As origens da Igreja Católica, no mundo, remontam à Roma em meados de 60 d.C, quando, após dissipadas as mensagens da morte de Jesus Cristo, e com o início da pregação do Evangelismo, se viu notório crescimento da conversão de pagãos à nova fé – o Cristianismo. No Brasil, entretanto, a religião somente se afirmou em meados do séc. XVI, quando da chegada da família real portuguesa, detentora de estreitos laços com o clero da Igreja Católica, em território nacional.
A partir de então, pois, sabemos como se deu o desenrolar da religião em terras brasileiras: a educação dos jesuítas, a evangelização dos indígenas, a influência na arte e literatura – como ocorreu no período barroco e renascentista, bem como a própria união entre o Estado brasileiro e a Igreja Católica, que só foi formalmente separada com a proclamação da República em 1889.
Em dias atuais, porém, o que temos é um cenário bem diferente, marcado pela miscigenação de matrizes étnicas e culturais, outrora tão bem estudada e debatida pelo antropólogo Darcy Ribeiro. Para ele, aliás, a característica presente no que se pode chamar de ''DNA do povo brasileiro'', abrange muito além do que apenas as raízes extraídas da colonização portuguesa, vez que temos aqui, também, a herança deixada pelos indígenas e africanos, que em muito contribuiu para a formação da sociedade que hoje conhecemos1.
Seja como for, o ponto que se pretende destacar, aqui, vai ao encontro à evolução da diversidade religiosa brasileira, após décadas de predomínio do Catolicismo, com a afirmação do estado laico – um dos componentes do Estado Democrático de Direito.
Por estado laico, entende-se aquele estado secular que não adota uma religião oficial e no qual há separação entre o Clero e o Estado, de modo que não há envolvimento entre os assuntos de um e de outro, muito menos sujeição do segundo ao primeiro2. Não é por outro motivo, aliás, que o grande jurista Robert Alexy, em sua obra Teoria dos Direitos Fundamentais, destacou ser o princípio da laicidade um mandamento de otimização, ainda que não de valor absoluto e superior a outros princípios3.
Nesse sentido, e levando em consideração ser dever do Estado concretizar da melhor forma possível, através de sua ação positiva, os princípios e mandamentos constitucionais, foi que surgiu o PL 6.314/05. De autoria do Deputado Takayama (PMDB/PR), o projeto foi apresentado à Câmara ainda em 2005, com a proposta de acrescentar o inciso IV ao art. 142 do Código Penal, que prevê as hipóteses de exclusão dos crimes de injúria e difamação punível, sob a seguinte justificativa: ''O Código Penal já traz a previsão da exclusão do crime de injúria e difamação quando praticado por crítico literário ou artístico, bem como quando praticado por Advogado. Assim, nesse mesmo sentido necessitamos fazer a exclusão do professor e do Ministro religioso, uma vez que o professor dentro da sua atividade de ensino tem que permitir ao educando, na busca do pleno conhecimento, a análise crítica dos acontecimentos e dá história. Também devemos ressaltar o papel do Ministro religioso que segundo os valores da sua fé tem que se posicionar contra determinadas condutas que afrontam esses valores, e que podem ser considerados como ofensivos por outros que defendem posição divergente. Temos a certeza que os nobres pares irão aperfeiçoar esta proposição e ao final aprová-la para o aperfeiçoamento da nossa lei''4.
Destarte, é inegável que o Brasil já foi palco de diversos acontecimentos polêmicos relacionados à intolerância religiosa, não somente contra o Cristianismo, senão que também contra outras religiões – principalmente aquelas provenientes de matrizes africanas. E, justamente aí, é que se encontra o dever do Estado de tutelar o direito à liberdade religiosa, através de atuação positiva.
Assim, apresentou-se o PL em questão à Câmara com o objetivo de descriminalizar a opinião de professor ou ministro religioso, no exercício de seu magistério ou de seu ministério – afinal, nada mais justo do que permitir também à essas personagens, a segurança de exercer e promover suas crenças, sem a acusação de infração penal.
Nesse sentido, a Comissão Especial sobre Liberdade de Opinião no Ensino Religioso definiu data para discussão, em audiência pública, da intolerância, a perseguição e as práticas discriminatórias ao catolicismo e à religião católica, segundo afirma boletim da Assessoria de Imprensa da Câmara dos Deputados5.
O Dep. Flavinho (PSB/SP), autor do requerimento para a realização do debate, afirmou que ''os católicos, principalmente nas últimas décadas, têm sido alvo de ataques por parte de pessoas que praticam outras religiões ou defendem ideologias de arquitetura social diferente da idealizada pela fé católica, e, em alguns casos, os católicos são acusados até mesmo de heresia, idolatria, dentre outras práticas''.
Ainda segundo o Dep., o Brasil já possui disposições legais, expostas na lei 7.716/89, outrora alterada pela lei 9.459/97, considerando crime a prática de discriminação ou preconceito contra religiões. O que falta, somente, é uma regulamentação mais específica do tema, com vistas a afunilar o controle do Estado no combate às manobras de intolerância religiosa.
Aguarda-se, agora, o desdobramento da audiência ocorrida na última quarta (18), e posteriores movimentações de encaminhamento ao Senado.
Acompanhe, aqui, a tramitação do Projeto no site da Câmara.
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1 Sobre isto ver: RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: A formação e o sentido do Brasil. 3ª Ed. Global: São Paulo, 2015.
2 Disponível em: Estado laico é diferente de Estado antirreligioso. Acesso em 18.10.17 às 00h23min.
3 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008. Pgs. 90/91.
4 Disponível em: Projeto de Lei de 2005. Acesso em 18.10.17 às 00h48min.
5 Disponível em: Comissão especial debate atos de discriminação à religião católica. Acesso em 18.10.17 às 01h46min.
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*Gianfrancesco Genoso é CEO do escritório Arruda Alvim e Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica.