O Brasil foi o último país a abolir a escravatura. Admitir que no Brasil ainda existe o trabalho escravo no Brasil em pleno século XXI é uma verdade vexatória. No entanto, o mote do trabalho escravo tem sido utilizado por vários atores sociais de forma maniqueísta e, com o único fito de invocar para si a atenção da imprensa, da população, dos formadores de opinião e dos órgãos de classe.
Recentemente, o Ministério do Trabalho publicou a portaria 1.129, de 13 de outubro de 2017, que modificou a forma de caracterização do trabalho escravo. Como já se previa, os mesmos que se insurgiram contra a reforma trabalhista, também se posicionaram contrariamente a tal portaria.
Não se pode simplesmente taxar de trabalho escravo aquele sem registro em carteira, ou que seja realizado em alojamentos sem banheiros suficientes, ou sem condições sanitárias adequadas, ou sem banheiro químico, ou sem água potável etc. É claro que tais situações podem e devem ser alvo de punição com multas trabalhistas às empresas infratoras. Ademais, tais situações também têm sido apenadas na Justiça do Trabalho com indenização por dano moral.
No entanto, excessos são cometidos por analogias feitas de forma arbitrária. Muitas empresas foram acusadas de serem escravagistas simplesmente por não promover registro em carteira de seus trabalhadores. A portaria recém-publicada tem o mérito de disciplinar a questão, estabelecendo critérios para que determinado trabalho seja considerado escravo, quais sejam: (i) submissão sob ameaça de punição, (ii) restrição de transporte para reter trabalhador no local de trabalho, (iii) uso de segurança armada para reter trabalhador e (iv) retenção da documentação pessoal.
Várias circunstâncias que absolutamente não caracterizam escravidão foram mal utilizadas contra as empresas. Um bom exemplo é taxar como trabalho análogo ao escravo, em razão do fato do trabalhador dormir em rede. Nosso país possui uma diversidade continental de hábitos e costumes. Dormir em rede é um fenômeno cultural, especialmente nas regiões nordeste e norte do país. Assim, a substituição da cama por rede não pode, de maneira alguma, ser tratada como situação idêntica ao trabalho escravo, especialmente nas situações em que mesmo havendo a preferência do trabalhador pela rede, a empresa ainda mantém e disponibiliza cama no alojamento ao obreiro.
Outra questão bastante comum é a não utilização pelos empregados das instalações do refeitório da empresa. Mesmo havendo refeitório, determinados trabalhadores se servem da alimentação e, vão consumi-la fora do refeitório, às vezes em posição de cócoras, com o prato na mão, o que evidencia a questão cultural. E, novamente, as empresas são penalizadas em eventual fiscalização onde são flagrados trabalhadores tomando suas refeições fora do refeitório.
As questões culturais de cada região ditam inclusive o tipo de alimentação preferida pelo trabalhador. Já presenciamos movimentos grevistas devido ao fato da alimentação disponibilizada pela empresa não agradar aos obreiros. Também já testemunhamos situação em que a empresa foi adjetivada de escravagista porque oferecia mandioca, inhame ou cará cozidos em substituição ao pão no café da manhã...
Desta forma, é arriscado classificar uma empresa como escravagista sem conhecer a cultura de seus empregados, seus hábitos, seus gostos e suas preferências. Se dormir em rede, comer com o prato na mão e se alimentar com tubérculos cozidos no café da manhã é ser escravo, então nossa sociedade terá de acabar com a feijoada, o vatapá, a pamonha, a canjica, o azeite-de-dendê, o sincretismo religioso, a capoeira e, o berimbau, com finalidade de extirpar de vez qualquer lembrança à escravatura.
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