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O intervalo intrajornada e a reforma trabalhista

Assim como grande parte das alterações promovidas na CLT, a validade/legalidade/constitucionalidade do novo regramento deve ser analisada com muita cautela antes de colocá-lo em prática.

22/11/2017

Com a reforma da legislação trabalhista introduzida pela lei 13.467/17, uma das questões objeto de significativa modificação diz respeito ao intervalo intrajornada, destinado ao repouso e à alimentação do trabalhador. Contudo, assim como grande parte das alterações promovidas na CLT, a validade/legalidade/constitucionalidade do novo regramento deve ser analisada com muita cautela antes de colocá-lo em prática.

 

O artigo 71 da CLT, com sua redação não atingida pelas recentes modificações na lei trabalhista, assim dispõe:

 

"Art. 71 - Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas.

 

No parágrafo 1º do referido artigo, ainda estabelece:

 

"§ 1º - Não excedendo de 6 (seis) horas o trabalho, será, entretanto, obrigatório um intervalo de 15 (quinze) minutos quando a duração ultrapassar 4 (quatro) horas."

 

Portanto, do texto legal ainda vigente, tem-se as seguintes exigências quanto à concessão/fruição do intervalo intrajornada:

 

1) para o trabalho com duração de até 4 horas, nenhum intervalo é exigido;

 

2) em jornadas de 4 a 6 horas, é obrigatória a concessão de intervalo pelo período de 15 minutos;

 

3) nas jornadas superiores a 6 horas, o intervalo mínimo exigido é de 1 hora, não podendo ser superior a 2 horas, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário.

 

Como é sabido, a lei não contém (ou não deveria conter) palavras inúteis. E, no caso do artigo 71 da CLT acima transcrito, cuja redação, repete-se, não sofreu qualquer alteração pela nova legislação trabalhista, a norma estabelecida impõe a obrigação de concessão do intervalo mínimo de 1 hora para o trabalho contínuo, cuja duração seja superior a 6 horas. Portanto, como regra geral, o dispositivo que trata da concessão do intervalo mínimo para repouso e alimentação não contempla a previsão e/ou a autorização para redução desse período mínimo estabelecido.

 

As possibilidades de redução do intervalo mínimo previsto no artigo 71 da CLT, trazidas como exceção à regra normativa geral, estão mencionadas nos parágrafos 3º e 5º do mesmo artigo, os quais dispõem:

 

"§ 3º - O limite mínimo de uma hora para repouso ou refeição poderá ser reduzido por ato do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, quando ouvido o Serviço de Alimentação de Previdência Social, se verificar que o estabelecimento atende integralmente às exigências concernentes à organização dos refeitórios, e quando os respectivos empregados não estiverem sob regime de trabalho prorrogado a horas suplementares."

"§ 5o - O intervalo expresso no caput poderá ser reduzido e/ou fracionado, e aquele estabelecido no § 1o poderá ser fracionado, quando compreendidos entre o término da primeira hora trabalhada e o início da última hora trabalhada, desde que previsto em convenção ou acordo coletivo de trabalho, ante a natureza do serviço e em virtude das condições especiais de trabalho a que são submetidos estritamente os motoristas, cobradores, fiscalização de campo e afins nos serviços de operação de veículos rodoviários, empregados no setor de transporte coletivo de passageiros, mantida a remuneração e concedidos intervalos para descanso menores ao final de cada viagem. (Redação dada pela lei 13.103, de 2015)"

 

Então, com base no que estabelecem os parágrafos 3º e 5º do artigo 71 da CLT, somente se poderia reduzir o intervalo mínimo obrigatório de 1 hora para repouso e alimentação em duas hipóteses e observadas as condições exigidas:

 

1) por ato do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, quando ouvido o Serviço de Alimentação de Previdência Social, se verificar que o estabelecimento atende integralmente às exigências concernentes à organização dos refeitórios, e quando os respectivos empregados não estiverem sob regime de trabalho prorrogado a horas suplementares;

 

2) quando compreendido entre o término da primeira hora trabalhada e o início da última hora trabalhada, desde que previsto em convenção ou acordo coletivo de trabalho, ante a natureza do serviço e em virtude das condições especiais de trabalho a que são submetidos estritamente os motoristas, cobradores, fiscalização de campo e afins nos serviços de operação de veículos rodoviários, empregados no setor de transporte coletivo de passageiros, mantida a remuneração e concedidos intervalos para descanso menores ao final de cada viagem.

 

Afora essas duas hipóteses específicas, portanto, o artigo 71 da CLT não autoriza qualquer redução no intervalo intrajornada.

 

Ocorre que a lei 13.467/17 introduziu o artigo 611-A à CLT, que, no tocante ao intervalo intrajornada aqui tratado, assim estabelece:

 

"Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: (Incluído pela lei 13.467, de 2017)

 

(...)

 

III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; (Incluído pela lei 13.467, de 2017)

 

(...)."

 

 

A nova norma, instituindo a prevalência do negociado sobre o legislado no seu artigo 611-A, retirou a obrigatoriedade da concessão do intervalo mínimo de 1 hora de que trata o artigo 71 da CLT, possibilitando sua redução para até 30 minutos com uma única condição, qual seja: previsão em convenção coletiva (firmada entre sindicados patronais de um lado e sindicato dos empregados de outro) ou acordo coletivo (firmado entre empresa de um lado e sindicato dos empregados de outro).

