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A Convenção Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco e o Brasil - hard law vinculante

O Poder Judiciário, por intermédio de seu mais alto órgão, o STF, nos autos da ADIn 4874, tem a chance de declarar a total legalidade e convencionalidade da RDC 14, que é a concretização do cumprimento da CQCT no Brasil, no tema dos aditivos.

22/11/2017

O controle do tabaco é um desafio mundial. A preocupação com as consequências do consumo do tabaco tem acompanhado os vários países do mundo já há muitos anos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) surgiu em 1948, afirmando que o "alcance do padrão mais elevado possível de saúde é um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, religião, ideologia política, econômica ou condição social", como estabelecido em seu ato constitutivo. Buscando efetivar tal direito, a OMS reconheceu a epidemia causada pelo tabaco, além de declarar que o tabaco é o único produto de consumo disponível legalmente, que mata pessoas quando usado exatamente como indicado.

Na tentativa de combater tal epidemia, a OMS aprovou, de 1978 a 1993, na Assembleia Mundial da Saúde, dez resoluções relativas aos perigos concernentes ao uso do tabaco. Então, começaram os debates para a construção de um grande tratado de direitos humanos sobre o tema, o primeiro tratado internacional sobre saúde pública, a Convenção Quadro de Controle do Tabaco (CQCT), que foi aberta para assinatura em 2003. O Brasil ratificou a CQCT, em 2005, ficando a ela vinculada desde então. Tendo publicado o Decreto Presidencial 5658 internamente, em 2006.

Como todo tratado, a CQCT vincula os Estados que a ratificaram. E como todo tratado, nunca é demais destacar, faz parte da hard law, ou seja, normas que devem ser seguidas pelos Estados, não sendo apenas recomendações, como é o caso da soft law. Assim, formam o hard law os tratados, acordos, convenções, protocolos, costume, princípios gerais, decisões vinculativas.

Por outro lado, uma norma de soft law se consubstancia em dispositivo não vinculante. Os principais exemplos de soft law são recomendações, resoluções, propostas, declarações e atas provenientes de conferências e organizações internacionais. Vale dizer que um tratado internacional como a CQCT nunca poderia ser classificado como soft law.

Por conta disso, o Brasil está vinculado à CQCT e, dessa forma, tem que cumprir suas determinações. E é na própria CQCT que está o mandamento para controle dos aditivos do produto de tabaco, mais precisamente no art. 9º., quando expressamente dispõe sobre a regulamentação do conteúdo dos produtos de tabaco.

A CQCT, reconhecendo a dificuldade de enfrentar todos os desafios trazidos pelo controle do tabaco, definiu fórmula específica para construção de dispositivos eficazes para promoção da saúde, assim estabeleceu o artigo 7º, que dispõe sobre medidas não relacionadas a preços para reduzir a demanda de tabaco. Determinando que as "Partes reconhecem que as medidas integrais não relacionadas a preços são meios eficazes e importantes para reduzir o consumo de tabaco. Cada Parte adotará e aplicará medidas legislativas, executivas, administrativas ou outras medidas eficazes necessárias ao cumprimento de suas obrigações decorrentes dos artigos 8 a 13 e cooperará com as demais Partes, conforme proceda, diretamente ou pelo intermédio dos organismos internacionais competentes, com vistas ao seu cumprimento. A Conferência das Partes proporá diretrizes apropriadas para a aplicação do disposto nestes artigos."

Logo, há uma determinação na CQCT que a Conferência das Partes pode criar diretrizes, que podem ser comparadas com o poder regulamentar da administração pública no âmbito internacional. Há então regulação internacional sobre os aditivos. De fato, a Conferência das Partes, em suas reuniões 4 e 5, respectivamente em 2010 e 2012, aprovou as Diretrizes Parciais para a Implementação dos artigos 9º e 10, no tocante à atratividade e à palatabilidade de produtos de tabaco:

"1.2.1.1 Atratividade Produtos de tabaco são feitos geralmente para ser atraentes, a fim de incentivar o seu uso. Da perspectiva da saúde pública, não há justificativa para permitir o uso de ingredientes, tais como os agentes aromatizantes, que ajudam a tornar os produtos de tabaco atraentes (…)"

Determina a Conferência das Partes que a regulamentação é mandatória, devendo proibir ou restringir ingredientes que possam ser usados para aumentar a palatabilidade e atratividade dos produtos de tabaco. E foi isso que a ANVISA fez no Brasil. Regulamentou o uso dos aditivos nos produtos de tabaco. Assim, o Brasil cumpre tratado internacional que passou pelo Congresso Nacional, sendo vinculante ao país. Logo, além da lei da ANVISA e todo o ordenamento jurídico brasileiro, o tratado internacional dá base legal para a RDC 14.

Ao regular os aditivos em produtos de tabaco a ANVISA não violou a separação de poderes, pois o Poder Legislativo, além de ter ratificado a CQCT, ao criar a agência, delegou poderes a esta para proibir a comercialização de produtos e insumos, em caso de risco iminente à saúde (artigo 7º, XV, lei 9.782/99).

O Legislativo, ainda, delegou competência à ANVISA para regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública, de acordo com o art. 8º. da lei 9.782/99, que, em seu parágrafo 1º, inciso X, determina que cigarros, cigarrilhas, charutos e qualquer outro produto fumígero, derivado ou não do tabaco são considerados bens e produtos submetidos ao controle e fiscalização sanitária pela ANVISA.

Como é competente para fazer a regulamentação desse produto, há uma profunda ligação entre a atuação da Agência e as diretrizes nascidas da Conferência das Partes (COP) da CQCT. A COP, como determinado pelo próprio tratado, examinará regularmente a implementação da Convenção, tomará as decisões necessárias para promover sua aplicação eficaz e poderá adotar protocolos, anexos e emendas à Convenção.

Falar em violação em separação dos poderes é, sem sombra de dúvidas, um enorme equívoco, só comparável a se afirmar que a CQCT é soft law. Nesse sentido, a RDC 14 é a forma clara de cumprimento pelo Brasil de tratado internacional aprovado internamente e que vincula o país. A CQCT, com o perdão do pleonasmo, é um tratado internacional, faz parte da hard law, e é vinculante.

Sendo direto, o Poder Executivo e o Poder Legislativo fizeram parte da vinculação do Brasil à CQCT, por isso, ambos deram seu consentimento às normas que compõem tal dispositivo. Agora, o Poder Judiciário, por intermédio de seu mais alto órgão, o Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADIn 4874, tem a chance de declarar a total legalidade e convencionalidade da RDC 14, que é a concretização do cumprimento da CQCT no Brasil, no tema dos aditivos.

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*Adriana Carvalho é advogada da ACT Promoção da Saúde, admitida como amicus curiae na ADIn 4874.

*Luís Renato Vedovato é advogado da AMATA - Associação Mundial Antitabagismo e Antialcoolismo, admitida como amicus curiae na ADIn 4874.

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