foge, inclusive, à lógica do razoável."
Ministro Ricardo Lewandowski: "Eu queria dizer que entendo, com a devida vênia, que não se pode considerar como ingresso tributável uma verba que é recebida pelo contribuinte apenas com o propósito de pronto repasse a terceiro, ou seja, ao Estado."
Ministro Marco Aurélio: "Digo não ser o ICMS fato gerador do tributo, da contribuição. Digo também, reportando-me ao voto, que, seja qual for a modalidade utilizada para recolhimento do ICMS, o valor respectivo não se transforma em faturamento, em receita bruta da empresa, porque é devido ao Estado."
Ministro Celso de Mello: "O valor pertinente ao ICMS é repassado ao Estado-membro [...], dele não sendo titular a empresa, pelo fato, juridicamente relevante, de tal ingresso não se qualificar como receita que pertença, por direito próprio, à empresa contribuinte."
Nesta esteira, com base na leitura realizada pelo STF sobre o que é constitucionalmente aceito para ser posto à tributação como base de cálculo, inúmeras decisões judiciais foram e vêm sendo proferidas nas mais variadas instâncias com o fim não somente de excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins como, também, para retirar da incidência tributária outros tributos.
Deste modo, apesar do posicionamento contrário aos contribuintes ainda presente no STJ (REsp 1.330.737/SP), há o crescente entendimento de que "o mesmo raciocínio no tocante a não inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS se aplica ao ISS" (TRF3, Ap 369287/SP)1, não podendo o tributo municipal, por isso, ser incluído no conceito de faturamento/receita bruta, questão que, vale destacar, também será analisada pelo STF no RE 592.616/RS, com repercussão geral já reconhecida.
Da mesma forma, quanto ao ICMS-ST, tem sido verificado o posicionamento judicial, ainda que mais incipiente, no intuito de expressamente afastar o tributo estadual recolhido por meio de substituição tributária da base de cálculo do PIS e da Cofins pagos pelo substituído por se considerar que, "por se tratar de reembolso, [...] os valores respectivos não representam custo de aquisição da mercadoria, mas sim encargo incidente na venda/revenda da mercadoria ao consumidor final" (SJSC, MS 5015280-46.2016.4.04.7200/SC).
Além disso, ainda com relação ao que compõe ou não a base de cálculo do PIS e da Cofins, é pacífico no STJ que "o crédito presumido de ICMS configura incentivo voltado à redução de custos, com vistas a proporcionar maior competitividade no mercado para as empresas de um determinado estado-membro, não assumindo natureza de receita ou faturamento, motivo por que não compõe a base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS" (AgRg no AREsp 626.124/PB)2.
Ocorre que, segundo já assinalado, a base de cálculo de outros tributos também tem sido objeto de uma análise mais acurada por parte do Judiciário, que, considerando o conceito constitucional de receita bruta definido pelo STF, vem impedindo a tributação do que não é faturado pelo contribuinte. Assim, é "igualmente indevida a inclusão do ICMS na base de cálculo da Contribuição Previdenciária Sobre a Receita Bruta (CPRB), vez que a parcela do ICMS não possui natureza de faturamento ou de receita bruta" (TRF1, AC 0002340-09.2016.4.01.3809/MG)3.
Mais recentemente, já no âmbito do IRPJ e da CSLL, o STJ, no julgamento do EREsp 1517492/PR, decidiu que crédito presumido de ICMS – um incentivo fiscal, como visto – não pode ser caracterizado como lucro e, por consequência, ser tributado, pois, caso contrário, a União indevidamente se apropriaria de receita dos Estados e, ainda, esvaziaria o próprio objetivo do benefício tributário concedido ao contribuinte4.
E, de modo ainda mais próximo do decidido pelo STF no RE 574.706/PR, também há posicionamento judicial referente à não tributação do ICMS segundo o qual, mesmo que no regime do lucro presumido, "não se tratando de receita bruta, os valores recolhidos a título de ICMS não compõem a base de cálculo do IRPJ e da CSLL" (TRF4, AC 5018422-58.2016.4.04.7200/SC)5.
Diante do cenário exposto, percebe-se que, por mais que tenha dito o Min. Luiz Fux no julgamento do RE 574.706/PR que "não estamos discutindo se é possível tributo sobre tributo, porque, quando a lei autoriza, isso é possível", é certo que, segundo assentado na ementa do RE 240.785/MG relatado pelo Min. Marco Aurélio, que precedeu e balizou o atual posicionamento do STF, "não bastasse a ordem natural das coisas, o arcabouço jurídico constitucional inviabiliza a tomada de valor alusivo a certo tributo como base de incidência de outro"6.
Portanto, constata-se que, em verdade, levando-se em conta todos os julgados acima citados e, em especial, a matéria de fundo neles tratada, qual seja, o que pode ser considerado, sob o prisma constitucional, riqueza tributável, podemos estar, sim, perante o fim – ainda que tardio e não imediato – da cobrança de tributo sobre tributo, representada, por excelência, pelo absurdo cálculo por dentro do ICMS, "constitucionalizado" por meio da EC 33/01 e julgado constitucional pelo STF, em 2011, no RE 582.461/SP, em que pese sua nítida afronta à regra-matriz do imposto, à segurança jurídica, à legalidade, à capacidade contributiva, à vedação ao confisco e à transparência7.
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1 No mesmo sentido, também do TRF3: Ap 362427/SP, ApReeNec 369540/SP, Ap 369655/SP, ApReeNec 2181375/SP, ApReeNec 2232008/SP, Ap 367216/SP, ApReeNec 368846/SP.
2 Da mesma forma, também do STJ: AgInt no REsp 1627291/SC, AgInt no AREsp 843051/SP, AgRg no REsp 1573339/SC, AgRg no REsp 1247255/RS, AgRg no REsp 1486525/SC e AgRg no REsp 1461415/SC.
3 Na mesma diretriz: AREsp 1038346 (STJ), AC 0071738-14.2013.4.01.3400/DF (TRF1), AC 0017652-68.2014.4.01.3300/BA (TRF1), AC 0000070-97.2016.4.01.3813/MG (TRF1), AC 2016.51.01.156725-3 (TRF2) e AC 2016.51.01.156725-3 (TRF2).
4 No mesmo sentido, no TRF4: ApReeNec 5013926-59.2016.4.04.7208/SC, ApReeNec 5051023-38.2016.4.04.7000/PR e AC 5018589-72.2016.4.04.7201/SC.
5 Em concordância: ApReeNec 5014532-96.2016.4.04.7205 (TRF4) e MS 5001436-31.2017.4.03.6130/SP (JFSP).
6 Em seu voto, assim se expressou o Min. Marco Aurélio: "Difícil é conceber a existência de tributo sem que se tenha uma vantagem, ainda que mediata, para o contribuinte, o que se dirá quanto a um ônus, como é o ônus fiscal atinente ao ICMS".
7 Tivemos a oportunidade de abordar de maneira minuciosa o tema no Trabalho de Conclusão de Curso da Graduação sob o título de "A inconstitucionalidade do cálculo por dentro do ICMS".
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*Ariel de Abreu Cunha é advogado tributarista do escritório Natal & Manssur Sociedade de Advogados.