Em junho de 2015, o Recurso Especial 1.520.710/SC foi recebido pelo Superior Tribunal de Justiça como representativo de controvérsia sobre a possibilidade de haver dupla condenação sucumbencial na fase de cumprimento de sentença.
A tese controvertida foi assim delimitada: "possibilidade ou não de cumulação da verba honorária fixada nos embargos à execução com aquela arbitrada na própria execução contra a Fazenda Pública, vedada a sua compensação".
No caso concreto em que o REsp foi interposto, a discussão foi instaurada em um Agravo de Instrumento, dirigido ao Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF4). O recurso foi inaugurado pelos então exequentes, que pleiteavam a fixação de honorários na execução, para além dos que haviam sido fixados nos embargos à execução dela dependentes.
Baseados no parágrafo 4o do artigo 20 do Código de Processo Civil de 1973, os exequentes defendiam a tese da autonomia entre o processo executivo e o de embargos, a justificar a condenação em honorários nos dois feitos.
Além de invocar precedentes do TRF4, os recorrentes fizeram menção ao julgamento dos embargos de divergência 81.755/SC, da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (DJ 02/04/01), no qual foi fixada a tese de que "é viável a cumulação dos honorários advocatícios fixados na ação de execução com aqueles arbitrados nos respectivos embargos do devedor."
O AI foi provido em parte pelo TRF4. O Relator entendeu que a Súmula 345 do STJ autorizaria a fixação de honorários sucumbenciais na execução, independente de embargada ou não, se os valores exequendos fossem de até 60 salários mínimos (e, portanto, requisições de pequeno valor), ou se o título em execução tivesse sido formado em ação coletiva ou ação civil pública.
Entretanto, fez a ressalva de que, se opostos embargos à execução, os honorários da execução incidiriam apenas sobre a parcela "incontroversa", reconhecida de plano pelo executado. A eventual apuração da verba sucumbencial incidente sobre o crédito controvertido só seria cabível ao final do processo de embargos, podendo inclusive haver compensação entre os honorários, se fosse o caso.
Contra esse acórdão do TRF4, os Recorrentes interpuseram o REsp que representa a controvérsia ora discutida. O pedido era pela reforma do acórdão recorrido, para que fossem fixados honorários sucumbenciais na Execução independente daqueles fixados nos embargos à execução, isto é, sem compensação.
Em suas contrarrazões, a União aduziu que seria impossível cumular a sucumbência da execução e dos embargos, sob pena de negar vigência ao art. 1º-D da lei 9.494/97, pelo qual não são devidos honorários advocatícios sucumbenciais nas execuções contra a Fazenda Pública que não forem embargadas.
O argumento da União – que é igualmente corroborado por precedentes do STJ – funda-se na premissa de que os embargos à execução tem natureza acessória, e não autônoma, em relação à execução.
Cumpre mencionar que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) foi admitido no feito, na qualidade de assistente dos recorrentes, em razão do interesse subjacente da classe no julgamento da demanda. Afinal, a eventual compensação dos honorários da Execução e dos Embargos pode impactar o advogado da causa, credor da verba honorária.
Desde dezembro de 2015, o REsp está concluso para o relator, ministro Mauro Campbell Marques, aguardando julgamento pela segunda turma do Superior Tribunal de Justiça.
Apesar de não haver solução definitiva no recurso representativo da controvérsia, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é absolutamente pacífica ao admitir a cumulação das verbas sucumbenciais arbitradas na execução e nos embargos.
É o que se verifica, por exemplo, no julgamento recente dos embargos de Declaração no Recurso Especial 1.627.602/SP, no qual a Terceira Turma do STJ seguiu o entendimento da Corte Especial de que é possível cumular a verba sucumbencial da execução e dos embargos, por se tratar de ações autônomas.
A jurisprudência consolidada pela Corte Especial nos Embargos de Divergência 81.755/SC vem sendo confirmada reiteradamente nos julgados do STJ, inclusive da própria Corte Especial, como ilustram os EDcl no AgRg nos REsp 1.328.161/PR, o AgRg nos EREsp 1.086.378/RS, o AgRg nos EREsp 1.066.852/RS, entre outros.
Muito embora a jurisprudência do STJ defira a cumulação das verbas, os acórdãos consignam que a autonomia entre os dois processos não é absoluta. Isto é, a "sucumbência final" do processo depende do resultado dos embargos, o que não necessariamente afasta a remuneração do advogado pela atuação na execução e nos embargos. Os precedentes do STJ consignam expressamente que a "sucumbência final", apesar de fixada após o julgamento dos embargos, deve atender a ambos os incidentes.
