Migalhas de Peso

A sujeição (ou não) de créditos ilíquidos à recuperação judicial e os poderes políticos dos credores

A questão deve ser abordada à luz dos artigos 49 e 59 da lei 11.101/05, que disciplinam os créditos que se sujeitam à recuperação judicial.

7/11/2017

1. Introdução

O escopo do presente estudo é a análise acerca da sujeição ou não, à recuperação judicial, de créditos oriundos de relações obrigacionais anteriores ao ajuizamento da respectiva ação que só alcancem concretude e liquidez após tal marco. A questão deve ser abordada à luz dos artigos 491 e 592 da lei 11.101/05, que disciplinam os créditos que se sujeitam à recuperação judicial. Será enfrentada, portanto, a questão central pertinente ao caso proposto, que é o momento em que o crédito se considera existente.

Analisaremos os critérios lançados pelos mencionados dispositivos para determinar a sistemática de sujeição de créditos ao regime recuperacional e apontaremos as zonas cinzentas que não nos parecem suficientemente tuteladas pela aplicação isolada da lei 11.101/05, que não é expressa quanto à extensão do termo "existência" do crédito. Isto porque, da sua interpretação, não fica claro se o legislador teve o propósito de considerar existentes – para fins de sujeição à recuperação judicial – todos os créditos cujas relações obrigacionais de origem já tivessem sido formadas à época do ajuizamento ou se ele buscou considerar sujeitos a tal regime apenas aqueles créditos então já liquidados.

Partiremos, então, à análise jurisprudencial do tema, que tem oscilado ao longo dos últimos anos, ora entendendo simplesmente não sujeitos os créditos cujo valor ainda não fosse conhecido ao tempo do ajuizamento da recuperação, ora incluindo-os ao rol de créditos sujeitos, porém, tendo em vista a sua iliquidez, deixando de conferir ao seu credor os respectivos direitos políticos. Criticaremos as duas posições, insuficientes à tão necessária segurança jurídica durante o delicado processo de recuperação judicial, o que acaba ensejando tratamentos desiguais injustificados a credores que muitas vezes se encontram na mesma situação – exceto pela data do nascimento da obrigação que deu ensejo ao crédito concursal.

Ao fim, sugerimos que a questão seja solucionada através da reserva de créditos, analogamente à situação prevista na parte final do art. 39, com o objetivo de quantificar a extensão dos poderes políticos conferidos a determinado credor cujo crédito não seja possível aferir de imediato.

2. Créditos sujeitos à recuperação judicial e significado de existência do crédito

A lei 11.101/05 estabeleceu como regra de identificação dos créditos sujeitos à recuperação judicial o critério temporal, excepcionando pontualmente hipóteses relacionadas à natureza dos créditos. Assim, dispõe o caput do art. 49 que "estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos", indicando que, a princípio, a recuperação abarcará todos os créditos existentes (mesmo aqueles ainda não vencidos) na data do ajuizamento da ação. A este respeito, vale apontar que o legislador da lei 11.101/05 objetivou, comparativamente ao anterior instituto da concordata (que alcançava apenas créditos quirografários), ampliar o "âmbito de abrangência dos efeitos do processo"3 recuperacional, incrementando as chances de êxito, à luz da função prevista no art. 47, qual seja:

viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

O mesmo artigo 49 exclui, nos parágrafos 3º e 4º, os créditos decorrentes de contratos de alienação fiduciária, arrendamento mercantil, compra e venda de imóvel com cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, venda com reserva de domínio (§ 3º) e de adiantamento a contrato de câmbio para exportação. Também está excluído, por disposição do art. 187 do Código Tributário Nacional4, o crédito tributário.

Todos os créditos que não se sujeitam à recuperação judicial em razão de sua natureza conservam as condições originalmente pactuadas e as respectivas ações de cobrança também não se submetem ao stay period previsto no art. 6º da lei 11.101/05. No entanto, para evitar que a não sujeição dos créditos excetuados inviabilizasse a continuidade da empresa e a superação da situação de crise econômico-financeira – que é o objetivo da recuperação judicial – o próprio legislador vedou a retomada de bens essenciais à produção dados em garantia aos credores previstos no parágrafo 3º do art. 49 (instituições financeiras) pelo mesmo prazo fixado no parágrafo 4º do art. 6º.

