Advogados não são bandidos
Antonio Ruiz Filho*
A nossa República, que já foi dos bacharéis num tempo em que aquela elite luminar dominava a cena política, hoje ressente-se pela conduta de indivíduos que se valem da condição de advogado para praticar toda sorte de crimes e imoralidades. Embora portando a insígnia de advogado, não o são, absolutamente. Não merecem o honroso título.
Ser bacharel em direito e inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil não é suficiente. O preenchimento desses dois requisitos da lei de forma alguma os capacita para serem advogados na acepção da palavra, que traduz conteúdo bem mais exigente. Temos de reconhecer: é preciso muito mais.
Ética, bom nível intelectual e domínio do conhecimento jurídico são atributos inseparáveis do advogado, entre outras tantas qualidades que dele se pode esperar.
Contribuiu para o atual desgaste da profissão perante a opinião pública a indiscriminada abertura de faculdades de direito, que "despejam" bacharéis despreparados em um mercado de trabalho já saturado. Empresários do ensino transformaram cursos de direito em negócio altamente rentável, relegando a plano inferior o desenvolvimento dos estudantes.
A OAB, por seu turno, negligenciou na admissão de novos advogados, concedendo inscrição para quem não detinha condições de exercício condigno da profissão -a seccional paulista, todavia, vem praticando severa redução de aprovações.
Só Estados opressores têm interesse na deterioração da advocacia, porque, sem ela, quem haverá para reclamar direitos e exigir justiça?
Ao mesmo tempo, a sociedade brasileira sofreu sensível empobrecimento ético e cultural, fenômeno, aliás, que colaborou para o decréscimo qualitativo do exercício de todas as profissões.
Esse conjunto de anormalidades gerou a má formação de um certo número, embora limitado, de profissionais da advocacia. É com eles que temos nos defrontado atualmente; pseudo-profissionais portando carteira de advogado e servindo-se dela para condutas nada compatíveis com o seu mister. Devemos repisar enfaticamente que esse não é o verdadeiro advogado, mas apenas alguém que se infiltrou na profissão para servir-se dela como álibi.
A imprensa diuturnamente alardeia essa indigência ética, expondo condutas estranhas à profissão ao escárnio popular. Aqui é preciso dizer que a mídia, por vezes, ao analisar condutas de advogados, também erra muito, ora por absoluto desconhecimento das questões jurídicas, ora por deliberada intenção de criar o sensacionalismo.
Nesse lastimável cenário, a advocacia inteira está sendo arrastada injustamente para uma situação de descrédito, passando a valer como regra o que jamais deixou de ser exceção.
Há nesse respeitável grupo, que representa a expressiva maioria dos advogados brasileiros, excelentes profissionais, de todos os matizes. Nenhum deles se verga ao autoritarismo nem compactua com o embuste. Impressiona ver como tantos e tão bons podem existir ainda agora.
Atuam em toda parte, dos juizados especiais às cortes superiores, defendendo o que é justo, retirando o Direito dos livros para transformá-lo em uma experiência viva.
Antes de enxovalhar a totalidade da classe composta por profissionais corretos e dedicados, é preciso alertar a sociedade sobre o perigo que representa o enfraquecimento da advocacia para o Estado democrático de Direito. O advogado é quem necessariamente estabelece o elo entre o cidadão e o seu direito.
Aquele que seja detentor de algum direito quase sempre necessitará da assistência de um advogado para guiá-lo diante do complexo conjunto de normas que asseguram o convívio social. Apenas os Estados opressores têm interesse na deterioração da advocacia, porque, sem ela, quem haverá para reclamar direitos e exigir justiça? Em períodos de ocaso democrático, a advocacia e suas organizações não retrocedem e sempre pontificam a luta por dias melhores, com paz social e garantias fundamentais.
Ainda carece temer a retirada ou o desrespeito a suas prerrogativas, que servem ao livre e eficaz exercício da profissão, não a benesses pessoais.
As prerrogativas garantem a efetividade da advocacia, para que cada advogado possa ser útil aos legítimos interesses do cliente. Seria preciso mais espaço para o quanto ainda há de ser dito sobre o tema. Mas, por ora, o essencial é afirmar: advogados não são bandidos; bandidos não são advogados -nunca o serão!
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*Presidente da AASP - Associação dos Advogados de São Paulo
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