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Tutela declaratória e interpretação da cláusula compromissória arbitral

O Superior Tribunal de Justiça admite a tutela declaratória para interpretar cláusula contratual, mas não admite Recurso Especial para a sua simples interpretação. Neste sentido, são as súmulas 181 e 5, até porque a súmula 7 da mesma Corte não permite o reexame de provas. Não obstante tais enunciados, o STJ vem admitindo a possibilidade de revisão de cláusulas contratuais.

17/10/2017

A inspiração para escrever este artigo surgiu após a leitura do "paper" do Prof. Paulo Henrique Lucon1 que trata da possibilidade de utilização da ação declaratória com o fim de interpretar cláusula contratual.

O ilustre Professor disserta voltado para a via judicial de solução de conflitos, "justiça pública". Aqui, a abordagem será focada na via arbitral, "justiça privada".

O Superior Tribunal de Justiça admite a tutela declaratória para interpretar cláusula contratual, mas não admite Recurso Especial para a sua simples interpretação. Neste sentido, são as súmulas 1812 e 53, até porque a súmula 74 da mesma Corte não permite o reexame de provas. Não obstante tais enunciados, o STJ vem admitindo a possibilidade de revisão de cláusulas contratuais.

A cláusula compromissória arbitral, como se sabe, é a convenção, por escrito, através da qual as partes comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a determinado contrato.

A redação da mencionada cláusula não tem recebido a atenção merecida das partes ou dos profissionais que as assessoram. Eles estão focados nas tratativas quanto ao objeto, ao preço e às garantias, relegando o debate da cláusula compromissória para o momento final da negociação. Daí o jargão arbitral midnight clauses, pois preparadas a poucos instantes do "fechamento" do contrato. O que se observa, muitas vezes, é a inclusão de uma cláusula já salva em algum diretório de computador, copiada sabe-se lá de onde, ocasionando inevitáveis problemas de ordem material e processual.

Nesse compasso, não é incomum que ocorrendo divergência entre os contratantes se um (ou mais) deles está efetivamente subordinado aos efeitos da cláusula compromissória, se procure pelo Poder Judiciário para interpretá-la5. E aqui está o equívoco recorrente.

O árbitro é o juiz de sua própria competência. É ele quem decide sobre as questões relativas à cláusula compromissória e ao contrato a que ela refere6. Em outras palavras, cabe a ele interpretar quaisquer cláusulas, incluindo, obviamente, a compromissória inserta ou não na minuta contratual.

Eleita a arbitragem para a solução de conflitos, ela deve ser instaurada7 e o procedimento arbitral8 deve prosseguir até o seu final, cabendo o controle judicial nas hipóteses previstas na Lei de Arbitragem.

A pretensão da parte de ter interpretada cláusula compromissória ou cláusula do contrato a que ela refere deve ser submetida ao juízo arbitral, sendo inviável o manejo de ação judicial declaratória para tal fim que, ademais, não tem o condão de obstar a instalação do juízo arbitral e de impedir o seu desenvolvimento.

Assim sendo, eleita a arbitragem para a solução dos conflitos, a interpretação ou a revisão de cláusula compromissória ou de qualquer outra cláusula do contrato é de competência do juízo arbitral, cabendo a atuação do Poder Judiciário nos casos previstos na LA, conforme já apontado.

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1 Disponível em: < Tutela declaratória e interpretação de cláusula contratual >. Acesso em: 11 out. 2017.

2 Súmula 181: É admissível ação declaratória, visando a obter certeza quanto à exata interpretação de cláusula contratual.

3 Súmula 5: A simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial.

4 Súmula 7: A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.

5 O que também pode ocorrer com cláusulas compromissórias exemplarmente redigidas.

6 Lei de Arbitragem (LA), art. 8º, par. único.

7 LA, arts. 5º e 7º.

8 LA, art. 21.

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*Sandra Regina Pires é doutora em Ciências Jurídicas e Sociais. Mediadora e Conciliadora capacitada para atuar nas iniciativas pública e privada, cadastrada no TJ/SP. Advogada militante há 26 anos nas áreas cível e família.


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