Assim, afora os problemas de fluxo de caixa que a recuperanda pode sofrer em razão da "trava bancária" – que não compõe o objeto do presente estudo –, "verdadeira modalidade de autotutela do exercício do direito de crédito, que menoscaba o Poder Judiciário e escapa à blindagem de que trata a parte final do parágrafo 3º do art. 49"5, os demais créditos que não se sujeitam à recuperação não sofrem a novação prevista no art. 59 da lei 11.101/05, podendo tornar-se exigíveis no momento e nas condições acordadas previamente entre as partes, o que, a depender do volume, pode impactar sobremaneira o soerguimento das atividades da pessoa jurídica em recuperação.

Além disso, a incerteza em que se encontram os créditos objeto do presente estudo atrapalha o andamento da recuperação e dificulta a negociação com os credores a ela sujeitos, que não têm exata noção do montante disponível para os seus pagamentos. Assim, o ideal seria que se aumentasse a clareza sobre os créditos considerados "existentes" no momento do ajuizamento da ação que contenha o pedido de recuperação judicial a fim de, com isso, estimar-se com maior exatidão o fluxo de caixa disponível para o desempenho das atividades pela recuperanda e para a negociação com os credores sujeitos ao plano.

Questiona-se, neste sentido, se por existentes devem ser considerados apenas os créditos já quantificáveis (líquidos, consolidados) ou também aqueles que, embora ilíquidos, já possam ser identificados como devidos no momento do ajuizamento da ação de recuperação, pois já conhecida a existência de relação obrigacional a este tempo.

Em obra dedicada ao trabalho de construção da jurisprudência a respeito do instituto da Recuperação Judicial, Luiz Roberto Ayoub e Cássio Cavalli informam que o crédito considerado existente ao tempo do pedido independe do acréscimo da eficácia da pretensão ou da ação. Informam também que o crédito existente "pode ser contratual, extracontratual ou cambiário, contanto que tenha nascido por fato anterior ao pedido de recuperação, pouco importando que eventual sentença condenatória seja posterior ao pedido"6.

3. Entendimentos jurisprudenciais a respeito do tema

Em decisão veiculada através do informativo 510 (Período: 18 de dezembro de 2012), entendeu a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça o seguinte:

O crédito trabalhista só estará sujeito à novação imposta pelo plano de recuperação judicial quando já estiver consolidado ao tempo da propositura do pedido de recuperação. Conforme art. 59 da lei 11.101/05, o plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido. De acordo com o art. 6º, § 1º, da referida lei, estão excluídas da vis atractiva do juízo falimentar e do efeito suspensivo dos pedidos de falência e recuperação as ações nas quais se demandem quantias ilíquidas (não consolidadas). O § 2º desse mesmo artigo acrescenta que as ações de natureza trabalhista serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença. Dessa forma, na sistemática introduzida pela Lei de Falências, se ao tempo do pedido de recuperação o valor ainda estiver sendo apurado em ação trabalhista, esta seguirá o seu curso normal e o valor que nela se apurar será incluído nominalmente no quadro-geral de credores, não havendo novação. REsp 1.321.288-MT, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 27/11/2012.

Em 2015, o STJ firmou o entendimento corporificado no enunciado 12 da sua Secretaria de Jurisprudência segundo o qual "Estão sujeitos à recuperação judicial os créditos existentes na data do pedido, não se submetendo aos seus efeitos os créditos posteriores ao pleito recuperacional". Consultando-se os precedentes que deram suporte ao enunciado 12, encontramos o seguinte:

AgRg no AREsp 468895/MG, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 06/11/2014, DJe 14/11/2014:

Tratou este primeiro precedente de crédito trabalhista. Na decisão de primeira instância (mantida pelo STJ) entendeu o magistrado que os créditos objeto da demanda eram posteriores ao pedido de recuperação, motivo pelo qual deveriam ser excluídos do plano. A sentença fundamentou-se em decisões que consideraram não sujeitos à recuperação os créditos trabalhistas homologados após o deferimento do pedido de recuperação (RCDESP no CC 126879/SP, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/03/2013, DJe 19/03/2013), ou não consolidado ao tempo da propositura do pedido de recuperação judicial (RESp 1.321.288/MT, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, DJe 18/12/2012). Para esta decisão, portanto, créditos trabalhistas considerados existentes para fins de sujeição à recuperação judicial seriam apenas aqueles decorrentes de acordo judicial já homologado ou consolidados ao tempo do ajuizamento do pedido.