 

Mas o legislador, com a pretensão de impor certos limites à prevalência do negociado sobre o legislado, também introduziu à CLT o artigo 611-B, assim dispondo:

 

"Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:

(Incluído pela lei  13.467, de 2017)

(...)

 

XVII - normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho; (Incluído pela lei  13.467, de 2017)

 

(...)."

 

Do confronto estabelecido entre os artigos 611-A e 611-B da CLT, ou seja, objetos lícitos e ilícitos a serem regulamentados via convenção coletiva ou acordo coletivo, percebeu-se uma notória contradição, uma vez que a jurisprudência (vide item II da Súmula  437 do TST) e a doutrina pátria, em sua quase plenitude, já consagraram as disposições atinentes à duração do trabalho e ao intervalo como sendo normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, com proteção constitucionalmente assegurada, conforme artigo 7º, inciso XXII, da Constituição Federal, a seguir transcrito:

 

"Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

 

(...)

 

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

 

(...)."

 

Portanto, em sendo a concessão do intervalo mínimo de 1 hora para repouso e alimentação nas jornadas de trabalho acima de 6 horas contínuas uma obrigação legalmente imposta relativa à saúde, higiene e segurança do trabalho, não poderia ela, a teor do disposto no artigo 611-B, XVII, da CLT, ser objeto lícito de convenção coletiva ou acordo coletivo, contrariando o permissivo previsto no artigo 611-A, III, da CLT.

 

Mas, para afastar a contradição legal evidenciada, o legislador simplesmente acresceu ao artigo 611-B da CLT um parágrafo, assim decretando:

 

"Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo. (Incluído pela lei 13.467, de 2017)"

 

Solucionado, então, estaria o problema, haja vista que a norma legal – infraconstitucional – expressamente estabeleceu que as regras acerca da duração do trabalho e dos intervalos não são consideradas como sendo normas de saúde, higiene e segurança do trabalho. Entretanto, à luz da Constituição Federal, a questão parece não ter sido adequadamente tratada pelo legislador.

 

Isso porque, não fosse o artigo 7º, inciso XXII, da Constituição Federal já acima transcrito suficiente para evidenciar uma possível inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 611-B da CLT, a constitucionalidade dessa norma aparentemente também esbarra no disposto no §2º do artigo 5º da Carta Magna, que assim estabelece:

 

"§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte."

 

Pois bem.

 

O Brasil integra a Organização Internacional do Trabalho – OIT -, cuja Convenção de nº 155, que trata sobre a segurança e a saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho, foi promulgada pelo decreto 1.254/94. A referida Convenção assim estabelece em seus artigos 4º e 5º:

 

"Artigo 4

 

1. Todo Membro deverá, em consulta às organizações mais representativas de empregadores e de trabalhadores, e levando em conta as condições e a prática nacionais, formular, por em prática e reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho.

 

2. Essa política terá como objetivo prevenir os acidentes e os danos à saúde que forem conseqüência do trabalho, tenham relação com a atividade de trabalho, ou se apresentarem durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida que for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio ambiente de trabalho.

 

Artigo 5

 

A política à qual se faz referencia no artigo 4 da presente Convenção deverá levar em consideração as grandes esferas de ação que se seguem, na medida em que possam afetar a segurança e a saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho:

 

(...)

 

b) relações existentes entre os componentes materiais do trabalho e as pessoas que o executam ou supervisionam, e adaptação do maquinário, dos equipamentos, do tempo de trabalho, da organização do trabalho e das operações e processos às capacidades físicas e mentais dos trabalhadores;

 

(...)."

Portanto, a Convenção 155 da OIT, devidamente incorporada ao regramento jurídico nacional, nos artigos supracitados, prevê expressamente que o "tempo de trabalho" deve integrar uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho. Parece-nos, pois, bastante questionável a validade/legalidade/constitucionalidade do disposto no artigo 611-B, inciso XVII, da CLT e seu respectivo parágrafo único- "Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo."

 

As alterações na legislação trabalhista ainda são muito recentes e, considerando a forma como as mesmas foram concebidas e o momento político-econômico no qual foram introduzidas, apesar do discurso da modernização, parece terem trazido mais insegurança jurídica aos seus destinatários, tanto para empregados quanto para empregadores.

 

Assim, como a validade/legalidade/constitucionalidade e a interpretação quanto à correta aplicação dessa nova legislação caberá, em última análise, ao Poder Judiciário – seja às instâncias próprias da Justiça do Trabalho, seja ao STF -, até que as questões relacionadas sejam apreciadas e se tenha uma jurisprudência firme e pacífica sobre as mesmas, todas as modificações/alterações nas condições de trabalho legalmente previstas – tal como o intervalo mínimo de 1 hora para repouso e alimentação estabelecido no artigo 71 da CLT - devem ser avaliadas com cautela, a fim de evitar eventual o descumprimento legal e o consequente aumento do passivo trabalhista.

_________________

 

*Arturo Freitas Zurita é advogado especialista em Direito do Trabalho.

 

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