Recentemente, após mais de vinte anos, o "Código de Trânsito Brasileiro – C.T.B." –– lei 9.503, de 23/09/97 –– finalmente procedeu à regulamentação da aplicação de multas a pedestres e ciclistas infratores das leis de trânsito, através da resolução do CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito) 706/17, recentemente publicada em 27/10/17, e que entrará em vigor e passará a ter efeitos em 180 dias, ou seja, ao final de abril/18.
À primeira vista parece uma normatização de caráter punitivo, mas antes e muito mais que isto, visa justamente a proteção daqueles que constituem nitidamente a parte mais fraca nos acidentes de trânsito, exatamente os pedestres e os ciclistas ! Assim, embora muitas vezes seja grande a responsabilidade de um deles (ou ambos) na causação de acidentes, são eles os maiores beneficiários da aludida regulamentação –– que penaliza com rigor ––, mas exatamente no sentido de lhes proporcionar maior segurança.
Antes, porém, de se adentrar nas normas regulamentadoras, há que se observar as disposições anteriores do C.T.B., especialmente aquelas constantes dos seus artigos 254 e 255, verbis :-
"Art. 254. É proibido ao pedestre:
I – permanecer ou andar nas pistas de rolamento, exceto para cruzá-las onde for permitido;
II – cruzar pistas de rolamento nos viadutos, pontes ou túneis, salvo onde exista permissão:
III – atravessar a via dentro das áreas de cruzamento, salvo quando houver sinalização para esse fim;
IV – utilizar-se da via em agrupamentos capazes de perturbar o trânsito, ou para a prática de qualquer folguedo, esporte, desfiles e similares, salvo em casos especiais e com a devida licença da autoridade competente;
V – andar fora da faixa própria, passarela, passagem aérea ou subterrânea;
VI – desobedecer à sinalização de trânsito específica.
Infração – leve;
Penalidade – multa, em 50% (cinquenta por cento) do valor da infração de natureza leve."
"Art. 255. Conduzir bicicleta em passeios onde não seja permitida a circulação desta, ou de forma agressiva, em desacordo com o disposto no parágrafo único do art. 59.
Infração – média; Penalidade – multa;
Medida administrativa – remoção da bicicleta, mediante recibo para o pagamento da multa."
Destarte, o pedestre não pode basicamente: atravessar ruas fora da faixa de segurança; cruzar pistas em viadutos, pontes ou túneis; atravessar a via nas áreas de cruzamento; usar a via em grupos, de forma a perturbar o trânsito; andar fora da faixa/passarela própria; desobedecer à sinalização específica.
Quanto ao ciclista, não pode basicamente: conduzir sua bicicleta em locais proibidos ou na contramão; ou conduzi-la de forma "agressiva, em desacordo com o disposto no parágrafo único do art. 59." Cabe aqui registrar que certamente houve lapso de grafia na redação do artigo 255 do C.T.B., que menciona o "parágrafo único do art. 59", quando tal artigo não tem nenhum parágrafo! Certamente a menção do artigo 255 se refere ao texto do próprio artigo 59 (que permite a circulação de bicicletas nos passeios, desde que autorizado e/ou sinalizado), ou se refere ao parágrafo único do antecedente artigo 58 (que autoriza a circulação de bicicletas no sentido contrário ao fluxo de veículos automotores, desde que o trecho tenha ciclofaixa).
Lapsos à parte, o fato é que o caput do artigo 255 coíbe a condução agressiva pelo ciclista, valendo dizer que em qualquer circunstância não deve ele fazê-lo. De qualquer forma, a interpretação da agressividade na condução de uma bicicleta não é facilmente aferível, sendo carregada de subjetivismo e possibilitando divergências entre o agente fiscal responsável pela aplicação da multa, o ciclista infrator e os eventuais operadores do Direito interferentes nos casos concretos.
Mas a recente resolução 706/17 do CONTRAN, que "dispõe sobre a padronização dos procedimentos administrativos na lavratura de auto de infração, na expedição de notificação de autuação e de notificação de penalidades por infrações de responsabilidade de pedestres e de ciclistas, expressamente mencionadas no Código de Trânsito Brasileiro – CTB, e dá outras providências", em que pese a sua ótima intenção, ainda necessita aperfeiçoamentos para uma melhor aplicação.
Pois, se de um lado, logo na autuação da infração, determina não só a identificação do pedestre ou ciclista infrator por documento oficial como também do agente responsável pela aplicação da multa (art. 2º, § 4º - Res. 706/17 do CONTRAN c/c art. 280, V – C.T.B.), de outro lado determina caber aos "órgãos e entidades de trânsito" (autoridades municipais, estaduais e federais) estabelecer, cada qual, o seu próprio modelo de autuação!... Ora, há que se estabelecer um modelo único e padronizado para autuações em infrações de trânsito, a ser implementado e aplicado em todo o território nacional (tal como com a certidão de registros civis, ora com modelo–padrão obrigatório a todos os cartórios concernentes).
E, embora os artigos 254 e 255 do C.T.B. caracterizem as infrações em tela como "leve" para pedestres e "média" para ciclistas, não resta claro na nova Resolução a forma de cobrança da multa, deixando isso ao alvedrio das autoridades. Ora, tal questão fundamental não pode ficar em aberto!
Outrossim, transparece o aspecto da aplicação de multas como meio de fortalecer a arrecadação dos cofres públicos, em detrimento da função educativa da punição. Segundo o C.T.B., os recursos financeiros advindos da aplicação das multas devem ser aplicados em sinalização, engenharia de tráfego, policiamento, fiscalização, etc, mas também em educação de trânsito! Mas o que se vê é a aplicação desses recursos na aquisição de sofisticados equipamentos para fiscalização eletrônica (radares de velocidade, obediência em semáforos e em locais para estacionamento, segurança, etc), tanto nas cidades como nas estradas, pouco se fazendo no sentido de efetivamente mudar o comportamento irresponsável dos infratores das normas de trânsito e lhes proporcionar uma verdadeira educação, aos motoristas de veículos automotores e especialmente aos pedestres e aos ciclistas, bem como à população em geral.
Portanto, há que se divulgar os pontos essenciais da Resolução regulamentadora e se promover uma educação especialmente dirigida aos pedestres e aos ciclistas, alertando-os e convencendo-os de serem verdadeiramente os principais beneficiários das novas normas! Não releva serem eles potenciais causadores ou vítimas de acidentes de trânsito, mas sim a sua segurança e a da população em geral, nas estradas e/ou nas vias urbanas!
Há que ocorrer uma intersetorialidade entre as Políticas Públicas de Mobilidade Urbana e de Educação, no sentido de que a população brasileira, desde a infância (na escola pública ou particular), tenha conhecimento e aprenda a respeitar, cumprir e vivenciar as normas de trânsito. E, complementarmente, há que se prover os órgãos e entidades de trânsito com agentes fiscais em número condizente e com capacidade técnica, para bem aplicar as normas (nosso País é pleno de excelentes legislações, em inúmeras áreas, mas peca pela precariedade dos agentes aplicadores das normas, em número e especialmente em qualidade)!
A Resolução somente entrará em vigor em abril/18, e assim há tempo para se aperfeiçoar todos os aspectos supra aludidos. Cabe às autoridades de trânsito elaborar e bem aplicar as normas (e os recursos financeiros oriundos das multas), e cabe aos motoristas, e especialmente aos pedestres e aos ciclistas, cumpri-las bem e fielmente! É exercício de cidadania, a ser incorporado à rotina diária!
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