REsp 1377764/MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/08/2013, DJe 29/08/2013:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DESPEJO E COBRANÇA DE ALUGUEIS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. NATUREZA ALIMENTAR. EQUIPARAÇÃO A CRÉDITOS TRABALHISTAS. SUJEIÇÃO À RECUPERAÇÃO JUDICIAL. 1- Os honorários advocatícios cobrados na presente ação não podem ser considerados créditos existentes à data do pedido de recuperação judicial, visto que nasceram de sentença prolatada em momento posterior. Essa circunstância, todavia, não é suficiente para exclui-los, automaticamente, das consequências da recuperação judicial. 2- O tratamento dispensado aos honorários advocatícios – no que refere à sujeição aos efeitos da recuperação judicial – deve ser o mesmo conferido aos créditos de origem trabalhista, em virtude de ambos ostentarem natureza alimentar. 3- O Estatuto da Advocacia, diploma legal anterior à atual Lei de Falência e Recuperação de Empresas, em seu art. 24, prevê a necessidade de habilitação dos créditos decorrentes de honorários advocatícios quando se tratar de processos de execução concursal. 4- Recurso especial conhecido e provido

Neste segundo precedente, no entanto, entendeu-se que, embora devessem equiparar-se aos créditos trabalhistas, por terem nascido de sentença prolatada posteriormente ao ajuizamento da recuperação judicial, os honorários advocatícios não deveriam ser sujeitos à recuperação.

RCDESP no CC 126879/ SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/3/2013, DJe 19/03/2013:

PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO RECEBIDO COMO AGRAVO REGIMENTAL. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. JUÍZO UNIVERSAL. JUÍZO DO TRABALHO. EXECUÇÃO TRABALHISTA. CRÉDITO EXECUTADO. ACORDO JUDICIAL HOMOLOGADO APÓS O DEFERIMENTO DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO. PEDIDO DE SOBRESTAMENTO DA EXECUÇÃO TRABALHISTA. INDEFERIMENTO DO PEDIDO LIMINAR. HIPÓTESE DIVERSA DA PREVISTA NO ART. 49, CAPUT , DA LEI 11.101/2005. CONFIRMAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. RECURSO DESPROVIDO.

No mesmo sentido do primeiro precedente (assim como em outros que ensejaram o enunciado 127), entendeu-se neste caso que só se sujeitam à recuperação judicial os créditos já consolidados à data do ajuizamento do pedido de recuperação.

Essa leitura jurisprudencial adrede atrela a sujeição do crédito ao critério de habilitabilidade, nos termos do parágrafo único do Art. 9º da lei 11.101/05. Sendo certo que somente são habilitáveis os créditos líquidos, essa interpretação apenas a estes atribui efeitos de sujeição.

Mais recentemente, o STJ proferiu alguns julgados em que entendeu que por "existentes" deveriam ser considerados os créditos oriundos de relações obrigacionais firmadas antes do ajuizamento da recuperação judicial. A saber:

RECURSO ESPECIAL. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PEDIDO. SENTENÇA TRABALHISTA POSTERIOR. SERVIÇO PRETÉRITO. ART. 49, CAPUT, DA LEI Nº 11.101/2005. INTERPRETAÇÃO.

1. Cinge-se a controvérsia a saber o momento em que o crédito trabalhista é constituído para o fim de averiguar a sua sujeição, ou não, aos efeitos da recuperação judicial. No caso dos autos, a recorrida postulou, na origem, habilitação no processo de recuperação judicial da empresa recorrente, no valor de R$ 17.319,47 (dezessete mil, trezentos e dezenove reais e quarenta e sete centavos), referente a crédito trabalhista reconhecido por sentença em 27/6/2014. O pedido de recuperação foi ajuizado em 12/3/2014. 2. O art. 49 da Lei nº 11.101/2005 ao fazer referência a 'todos os créditos existentes na data do pedido', diz respeito àquelas situações essencialmente originadas antes do deferimento da recuperação judicial, quer dizer, débitos contraídos pela empresa antes da sua reconhecida condição de fragilidade. 3. As verbas trabalhistas relacionadas à prestação de serviço realizada em período anterior ao pedido de recuperação judicial, ainda que a sentença condenatória tenha sido proferida após o pedido de recuperação judicial, devem se sujeitar aos seus efeitos. 4. A exclusão dos créditos constituídos após o pedido de recuperação judicial tem a finalidade de proporcionar o regular funcionamento da empresa, assegurando ao devedor o acesso a contratos comerciais, bancários, trabalhistas e outros tantos relacionados com a atividade fim do empreendimento, com o objetivo de viabilizar a reabilitação da empresa. A inclusão de crédito originado em momento anterior ao pedido não atende a tal fim. 5. Recurso especial provido.8

RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO TRABALHISTA. DISCUSSÃO QUANTO AO MOMENTO DA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRABALHISTA. RECLAMAÇÃO TRABALHISTA QUE PERSEGUE CRÉDITO ORIUNDO DE TRABALHO REALIZADO EM MOMENTO ANTERIOR AO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. SUBMISSÃO AOS SEUS EFEITOS, INDEPENDENTE DE SENTENÇA POSTERIOR QUE SIMPLESMENTE O DECLARE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos (art. 49, caput, da Lei n. 11.1.01/2005). 1.1 A noção de crédito envolve basicamente a troca de uma prestação atual por uma prestação futura. A partir de um vínculo jurídico existente entre as partes, um dos sujeitos, baseado na confiança depositada no outro (sob o aspecto subjetivo, decorrente dos predicados morais deste e/ou sob o enfoque objetivo, decorrente de sua capacidade econômico-financeira de adimplir com sua obrigação), cumpre com a sua prestação (a atual), com o que passa a assumir a condição de credor, conferindo a outra parte (o devedor) um prazo para a efetivação da contraprestação. Nesses termos, o crédito se encontra constituído, independente do transcurso de prazo que o devedor tem para cumprir com a sua contraprestação, ou seja, ainda, que inexigível. 2. A consolidação do crédito (ainda que inexigível e ilíquido) não depende de provimento judicial que o declare e muito menos do transcurso de seu trânsito em julgado , para efeito de sua sujeição aos efeitos da recuperação judicial. 2.1 O crédito trabalhista anterior ao pedido de recuperação judicial pode ser incluído, de forma extrajudicial, inclusive, consoante o disposto no art. 7º, da Lei 11.101/05. É possível, assim, ao próprio administrador judicial, quando da confecção do plano, relacionar os créditos trabalhistas pendentes, a despeito de o trabalhador sequer ter promovido a respectiva reclamação. E, com esteio no art. 6º, §§ 1º, 2º e 3º, da Lei n. 11.1.01/2005, a ação trabalhista que verse, naturalmente, sobre crédito anterior ao pedido da recuperação judicial deve prosseguir até a sua apuração, em vindoura sentença e liquidação, a permitir, posteriormente, a inclusão no quadro de credores. Antes disso, é possível ao magistrado da Justiça laboral providenciar a reserva da importância que estimar devida, tudo a demonstrar que não é a sentença que constitui o aludido crédito, a qual tem a função de simplesmente declará-lo. 3. O tratamento privilegiado ofertado pela lei de regência aos créditos posteriores ao pedido de recuperação judicial tem por propósito, a um tempo, viabilizar a continuidade do desenvolvimento da atividade empresarial da empresa em recuperação, o que pressupõe, naturalmente, a realização de novos negócios jurídicos (que não seriam perfectibilizados, caso tivessem que ser submetidos ao concurso de credores), bem como beneficiar os credores que contribuem ativamente para o soerguimento da empresa em crise, prestando-lhes serviços (mesmo após o pedido de recuperação). Logo, o crédito trabalhista, oriundo de prestação de serviço efetivada em momento anterior ao pedido de recuperação judicial, aos seus efeitos se submete, inarredavelmente. 4. Recurso especial provido.9

4. Influência nos poderes políticos dos credores

Os credores sujeitos à recuperação judicial têm poderes políticos proporcionais ao valor de seus créditos. Informa o art. 39 da lei 11.101/05 que:

Art. 39. Terão direito a voto na assembleia-geral as pessoas arroladas no quadro-geral de credores ou, na sua falta, na relação de credores apresentada pelo administrador judicial na forma do art. 7o, § 2o, desta Lei, ou, ainda, na falta desta, na relação apresentada pelo próprio devedor nos termos dos arts. 51, incisos III e IV do caput, 99, inciso III do caput, ou 105, inciso II do caput, desta Lei, acrescidas, em qualquer caso, das que estejam habilitadas na data da realização da assembleia ou que tenham créditos admitidos ou alterados por decisão judicial, inclusive as que tenham obtido reserva de importâncias, observado o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 10 desta Lei. (...)

A aplicação da posição jurisprudencial segundo a qual sujeitam-se à recuperação judicial todos os créditos oriundos de relações anteriores, mesmo que ainda sem liquidez no momento do seu ajuizamento é benéfica à recuperanda, já que esta terá a seu favor uma maior quantidade de créditos passíveis da repactuação de suas respectivas condições de pagamento. Esta posição também é benéfica aos demais credores que já estariam indubitavelmente sujeitos ao regime. Na medida em que se aumenta a quantidade e o valor total dos créditos renegociáveis, aumentam-se também as chances de todos os créditos virem a ser pagos, pois assim se garante maior flexibilidade e fôlego ao caixa da recuperanda.

Por outro lado, os credores cujos créditos ainda não se encontram consolidados ou liquidados à data do pedido da recuperação não se beneficiam da aplicação desta posição. Para estes, costuma ser mais vantajoso manter as condições originalmente pactuadas de prazos de pagamento, juros e quantidade de parcelas – exceto quando a grande quantidade de créditos assim enquadrados inviabilize a própria recuperação do negócio.

Assim, em geral, os credores enquadrados na "zona cinzenta" apontada neste estudo sustentam que seu crédito não pode ser considerado existente para fins de sujeição ao plano recuperacional, já que ainda não consolidados à data do ajuizamento da ação, enquanto os credores já submetidos e a própria recuperanda costumam pleitear a sujeição do máximo de créditos possível, defendendo serem "existentes" todos aqueles decorrentes de relações obrigacionais prévias ao pedido de recuperação.

No entanto, é necessário que tal sujeição esteja atrelada à conferência do direito de voto, para que o credor eventualmente sujeito à recuperação antes de ter seu crédito quantificado tenha como influenciar o novo pacto ao qual estará sujeito. A inclusão do crédito desacompanhada de tal conferência colocaria os credores em situação de desigualdade com relação aos demais credores sujeitos ao plano de recuperação judicial com direito a voto, o que contraria o princípio da par conditio creditorium (tratamento igualitário do crédito).

Diante disso, cogita-se da aplicação do disposto na parte final do art. 39 da lei 11.101/05 em casos como o ora estudado, a fim de possibilitar que os titulares de créditos ainda não liquidados que venham a sujeitar-se ao regime de recuperação judicial possam efetivamente influenciar a formação do plano em igualdade de condições comparativamente com os credores titulares de créditos já quantificados.

Isto porque a mera inclusão dos credores titulares de créditos ilíquidos no rol de sujeitos à recuperação sem, todavia, atribuir-lhes um valor que possibilite quantificar a extensão de seus direitos políticos os tiraria de uma situação de extrema vantajosidade (manutenção das condições pactuadas individualmente com o devedor antes da situação de crise) para outra, de extrema desvantajosidade (sujeição involuntária às novas condições sem qualquer meio de influência na sua definição). Com isto, mitiga-se, também, parte dos indesejáveis efeitos perversos do "cram down", mecanismo positivado no ordenamento brasileiro através do parágrafo 1º do art. 58 da lei 11.101/05, que permite que o plano seja aprovado a despeito de manifestação de vontade em sentido contrário por credores minoritários.

A aplicação da parte final do Art. 39 da lei 11.101/05 para concessão de direitos políticos à credores ilíquidos na Recuperação Judicial não é trivial. Sua literal aplicação se dá para os casos de habilitação retardatária.

Por outro lado, o que se propõe no presente artigo é a promoção de um diálogo de fontes, de modo que a reserva de créditos ilíquidos seja capaz, também, de atribuir direitos políticos.

Assim, a reserva de créditos ilíquidos com conferência de direito de voto seria imperiosa para conferir ao credor poder de influência sobre o plano, de modo a garantir isonomia.

5. Conclusão

Nos termos do art. 49 da lei 11.101/05, estarão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes à data do ajuizamento do pedido de recuperação, excluídos do novo regime de pagamento os créditos previstos nos parágrafos 3º e 4º do mesmo dispositivo e do Art. 187 do CTN. Neste contexto, coloca-se a questão sobre a sujeição ou não de créditos decorrentes de relações jurídicas celebradas previamente ao pedido recuperacional, mas ainda ilíquidos ou não consolidados.