Porém, a soma das condenações não pode superar o limite máximo de 20% (vinte por cento) do art. 20, §3º do CPC/73 (AgRg no AREsp 170.817-PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 16/10/12), igualmente previsto no art. 85, §2º do CPC/15.
A jurisprudência do STJ também não tem diferenciado execuções de títulos judiciais ou extrajudiciais para admitir a cumulação de honorários. É o que se verifica nos EDcl no REsp 1.627.602/SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi (julgado em 14/03/17). Tampouco importa se a execução é movida individual ou coletivamente (AgRg no REsp 1.350.039/RS, Rel. Ministra Regina Helena Costa, julgado em 25/08/15).
Vê-se que, atualmente, não existe controvérsia na jurisprudência do STJ quanto à possibilidade de cumular os honorários da execução e dos embargos. Do contrário, essa é relativamente detalhada quanto às especificidades que surgem na interpretação dos casos concretos.
De qualquer maneira, a pendência do julgamento do RRC (REsp 1.520.710/SC) chama a atenção para os desafios que ainda se colocam sobre o tema, em especial, após a inovação legislativa do Código de Processo Civil de 2015.
O art. 85, §7o do CPC/15 determina que não serão devidos honorários nas execuções contra a Fazenda Pública se relativas a créditos pagos por precatório, e se não tiverem sido impugnadas. A contrario sensu, se as execuções forem impugnadas, entende-se que haverá fixação de honorários. De igual maneira, se o crédito executado for pago mediante RPV, poderia haver condenação em honorários.
O fato de o processamento da execução contra a Fazenda Pública ter sido alterado substancialmente com a edição do CPC/15 traz novos contornos para a questão objeto do RRC. Afinal, a Fazenda Pública atualmente resiste à execução através da Impugnação ao cumprimento de sentença (art. 535), não mais com o processo autônomo de embargos à execução (antigo art. 730 do CPC/73).
Logo, uma vez que a discussão sobre o crédito exequendo se dá no bojo de um mesmo processo, não há sequer pertinência em falar em cumulação. Desde que não se trate da hipótese encerrada no art. 85, §7o, pode haver condenação em honorários nas execuções contra a Fazenda Pública, que inclusive deve atender aos critérios previstos nos incisos I a IV do § 2o.
Reunir as discussões que antes eram travadas em dois processos (de execução e de embargos) num só feito parece dar mais força para a tese de que os embargos têm uma natureza acessória e dependente em relação ao processo de execução e, por isso, só faz sentido haver uma condenação sucumbencial.
Os processos de execução e de embargos de fato têm objetos coincidentes: o crédito exequendo. Isso não significa que a discussão dos embargos aborde apenas aspectos técnicos do cálculo, relativos a eventual excesso de execução. Do contrário, a tese veiculada pelo devedor nos embargos – ou na atual Impugnação ao cumprimento de sentença – também pode contemplar alegações preliminares, que visam a desconstituir a própria pretensão executiva.
Aliás, é essa a realidade da maior parte das execuções contra a Fazenda Pública. A defesa estabelecida pela União e pelas Autarquias Federais vem sendo sofisticada para incrementar robustecer as alegações preliminares, fenômeno que certamente se deve, ao menos em parte, às alterações jurisprudenciais em matéria de legitimidade para a execução de títulos coletivos contra a Fazenda Pública (representada pelo RE 573.232/SC e, mais recentemente, pelo RE 612.043/PR).
A coincidência temporal entre as inovações jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal sobre Direito Administrativo e a vigência do Código de Processo Civil de 2015 criou um resultado paradoxal para as execuções contra a Fazenda Pública, no que se refere à condenação sucumbencial.
Existem casos de execuções de um mesmo título judicial em que houve dupla condenação sucumbencial (pois a Execução foi resistida por meio de embargos à execução) e em que houve uma única condenação (pois a execução foi resistida por meio da Impugnação ao cumprimento de sentença), sendo que nos dois casos o debate volta-se para o montante total executado, e para questões preliminares que poderiam afetar a cobrança desse crédito. O direito que está sendo liquidado é o mesmo nos dois casos, por se tratar de execuções oriundas de um mesmo título judicial.
Esse exemplo desperta uma análise crítica da jurisprudência do STJ, que tem deferido a dupla condenação sucumbencial nos processos de execução e de embargos. De fato, casos concretos como o mencionado acima reforçam a tese de que, tal como ocorre com processos ajuizados sob a égide do CPC/15, faz mais sentido haver uma única condenação, dada a identidade do objeto dos feitos.
O fato de haver milhares de processos que ainda são julgados sob a sistemática do CPC/73 traz ainda mais pertinência para essa discussão, que pode ter um novo desdobramento após o julgamento do Recurso Especial 1.520.710/SC.
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*Laura Carneiro de Mello Senra é advogada do escritório Torreão Braz Advogados