Está gerando enorme discussão a publicação pelo Ministério do Trabalho, da nova Portaria que define o que vem a ser trabalho análogo a escravo no Brasil.
E não poderia ser diferente, face aos interesses que abrange a nova Portaria.
De um lado, as entidades que representam os trabalhadores, e que lutam diariamente para que seja cada vez mais severa a punição e mais ampla a definição de trabalho análogo a escravo. De outro, entidades representativas dos empregadores, especialmente produtores rurais, que buscam a restrição dessa definição, reduzindo a possibilidade de um trabalhador ser considerado escravo.
Pois bem. Antes dessa Portaria, a fiscalização em locais de prestações de serviços era realizada apenas por Fiscais do Trabalho, que, ao lançarem um Auto de Constatação de Trabalho Análogo a Escravo, já estaria cadastrado no Ministério de Trabalho e Emprego a situação daquele proprietário, geralmente rural. É certo que a parte autuada tinha um prazo para defesa administrativa, que, sendo improcedente, teria seu nome lançado no Cadastro de Empregadores que mantinham trabalho análogo a escravo em suas dependências.
Agora, o Fiscal, para que sua autuação tenha validade plena, deverá estar acompanhado de autoridade policial, não definindo a Portaria de que esfera – portanto qualquer que seja ela – que deverá, além do Auto, lavrar um Boletim de Ocorrência.
Infirma a Portaria, que, após lavrado Auto pelo Fiscal e o BO pela autoridade policial, o autuado deverá ter amplo direto de defesa, garantido o contraditório e o processo administrativo, e que somente após decisão final deste – ou seja, após todos os recursos existentes – é que o empregador poderá ter seu nome inscrito no Cadastro Empregadores que mantinham trabalho análogo a escravo em suas dependências, com todos os ônus correspondentes.
Mas o que vem gerando as maiores críticas, especialmente do Ministério Público, é a definição de trabalho escravo, que foi lavrada na Portaria. Para se configurar trabalho análogo a escravo o trabalhador não poderá ter concordado em prestar aquele tipo de serviço, ter sido privado no seu direito de ir e vir, trabalhar sob ameaça de punição, mediante segurança armada do empregador para mantê-lo no trabalho e ser proibido de deixar o trabalho em razão de dívida contraída com o empregador.
Se antes da Portaria, a definição era bastante ampla, agora se tornou bastante restritiva. Resolveu um excesso, com outro excesso.
Há ainda a questão da vigência da Portaria que foi publicada em 16 de outubro de 2017, com vigência imediata. Isso significa que logo no dia 17 de outubro a Portaria entrou em vigor, atingindo os relacionamentos atuais, bem como aqueles que já se encerraram e estão sendo analisados sob a égide da legislação revogada. Quem está com processo judicial ou administrativo em curso, ainda que em fase recursal, pode perfeitamente invocar os termos da Portaria para que, sob seus auspícios, possa ser julgado.
E mais, tratando-se de norma de natureza jurídica penal, posto que punitiva, há possibilidade daqueles que foram punidos sob as regras anteriores buscarem judicialmente a revisão de suas penas, em razão do evidente favorecimento da regra atual. O Judiciário certamente será provocado.
Em face ao conflito existente entre os ferrenhos defensores da norma anterior e da norma atual, quem decidirá o futuro dessa Portaria será o Supremo Tribunal Federal. Aguardemos.
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*Francisco Anis Faiad é advogado, professor de Direito e ex-presidente da OAB/MT.