Para os credores enquadrados nesta "zona cinzenta", a manutenção das condições originalmente pactuadas com a devedora é mais vantajosa, motivo pelo qual estes advogam pela não sujeição de seus créditos à recuperação. Por outro lado, para a recuperanda, quanto mais créditos incluídos no novo regime, maior será o fôlego do caixa disponível ao soerguimento das atividades empresariais, e maiores as chances de êxito. Pelo mesmo motivo, a inclusão dos créditos ainda não liquidados também é interessante aos demais credores já incluídos na recuperação. A questão, portanto, passa pela definição de existência do crédito.

A jurisprudência já se posicionou pelas posições pró credores ilíquidos e pró recuperanda e demais credores, entendendo, com decisões favoráveis aos dois grupos. Ultimamente, temos notado uma tendência do STJ a posicionar-se pela inclusão dos credores ilíquidos no regime recuperacional, porém este entendimento ainda não se encontra consolidado.

A questão a ser enfrentada, diante disso, é a dos poderes políticos conferidos a tal grupo de credores, para que não se estabeleçam condições desiguais entre créditos sujeitos ao regime de recuperação. Isto porque, segundo o art. 39 da lei 11.101/05, os credores sujeitos têm direito a voto na proporção do seu crédito, influenciando com maior ou menor peso na definição das novas condições de pagamento que serão definidas com a anuência da maioria dos credores. E, uma vez que os créditos ainda não consolidados são ilíquidos, o critério de quantificação dos poderes políticos de seus titulares fica prejudicado.

Assim, sugere-se a utilização do mecanismo da reserva de créditos, previsto na parte final do art. 39 da lei 11.101/05, para fins de atribuição de poderes políticos aos credores titulares de créditos ilíquidos sujeito à recuperação judicial. A aferição de seu crédito seria feita por estimativa, permitindo-se que o direito de voto seja exercido na medida mais próxima possível da realidade.
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1 Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. § 1o Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso. § 2o As obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial. § 3o Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial. § 4o Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei. § 5o Tratando-se de crédito garantido por penhor sobre títulos de crédito, direitos creditórios, aplicações financeiras ou valores mobiliários, poderão ser substituídas ou renovadas as garantias liquidadas ou vencidas durante a recuperação judicial e, enquanto não renovadas ou substituídas, o valor eventualmente recebido em pagamento das garantias permanecerá em conta vinculada durante o período de suspensão de que trata o § 4o do art. 6o desta Lei.

2 Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1o do art. 50 desta Lei. § 1o A decisão judicial que conceder a recuperação judicial constituirá título executivo judicial, nos termos do art. 584, inciso III, do caput da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. § 2o Contra a decisão que conceder a recuperação judicial caberá agravo, que poderá ser interposto por qualquer credor e pelo Ministério Público.

3 AYOUB e CAVALLI, Pág. 35.

4 Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005) Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem: I - União; II - Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pró rata; III - Municípios, conjuntamente e pró rata.

5 GONÇALVES E ARRUDA, Pablo. A trava bancária na recuperação judicial. Migalhas 4/12/2015, disponível em: <clique aqui> (acesso em 17/07/2017).

6 AYOUB e CAVALLI, p. 37.

7 REsp 1484168/DF (decisão monocrática), Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, julgado em 09/04/2015, DJe 20/04/2015; Rcl 13862/GO (decisão monocrática), Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, julgado em 06/12/2013, DJe 17/12/2013 e CC 128468/SP (decisão monocrática), Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, julgado em 25/06/2013, DJe 28/06/2013.

8 REsp 1641191/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/06/2017, DJe 23/06/2017

9 REsp 1634046/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/04/2017, DJe 18/05/2017
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AYOUB, Luiz Roberto e CAVALLI, Cássio. A construção jurisprudencial da Recuperação Judicial de Empresas – 3ª ed. Rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017

GONÇALVES E ARRUDA, Pablo. A trava bancária na recuperação judicial. Migalhas. Disponível em: <clique aqui> <_https3a_ www.migalhas.com.br="" depeso="" _162c_mi2310172c_11049-a2b_trava2b_bancaria2b_na2b_recuperacao2b_judicial="">Acesso em 17 jul. 2017.

HÖFLING, Luiz Fernando. O “cram down” da lei de falências e recuperações judiciais. Migalhas, Disponível em: <clique aqui>. Acesso em 04 set. 2017.

TEIXEIRA, Pedro Freitas e BUMACHAR, Juliana. O futuro da recuperação judicial. Acesso em 04 ago. 2017.

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*Pablo Gonçalves e Arruda é advogado e sócio-fundador do escritório SMGA Advogados.

*Natália de Moura Soares é advogada e sócia do escritório SCRB Advogados Associados.

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